O globo, n. 30089, 24/12/2015. País, p. 3

‘Decisão política’

VINICIUS SASSINE

Ministros do TCU criticam parecer de relator no Congresso pela aprovação das contas de Dilma.

“Dois ministros do governo reconheceram que existe a dívida com os bancos por conta das pedaladas” Augusto Nardes Ministro do TCU “Não há nenhuma mudança no entendimento que foi feito acerca da abertura desse processo de impeachment” Eduardo Cunha (PMDB-RJ) Presidente da Câmara “Vamos reagir. Vou apresentar voto em separado reafirmando o que o TCU fez” Pauderney Avelino (DEM-AM) Líder da oposição na Câmara

Ministros do TCU criticaram a decisão do senador Acir Gurgacz (PDT-RO) de sugerir a aprovação das contas de 2014 de Dilma Rousseff. Augusto Nardes disse que o governo reconheceu as “pedaladas” e que a decisão do relator no Congresso foi política. -BRASÍLIA- Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) criticaram ontem a decisão do senador Acir Gurgacz (PDTRO), relator das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff no Congresso, de propor a aprovação das contas, contrariando parecer unânime do TCU pela rejeição. Três ministros ouvidos pelo GLOBO afirmaram que a avaliação do senador foi “política”, enquanto a decisão do tribunal foi “técnica”.

As “pedaladas fiscais”, manobra em que o governo retém pagamentos a bancos públicos para melhorar artificialmente as contas, são o ponto principal do parecer do TCU pela rejeição. O Tribunal de Contas concluiu que a manobra configura uma operação de crédito, pois os bancos se viram obrigados a assumir o pagamento de programas como Bolsa Família, o que infringe a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Esse entendimento contraria tanto a defesa do governo quanto a conclusão do relator das contas no Congresso. DECRETOS TAMBÉM IRREGULARES Além disso, a sugestão de reprovação das contas pelo TCU levou em conta a edição de decretos que autorizaram gastos sem aval do Congresso, num momento em que deveria haver cortes de despesas por conta da queda de arrecadação. As duas acusações são a base do processo de impeachment de Dilma aberto na Câmara.

O ministro Augusto Nardes, relator das contas no TCU, disse que ministros da área econômica do governo reconheceram a existência das “pedaladas”. O montante, de R$ 57 bilhões, está expresso na proposta orçamentária enviada ao Congresso, que prevê déficit fiscal.

— Os dois ministros que assumiram recentemente (Nelson Barbosa, da Fazenda, e Valdir Simão, do Planejamento) reconheceram que existe a dívida com os bancos por conta das “pedaladas” e que estão tentando resolver. Tanministros:

Nardes. Nelson Barbosa e Valdir Simão reconheceram “pedaladas fiscais”, diz ministro do TCU to que o Orçamento foi enviado com déficit. Esses fatos falam por si só — disse Nardes, responsável pelo voto a favor da rejeição seguido pelos colegas.

Nardes afirmou que todas as decisões do tribunal foram técnicas:

— A decisão foi unânime dos ministros. A decisão do Congresso é que é eminentemente política. A do TCU foi eminentemente técnica.

Outro ministro do TCU, que pediu reserva, também criticou Gurgacz:

— Essa posição (de Gurgacz) é apenas o relatório. A decisão soberana é do plenário.

Para um terceiro ministro do TCU, que também pediu anonimato, o relator fez uma “avaliação política”:

— Não há mudança de interpretação. O Congresso não tem poder de mudar nossa interpretação. Tanto é verdade que vamos continuar com o mesmo parâmetro.

A aprovação ou a rejeição das contas presidenciais é uma atribuição exclusiva e definitiva do Congresso. Gurgacz, como relator, disse que as “pedaladas fiscais” não são operação de crédito e que os decretos de créditos suplementares estão previstos na Lei Orçamentária. A Comissão Mista de Orçamento votará em março o relatório do senador.

Nardes negou ter tido atuação política na condução do processo das contas de Dilma no TCU. Ele disse que a discussão sobre as “pedaladas” foi relatada, em diferentes momentos, por três por ele, nas contas presidenciais; por José Múcio Monteiro, no processo original das “pedaladas”, que avalia a responsabilidade individual de 17 autoridades e ex-autoridades; e por Vital do Rêgo, que propôs a rejeição dos recursos do governo no processo original, o que foi acatado pelo plenário.

— Técnicos do Tesouro Nacional já alertavam há dois anos sobre a existência das “pedaladas”. Está claro que no Congresso haverá uma decisão política. Caberá aos congressistas fazer uma leitura da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição Federal — disse Nardes. VOTO EM SEPARADO DA OPOSIÇÃO O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que o parecer de Gurgacz não altera o pedido de impeachment em análise na Câmara. Cunha disse que sempre ressaltou que o pedido não se basearia nas contas de 2014, mas, sim, em atos cometidos em 2015.

— Mesmo que, por ventura, o plenário da Comissão de Orçamento aprove o parecer do senador, e o plenário das duas Casas aprove, isso, por si só, não tem nenhuma mudança no entendimento que foi feito acerca da abertura desse processo de impeachment — disse Cunha.

Ele disse que retirou da peça todo o embasamento relativo a 2014.

— Em primeiro lugar, afastei a possibilidade do ano de 2014, que é o que está se tratando no relatório do TCU. O que foi aceito trata-se, única e exclusivamente, da parte de 2015, embora fale de 2014 e especificamente dos decretos feitos em desacordo com a Lei Orçamentária.

O líder da oposição na Câmara, Pauderney Avelino (DEM-AM), afirmou que apresentará um voto em separado pela rejeição das contas.

— Vamos reagir. Vou apresentar voto em separado reafirmando o que o TCU fez — disse Pauderney.

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Uma reunião sem segredos e marcada por constrangimento

CAROLINA BRÍGIDO
CRISTIANE JUNGBLUT

Em decisão incomum, Lewandowski abre à imprensa encontro pedido por Cunha e diz que rito do impeachment está claro.

Enquanto o presidente do STF disse que decisão da Corte é clara, peemedebista pediu celeridade para tirar dúvida sobre comissão do impeachment

Oencontro de ontem entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi cercado de constrangimentos. Num ato pouco usual, Lewandowski recebeu Cunha em audiência aberta a jornalistas e disse ao deputado que não há nada a ser esclarecido sobre o rito do impeachment de Dilma Rousseff, porque a decisão do STF que estabelecer as regras do processo é clara.

— A meu ver, não há margem de dúvida, pela minudência como foi decidido — disse o ministro a Cunha. — Na leitura do voto do ministro (Luís Roberto) Barroso, o senhor vai esclarecer várias dúvidas.

A decisão de abrir o encontro lembrou a recepção na década de 1990 que o então presidente Itamar Franco deu a Antonio Carlos Magalhães. Itamar abriu seu gabinete à imprensa na audiência em que ACM supostamente apresentaria denúncias contra o governo, o que gerou embaraço.

Ontem, acompanhado de líderes partidários, Cunha pediu o encontro a Lewandowski para esclarecer dúvidas sobre as decisões do STF na semana passada. A primeira é o que acontecerá se a comissão indicada pelos líderes dos partidos para analisar o pedido de impeachment for rejeitada pelo plenário da Câmara, uma vez que o STF decidiu que não é possível apresentar uma chapa alternativa.

A segunda é se a mesma regra vale para eleições em outras comissões, o que, na visão de Cunha, poderia paralisar as atividades da Câmara.

Para Lewandowski, porém, a decisão não deixa margem a essas dúvidas e a sentença ficará ainda mais clara após a divulgação dos votos revisados dos ministros, que tem prazo de 20 dias.

Na tentativa de pressionar o Supremo, disse que o processo de impeachment ficará paralisado na Câmara até que o STF julgue os embargos de declaração (recursos para que dúvidas sobre sentenças judiciais sejam esclarecidas) que serão apresentados.

Cunha disse esperar que no início de fevereiro tudo seja esclarecido e que a Câmara decida sobre o impeachment até março de 2016. E insistiu na tese de que apresentará embargos mesmo antes da publicação do acórdão do STF.

— Que os embargos sejam rapidamente apreciados. Que o esforço político seja feito para que a gente possa abreviar. Ele (Lewandowski) se comprometeu com essa celeridade. Claro que não depende só dele. Da mesma forma que somos 513 deputados, eles são 11 ministros. Acho que a gente vai conseguir, rapidamente, no início de fevereiro, dar curso ao fim desse julgamento. Espero que até o fim de março isso esteja resolvido na Câmara — disse Cunha.

Lewandowski — que terá que julgar, junto com o tribunal, pedido de afastamento de Cunha do mandato, feito pela Procuradoria Geral da República — informou que só após a publicação do acórdão é que começam os prazos para a apresentação de recursos.

Com o recesso, esses prazos ficam suspensos. O ministro disse a Cunha que, se ele quiser, pode tentar entrar com os embargos antes de publicado o acórdão, embora haja chance de o tribunal nem apreciar o recurso, por não ter obedecido os prazos.

Lewandowski se comprometeu a apressar a publicação do acórdão e o julgamento dos embargos. Mas disse que não poderia se antecipar ao plenário e responder dúvidas.

Para Alessandro Molon (Rede), presente, o encontro não deu resultado: — Foi uma reunião desnecessária. O STF anulou a eleição da comissão do impeachment e decidiu que a palavra final sobre o afastamento é do Senado. (Colaborou Letícia Fernandes)