A pressa da oposição

Natália Lambert

11/10/2015

Diante da possibilidade concreta de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deixe o cargo, em função das denúncias de corrupção relacionadas à Operação Lava-Jato, a oposição se movimenta para acelerar a abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Juristas e cientistas políticos avaliam que a situação exige prudência. 

"A oposição tem pressa porque ela não tem segurança na continuidade do presidente Eduardo Cunha. Ele está muito vulnerável. É a situação do 'quem pisca primeiro'. Não existe número suficiente hoje para autorizar um impeachment, mas a oposição quer, pelo menos, abrir o processo e causar o constrangimento", comenta o analista político Antônio Queiroz, o Toninho, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). 

Hoje, oito pedidos de impeachment aguardam decisão de Eduardo Cunha, que tem o poder de aceitá-los ou rejeitá-los. Só neste ano, 24 denúncias foram apresentadas. Observadores avaliam que o número pode aumentar depois da rejeição das contas de 2014 de Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União. O parecer do TCU chegou ao Senado na última sexta-feira, e a presidente da Comissão Mista de Orçamento, senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), decidirá na terça-feira o nome do relator do processo no colegiado. 

Como a análise das contas deve se estender até o ano que vem - a comissão tem até 77 dias corridos para apresentar relatório - a oposição aposta no parecer do TCU para acelerar a abertura do processo de impeachment. "Já há uma estratégia definida. Não há a necessidade de esperar a comissão de orçamento", afirma o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). 

Para Queiroz, seria prudente que a oposição esperasse a análise das contas pelo Congresso para ter um argumento jurídico e um pedido com mais consistência. "A pressa causará o desgaste e não produzirá o afastamento da presidente", diz. O cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Geraldo Tadeu concorda que a preocupação da oposição "tem nome e sobrenome: Eduardo Cunha". "Hoje, não há condições para se emplacar um processo de impeachment. Apesar de a presidente estar no olho do furacão, enfrentando uma crise política, econômica e moral, não acredito que haverá rebelião suficiente na base para o processo prosperar. Há um horizonte cada vez mais maduro, mas é preciso ter calma", acredita. 

O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello defende que é hora de tirar o pé do acelerador. "A análise do TCU é uma orientação técnica e é necessário esperar o julgamento do Congresso. Não podemos viver aos solavancos sendo surpreendidos a todo instante por fatos políticos. Precisamos unir forças em torno do bem comum, que é a coletividade. O bem do povo, que está sofrendo com a falta de comida na mesa, de emprego, com a alta da inflação. É hora de cerrarmos fileiras, deixando paixões políticas de lado." 

Já o ministro aposentado do STF Carlos Velloso acredita que o parecer técnico do TCU é a verificação de que houve a prática de crime de responsabilidade por parte da presidente. "Isso é muito grave. Com a constatação dessa imensa irregularidade, acredito que já há justificativa suficiente para um pedido de impeachment." 

Mandato 
Cunha tem rejeitado pedidos de impeachment da presidente por serem, segundo ele, inconsistentes. Ele chegou a afirmar que só aceitaria uma denúncia referente a este mandato. De acordo com a Constituição, o presidente só pode responder por crime cometido no mandato vigente. As contas rejeitadas pelo TCU são de 2014, ou seja, do mandato anterior. Para Carlos Velloso, tem de se considerar que, quando a Constituição foi escrita, não havia reeleição. "O segundo é continuidade do primeiro mandato. O sistema hoje é de reeleição e tem de se avaliar o sistema. Esse raciocínio seria uma interpretação isolada do texto constitucional e um estímulo à corrupção. Seria um atentado ao princípio da moralidade administrativa." 

Correio braziliense, n. 19130 , 11/10/2015. Política, p. 6