O globo, n. 30089, 24/12/2015. Opinião, p. 15

Os invisíveis

NATACHA COSTA
ELIANA SOUSA SILVA

No âmbito das Nações Unidas, a segunda Meta do Milênio prevê a universalização da educação fundamental a partir da matrícula de todas as crianças a partir de 6 anos.

A cidade do Rio de Janeiro vem tentando desatar um dos nós mais intrincados da educação brasileira: a identificação de crianças de 6 a 14 anos ainda fora da escola e a sua recondução à sala de aula. A missão é complexa: o Brasil atingiu 97,7% de matrículas na faixa etária assinalada. A conquista foi impulsionada pelo fato de a maioria dos programas de transferência de renda criada nos últimos anos condicionar a liberação dos recursos à presença das crianças na escola. Mesmo assim, quase um milhão delas continua fora da sala de aula. No caso da capital fluminense, elas somavam 24.455 em 2010 — 3,1% do universo total —, de acordo com o Censo IBGE. Essas crianças e suas famílias são um dos maiores desafios sociais do país, visto que continuam “invisíveis” para as políticas públicas.

O fenômeno não é privilégio do Brasil. No âmbito das Nações Unidas, a segunda Meta do Milênio prevê a universalização da educação fundamental a partir da matrícula de todas as crianças a partir de 6 anos. Em todo o mundo, a meta é inserir pelo menos dez milhões de crianças e adolescentes de 34 países. O projeto Aluno Presente — uma parceria entre a Prefeitura do Rio, a ONG Cidade Escola Aprendiz e a Fundação Education AboveAll (Educação Acima de Tudo), do Qatar — é parte desse esforço.

A estratégia do projeto para encontrar essas crianças e famílias passa pelo cruzamento de informações da própria rede municipal de ensino — a maior parte das crianças já esteve na escola e saiu por motivos diversos — com as informações coletadas por 50 profissionais encarregados de buscar essas crianças em todos os bairros da cidade. Em geral, elas estão nos mais pobres e periféricos e muitas têm necessidades especiais.

Depois de localizadas, o desafio é superar as condições que geraram sua saída da escola ou o não ingresso: falta de documentação, mudança frequente de residência, negligência ou falta de estrutura familiar, inserção precoce no mercado de trabalho informal, grau de violência no território de moradia etc.

Os relatos de vida dessas pessoas demonstram que o fenômeno — assim como o da evasão — só será resolvido quando se reconhecer que a Educação é importante demais para ser uma responsabilidade apenas da escola e de seus profissionais. Atendê-la exige a construção de políticas intersetoriais que levem em conta educação, saúde, desenvolvimento social, habitação, transporte, geração de trabalho e renda etc. O cidadão não pode ser atendido de forma fragmentada, mas de forma global.

Os desafios sociais contemporâneos exigem uma ação compartilhada entre os órgãos estatais e os atores da sociedade civil, além da participação das empresas em seus territórios de atuação. Dessa integração, surgirá uma tecnologia social inovadora, capaz de dar conta da complexidade do atendimento das populações “invisíveis” para o Estado.

O “Aluno Presente” demonstra a importância dessa integração. Ele já reconduziu mais de cinco mil crianças à escola e está consolidando um banco de dados global sobre o perfil dessas crianças, suas famílias e as principais causas de estarem fora da escola. Quando chegar ao final, em 2016, o projeto entregará à cidade do Rio e ao país uma tecnologia capaz de ser replicada não apenas em cidades brasileiras, mas em todos os países onde houver crianças e famílias que sofrem um processo de invisibilidade social ofensivo à dignidade humana.