Aposentadoria ficará cada vez mais difícil

Alessandra Azevedo 

26/10/2015

Após ignorar por décadas os problemas da Previdência Social, o governo se vê obrigado a correr para evitar que, nos próximos anos, a arrecadação de impostos seja destinada somente para pagar aposentadorias. A equipe econômica decidiu que apresentará ao Congresso Nacional uma proposta de reforma com a definição de uma idade mínima para o requerimento do benefício — homens aos 65 anos e mulheres aos 60. Mas a aprovação de mudanças não será fácil, já que parlamentares e especialistas divergem sobre qual a melhor solução para o problema. O único consenso é que a necessidade de mudanças é urgente.

Não é para menos. No próximo ano, o governo gastará R$ 491 bilhões com o pagamento de benefícios, valor que corresponde a 8% do Produto Interno Bruto (PIB). O rombo nas contas da Previdência deve chegar a

R$ 124,9 bilhões em 2016, mais que o dobro do observado em 2014, de R$ 56,7 bilhões. Ciente da urgência de diminuir o deficit, que deve atingir R$ 82,1 bilhões em 2015, a equipe econômica tem discutido a necessidade de a reforma previdenciária ser apresentada como uma das medidas do ajuste fiscal.

Os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa; e do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, apresentarão às centrais sindicais, entidades patronais e de aposentados a proposta do governo de definir uma idade mínima, na reunião, desta semana, do Fórum de Trabalho e Previdência. Somente o Egito, Argélia e Brasil não têm idade mínima de aposentadoria.

O Executivo ainda estuda restringir o acesso a benefícios assistenciais, pagos para quem não contribuiu ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e endurecer regras de concessão de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e de pensões por morte.

Envelhecimento

O envelhecimento da população brasileira tem grande influência nesse quadro, já que a Previdência opera pelo regime de repartição, em que as parcelas mais jovens e ativas da população financiam as aposentadorias dos mais velhos. “Antigamente, tinha muita gente pagando e pouca recebendo, porque a pirâmide etária era muito diferente. Hoje em dia, essa tendência tem se invertido no Brasil, o que aumenta a demanda por uma reforma previdenciária que equilibre o sistema”, explica o advogado especialista em direito previdenciário Guilherme Sampaio, da Riedel Advocacia.

Atualmente, para cada uma pessoa com 60 anos, outras seis estão em idade ativa de contribuição. Até 2035, essa relação cairá a metade. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 25 anos, mais da metade dos brasileiros serão idosos. Em 2060, segundo as mesmas projeções, 66% da população será formada por pessoas acima de 65 anos e jovens fora do mercado de trabalho — hoje, esse número equivale a 44,6% dos brasileiros.

Outro fator que tem chamado atenção para a necessidade de mudanças no sistema previdenciário, nos últimos anos, é a queda da renda dos brasileiros e o aumento do desemprego, frutos da crise econômica. Enquanto o gasto da Previdência é ditado por regras fixas, que podem ser muito generosas, a arrecadação varia de acordo com a atividade econômica. “Quando a economia está fraca, é inevitável que a arrecadação caia. Se fica forte, ela, naturalmente, aumenta”, explica o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas. Com menos pessoas empregadas, o volume de contribuições despenca e o deficit do sistema sobe ainda mais que o esperado. Prova disso é que a projeção de maio, de que o rombo chegaria a R$ 72,8 bilhões este ano, precisou ser revisada em quase de R$ 10 bilhões durante o ano, devido à decadência da economia.

Ajuste

Como é mais difícil ajustar a receita — visto que o Brasil tem uma das alíquotas mais altas do mundo para as empresas, acima de 30% —, a opção mais viável é alterar os critérios para obtenção da aposentadoria. O que precisa mudar, segundo Velloso, são as condições que definem a idade e as regras para o cálculo de benefício. “No caso do Brasil, esses são os parâmetros que necessitam ser ajustados, porque não dá mais para aumentar a carga sobre a folha de pagamento”, afirma o economista.

Favorável à instituição de uma idade mínima para aposentadoria, o especialista em Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Caetano, ressalta que muitas discussões precisariam ser feitas para que o mecanismo possa ser implementado. “Seria preciso definir qual a idade mínima, em que critérios será baseada e se valeria para o serviço público também ou só para o INSS”, lista. Entre países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de países ricos, a adoção mais comum é de uma a idade mínima de 65 anos. No Brasil, sem limitação legal, a idade média de aposentadoria é de 54 anos, enquanto a expectativa de vida é de 74,9 anos, segundo o IBGE.

Por considerar a proposta injusta com quem começou a trabalhar mais cedo, o ex-secretário de Políticas da Previdência Social, Leonardo Rolim, é contra a idade mínima. “Criaria um incentivo à informalidade. Como a pessoa sabe que só vai poder se aposentar com aquela idade, vai contribuir o tempo mínimo necessário”, acredita. Ele é favorável a um sistema híbrido, porém mais exigente que o atual 85/95 — regra alternativa ao fator previdenciário, determina a soma do tempo de contribuição e da idade, para homens e mulheres, respectivamente —, que considera “extremamente precoce”. Para Rolim, o ideal seria igualar em 105 para ambos os sexos. “Essa diferenciação gera grande prejuízo, além de não fazer sentido, porque mulheres vivem mais do que homens.”

Mudanças pretendidas

Confira o que o governo quer mudar para endurecer regras para concessão de benefícios

O Executivo proporá ao Congresso Nacional a fixação de uma idade mínima para aposentadoria. Somente Brasil, Argélia e Egito não definiram em lei com quantos anos o segurado pode requerer o benefício.

Pela proposta em estudo, homens terão direito à aposentadoria aos 65 anos; e mulheres, aos 60. Atualmente, a idade média de aposentadoria é de 54 anos, enquanto a expectativa de vida é de 74,9.

A equipe econômica ainda estuda restringir o acesso a benefícios assistenciais, pagos para quem não contribuiu ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Analisa também mudanças nas regras para concessão de aposentadoria por invalidez.

Outra alternativa é melhorar o sistema de reabilitação profissional de trabalhadores que se acidentaram.

O governo debate, ainda, a possibilidade de alterar normas para concessão de auxílio-doença, a fim de que os patrões arquem com os primeiros 30 dias de afastamento. Atualmente, só os 15 primeiros dias de licença são custeados pelos patrões.

Correio braziliense, n. 19145 , 26/10/2015. Economia, p. 6