O globo, n. 30092, 27/12/2015. País, p. 3

Prefeituras vão à lona

SILVIA AMORIM

Investimentos nas capitais sofrem redução de até 90%; perspectiva para 2016 é sombria.

Em outubro, 11 capitais ultrapassaram o limite de alerta imposto pela legislação para despesas com servidores

Das 22 cidades que enviaram relatórios ao Tesouro Nacional, 14 informaram que gastaram menos do que em

2014; Rio é uma das poucas em que ritmo aumentou

A crise econômica atingiu em cheio prefeitos de capitais às vésperas do ano eleitoral. Em 14 das 22 prefeituras dessas cidades que enviaram relatórios ao Tesouro Nacional, os gastos com investimentos caíram em relação a 2014, paralisando ou atrasando obras em curso. Há casos extremos, como o de Natal (RN), onde essas despesas despencaram 89,8%, informa SILVIA

AMORIM. A queda na arrecadação e nos repasses, para analistas, indica que a situação não deve melhorar em 2016. A prefeitura do Rio surge como uma das exceções, com aumento de 74%. Onze capitais também já ultrapassaram o limite de alerta previsto em lei para gastos com servidores. -SÃO PAULO- A menos de um ano para as eleições municipais, o desejo de muitos prefeitos era estar com canteiros de obras a pleno vapor para as inaugurações em 2016. Mas a crise econômica atingiu em cheio esses planos e nas grandes cidades, que, em tese, seriam menos vulneráveis à recessão, já é possível constatar que os investimentos despencaram até 90% este ano. O pouco recurso disponível em caixa está sendo canalizado para despesas obrigatórias como a folha salarial, e algumas capitais admitem que deverão fechar o ano com déficit.

Relatórios entregues pelos prefeitos das capitais ao Tesouro Nacional no início deste mês revelam que 14 das 22 prefeituras que apresentaram seus balancetes fiscais investiram menos este ano do que em 2014. As maiores quedas ocorreram em Natal (89,8%), Curitiba (63,7%) e Vitória (46,4%). A prefeitura do Rio é exceção e está no grupo das que ampliaram o ritmo, apesar do cenário econômico, graças à Rio-2016.

EM NATAL, INVESTIMENTOS DESABAM

A desaceleração atingiu prefeituras de todos os portes. Na capital potiguar, o prefeito e candidato à reeleição Carlos Eduardo (PDT) aplicou até outubro R$ 35 milhões em investimentos — 10% do valor de 2014. Os números se repetem na Curitiba do prefeito Gustavo Fruet (PDT), também no primeiro mandato. Em Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB) aplicou em obras e compras de equipamentos, até outubro, R$ 491 milhões contra R$ 846 milhões no mesmo período do ano passado.

— Os investimentos estão desabando este ano por causa da queda da arrecadação. Para ver como a situação é preocupante em todo o país, nos estados e no governo federal a queda é ainda maior — disse o economista e especialista em contas públicas Raul Velloso.

GASTO COM PESSOAL SOB ALERTA

Campo Grande vive situação ainda mais complicada. Alvo de uma crise política, além da econômica, a cidade está pagando salários parceladamente desde meados do ano. Ainda reduziu em 30% os investimentos, e o prefeito Alcides Bernal (PP), que ficou afastado do cargo por um ano e meio, pode fechar as contas no vermelho. No vermelho também está o gasto com pessoal no município. Cerca de 55% do que o governo arrecadou este ano foram para pagar salários.

A prefeitura está infringindo a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita a 54% da receita corrente líquida o gasto com pessoal. Isso se repete em São Luís.

No atual mandato, nunca a luz amarela referente às despesas com funcionário acendeu para tantos prefeitos de capitais. Onze ultrapassaram em outubro o limite de alerta imposto pela legislação (quando o gasto fica acima de 48,6% da receita).

Mais da metade das cidades avaliadas ampliou a folha de pagamento desde 2013. Essa expansão pode ter motivos além da crise.

— À medida que vai se aproximando o fim dos mandatos, é de se imaginar que os gastos com pessoal subam porque é no penúltimo ano que os prefeitos querem agradar por causa da eleição. Isso somado à crise, que frustrou as receitas, criou um problema maior para os municípios — disse Velloso.

A combinação de gastos elevados e arrecadação em baixa já levou, em outubro, duas prefeituras à lona. Natal e Manaus registraram déficit (gasto superior ao disponível em caixa). Sem perspectiva de melhorar a arrecadação, a tendência é que mais prefeituras registrem rombos nas contas de 2015, piorando a situação em 2016, ano eleitoral.

— Acho pouco provável que os municípios consigam equalizar esse déficit este ano — avaliou o professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) Paulo Roberto Galvão.

Para o analista em Finanças Públicas Fábio Klein, a situação em 2016 pode ser ainda pior para os orçamentos municipais por causa do ano eleitoral.

— Há uma tendência dos governos de produzirem uma expansão dos gastos em ano eleitoral. Como muitos municípios vão começar 2016 já numa situação delicada, por causa do que aconteceu em 2015, isso vai exigir dos gestores um controle maior dos gastos, um desafio em ano de eleição — disse Klein.

De olho nesse cenário, a Fipe preparou para janeiro o curso inédito para gestores municipais “Como enfrentar a crise financeira nas prefeituras”.

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Gestores culpam arrecadação e repasses em queda

SILVIA AMORIM

Prefeitura de Vitória diz que enfrenta maior frustração de receita de sua história.

-SÃO PAULO- A prefeitura de Curitiba apontou dois motivos para a redução dos investimentos na cidade este ano. O primeiro é o ajuste fiscal nas contas municipais por causa da queda da arrecadação. O município também culpou a redução dos repasses do governo federal para a cidade pela situação.

“O contingenciamento no Orçamento Geral da União, anunciado oficialmente a partir de maio deste ano, represou e atrasou um volume significativo de transferências do governo federal para a execução de grandes investimentos, a exemplo de obras do PAC Mobilidade, de drenagem e gestão de risco, do PAC Habitação e na construção de Centros Municipais de Educação Infantil”, informou em nota.

A atual gestão municipal também alegou que os investimentos no ano passado foram grandes devido às obras da Copa do Mundo e que, portanto, houve uma redução previsível em 2015.

A prefeitura de Vitória explicou que passa pela maior frustração de receita da sua história e que, por isso, despesas tiveram que ser ajustadas. Também comunicou que está trabalhando para reduzir os gastos com pessoal. “A prefeitura vive a maior queda na receita de toda a sua história. Por isso, são necessários ajustes nas despesas. Para enfrentar essa situação, a administração municipal precisou fazer adequações, começando pela folha de pessoal e redução de contratos, como os de segurança patrimonial e os de locação de imóveis e de veículos”, informou.

BH EVITA PROJEÇÕES PARA 2016

A prefeitura de Belo Horizonte informou que a redução dos investimentos em 2015 é “natural” por causa dos desembolsos feitos nos anos anteriores por causa da Copa do Mundo. “O ano de 2014 foi marcado por grandes investimentos em Belo Horizonte, principalmente nas áreas de mobilidade urbana, saneamento, saúde e educação. Diante de expressivos investimentos em 2014 como estes citados é natural a redução dos investimentos no ano seguinte, como ocorreu em 2015”, justificou.

Em relação a 2016, o governo da capital mineira disse que não é possível ainda fazer projeções por causa da crise econômica. “Diante disto, a orientação tem sido de responsabilidade fiscal e parcimônia na autorização de novas obras e investimentos”. As prefeituras de Natal e Campo Grande não se manifestaram. (Silvia Amorim)

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Em todo o país, 40% dos municípios devem fechar 2015 no vermelho

TIAGO DANTAS

Levantamento mostra que 62% dos prefeitos devem a fornecedores.

“Se não houver repasse maior dos governos federal e estadual no ano que vem, os municípios não têm o que fazer” Marcos Monti (PR) Prefeito de São Manuel e presidente da Associação Paulista de Municípios (AMP)

-SÃO PAULO- Pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) entre setembro e novembro deste ano em 4.080 cidades mostrou que 62% dos prefeitos estão em débito com fornecedores e 13% devem salários a funcionários. Quatro em cada dez chefes de Executivo municipal afirmaram que não conseguirão deixar as contas no azul em 2015.

Ao longo do ano, os municípios viram seus caixas ficarem desequilibrados por causa da crise econômica. O resultado prático dessa situação tem sido atraso de salários, adiamento de pagamento a fornecedores e paralisação de obras.

Principal fonte de recurso das cidades menores, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) caiu 4,7% em valores reais entre 2014 e 2015, segundo a CNM. Em contrapartida, o custeio aumentou: gastos com salários e contas como a de energia elétrica, por exemplo.

A queda do FPM está diretamente ligada à desaceleração da economia.

— Se não houver repasse maior dos governos federal e estadual no ano que vem, os municípios não têm o que fazer. A situação é muito preocupante porque a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o prefeito de passar com déficit o último ano do mandato — disse o prefeito de São Manuel (SP), Marcos Monti (PR), presidente da Associação Paulista de Municípios (AMP).

Monti estima que 65% das cidades de São Paulo deixaram dívida para 2016. Como exemplo do desequilíbrio financeiro ele cita a situação de São Manuel: a arrecadação de tributos cresceu 1,2%, enquanto o custo da folha de pagamento subiu 10,4%. O prefeito afirma ter cortado cargos comissionados e estuda cancelar a festa de carnaval no ano que vem.

Em Barra do Rio Azul, uma cidade de 2 mil habitantes no Rio Grande do Sul, a solução encontrada pelo prefeito Ivonei Marcio Caovila (PDT) foi mais drástica: ele demitiu os sete secretários municipais. Os cargos foram assumidos por funcionários. Também foram cortados cargos comissionados e alugueis, tudo aprovado pelos vereadores.

Já em municípios do Ceará, o que tem acontecido é a queda na qualidade do serviço público, segundo o consultor econômico da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Irineu de Carvalho. Segundo ele a perspectiva é ainda pior para 2016, já que as previsões na economia são desfavoráveis:

— Num primeiro momento, o prefeito reduz o custeio, depois o investimento. Mas chega um momento que não tem muito mais o que fazer, e aí vai ter que começar a reduzir serviços — afirma Carvalho.

CALAMIDADE FINANCEIRA

Pelo menos oito cidades brasileiras decretaram estado de calamidade financeira nos últimos seis meses, medida que prevê a redução da jornada de servidores e o corte de salários. Em Itabira (MG), com 116 mil habitantes, o prefeito Damon Lázaro de Sena (PV) reduziu seu salário de R$ 24,9 mil para R$ 18,7 mil.

Cidades que não decretaram calamidade financeira oficialmente também vivem situação problemática. Todo mês a prefeitura de Satuba (AL) tem um déficit de R$ 300 mil, o que levou o prefeito Paulo Acioly (PSD) a praticamente desistir de se candidatar à reeleição e considerar ser enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal ao final do mandato.

— A cidade está falida. Não vejo saída. Estou gastando 120% do orçamento com folha de pagamento. Passei muito o limite da lei, mas pelo menos não estou atrasando. Vou perder meu nome por uma situação que nem é culpa minha.