O globo, n. 30089, 24/12/2015. Economia, p. 17

Cofres mais vazios

GERALDA DOCA, MARTHA BECK, GABRIELA VALENTE BÁRBARA NASCIMENTO

Arrecadação cai 17,3% em novembro, e governo terá dificuldade de cumprir meta fiscal em 2016.

No mês passado, a União arrecadou R$ 95,461 bilhões em tributos federais, no pior desempenho desde 2008. O valor é 17% menor do que em novembro do ano passado e um reflexo da recessão, que derrubou as vendas e os lucros das empresas. Segundo analistas, com a piora na arrecadação, dificilmente o governo conseguirá cumprir a meta de superávit fiscal primário do ano que vem, de 0,5% do PIB. -BRASÍLIA- Com a economia em recessão, a arrecadação de impostos e contribuições federais despencou em novembro e fechou o mês em R$ 95,461 bilhões, pior desempenho para o período desde 2008. O número representa uma queda real (já descontada a inflação) de nada menos que 17,29% em relação a 2014. No acumulado do ano, a sociedade recolheu R$ 1,100 trilhão em tributos, o que significa um recuo de 5,76% e o valor mais baixo desde 2010. Os números deixam evidente que as dificuldades do governo para fechar as contas de 2015 tendem a continuar em 2016, quando a expectativa do mercado financeiro é de uma retração de quase 3% para o Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país).

O chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, afirmou ontem que o principal motivo da queda na arrecadação é a retração da atividade, que reduziu as vendas e a lucratividade das empresas. Ele disse que os números de dezembro devem ser um pouco melhores, mas não suficientes para reverter o quadro negativo do ano:

— O período de janeiro a novembro foi fortemente afetado pela deterioração do cenário macroeconômico. No mês de dezembro, nós verificamos que os primeiros números são bastante positivos. Mas não serão suficientes para reverter o resultado do ano, que será negativo.

Ele tentou fazer uma previsão mais otimista para 2016, destacando que a Receita espera um aumento da arrecadação por conta das medidas de ajuste fiscal, como a reoneração da folha de pagamento das empresas e a volta da CPMF:

— Para 2016, nossa expectativa é de que as medidas de ajuste fiscal comecem a produzir efeitos — disse Malaquias. MERCADO ACREDITA QUE RETRAÇÃO VAI CONTINUAR O otimismo, no entanto, não contagia o mercado. Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que governo pode ter conseguido o sinal verde do Congresso para fazer uma meta fiscal menor em 2016, de superávit primário de R$ 30,6 bilhões, ou 0,5% do PIB. No entanto, esse número — que causou tantas brigas dentro da equipe econômica e acabou levando Joaquim Levy a pedir demissão do comando do Ministério da Fazenda — dificilmente será atingido.

Eles lembram que a meta, seja ela de 0,7% do PIB, como queria Levy, ou de 0,5% do PIB, depende de receitas que não estão garantidas, como a recriação da CPMF e a venda de ativos, que não necessariamente terão demanda. Os especialistas lembram ainda que a retração econômica vai continuar a derrubar as receitas e que o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff fragilizou o governo de tal maneira que há muito pouca margem de manobra para que o Congresso aprove medidas impopulares como aumento de impostos.

Além da CPMF, a equipe econômica editou duas medidas provisórias em 2015 que dariam uma arrecadação adicional em 2016, mas não foram aprovadas pelo Legislativo. A MP 692, que cria uma tributação gradual do Imposto de Renda (IR) sobre ganhos de capital na venda de imóveis, e a MP 694, que faz uma série de ajustes em impostos, como o aumento do IR para Letras de Crédito (LCI e LCA).

— Um primário de zero já seria uma meta bastante ousada (para 2016). O resultado depende de uma enormidade de receitas extraordinárias — afirma o economista Fernando Montero, da corretora Tullet Prebon Brasil, acrescentando: — Politicamente você vai ter que fazer o diabo para entregar um resultado primário equilibrado.

O governo sabe dos desafios da meta de 2016. Tanto que, quando propôs ao Congresso a redução do esforço fiscal, também incluiu a adoção de uma cláusula de abatimento pela qual o número poderia ficar zerado. Ela previa a possibilidade de um desconto de R$ 30,6 bilhões do resultado primário, caso houvesse frustração de receitas em relação ao previsto no Orçamento. Também poderiam ser abatidos da conta gastos com restos a pagar de investimentos, ações de vigilância sanitária, combate a endemias, ações de combate à seca ou mitigação dos efeitos em áreas afetadas por desastres. Nada disso convenceu os parlatudo mentares, e a cláusula foi rejeitada.

Os economistas lembram que a meta fixada não é impossível, mas requer a busca de outras receitas, o que poderia ser feito por meio de aumento de impostos que não precisam passar pelo Congresso (como a Cide e o Imposto sobre Operações Financeiras). Também será preciso conseguir concretizar operações como a abertura de capital (IPO) do IRB-RE (ex-Instituto de Resseguros do Brasil) e da Caixa Seguradora. Essas operações, que poderiam resultar num reforço de R$ 5 bilhões aos cofres públicos, estavam previstas para 2015, mas foram adiadas por causa das turbulências no mercado. Eles também apontam a necessidade de novos cortes de gastos:

— Desde que se tenha vontade política é possível. Se aprovar a CPMF, subir IPI, pode ser. Há uma série de medidas que ficaram para o ano que vem como o IPO da Caixa e do IRB. Se fizer isso, dá para economizar — diz o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa. Mas ele não trabalha com esse número: — Eu acho que o 0,7% do PIB (número que era defendido por Levy) é o ideal. Mas estamos trabalhando com déficit de 0,9% do PIB, pois estamos prevendo inflação de 6,5% e retração da economia de 2,6%.

É a mesma previsão do economista da MB Associados Sérgio Vale:

— A recessão ano que vem será igualmente severa, fazendo com que a receita volte a cair em torno de 7%. Mais ainda, o déficit da Previdência Social será bem maior ano que vem com a piora no mercado de trabalho e o aumento do salário mínimo em 10%. Assim, é praticamente impossível um superávit ano que vem. Devemos ter outro déficit, na ordem de 0,9% do PIB. ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS DE EMPRESAS CAI 14% Montero pondera que, para fazer um superávit, ou mesmo um déficit pequeno no ano que vem, o governo tem um difícil caminho pela frente. Ele lembra que, para reequilibrar a economia, o governo precisa de diálogo com o Congresso. Além disso, paralelamente, o governo lida com um grande volume de incertezas, o que deteriora, semana a semana, as previsões do mercado para a economia.

De acordo com a Receita, entre janeiro e novembro, a arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) caiu 13,96%. Reflexo do encolhimento do mercado formal de trabalho, as contribuições para a Previdência Social recuaram 6,16%.

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Governo usa Fundo Soberano para fechar contas

Martha Beck

Resgate de R$ 855 milhões vai reforçar o caixa para compor o resultado fiscal de 2015.

-BRASÍLIA- Com receitas em queda livre e despesas engessadas, a equipe econômica resgatou R$ 855 milhões em cotas do Fundo Soberano para reforçar os cofres públicos e ajudar a fechar as contas de 2015. Por meio de nota, o Ministério da Fazenda informou ontem que essa medida já estava prevista desde o segundo relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas primárias como parte da arrecadação decorrente de “operações com ativos”.

Os recursos vieram do resgate antecipado de títulos públicos federais e da venda de parte das ações do Banco do Brasil que estavam alocados no Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), braço privado do Fundo Soberano, do qual a União é cotista único. O dinheiro foi depositados na conta única do Tesouro e vai compor as receitas que serão usadas no cálculo do resultado fiscal. OPERAÇÃO NÃO ZERA O FUNDO Segundo a nota da Fazenda, a medida se justifica diante do atual momento de recessão da economia, em que há queda de arrecadação federal, e das dificuldades do governo em reduzir gastos obrigatórios: “O resgate se justifica pela necessidade de elevação das disponibilidades financeiras do Tesouro Nacional, em um contexto de contração econômica com queda acentuada na arrecadação de receitas fiscais e dificuldades para a redução de despesas obrigatórias”, diz o texto.

Com a operação, o governo ainda não zerou o Fundo Soberano. Segundo dados da Comissão da Valores Mobiliários (CVM), o FFIE tinha um patrimônio de R$ 2,6 bilhões antes do resgate. A maior parte dos recursos — R$ 1,7 bilhão — está em ações do Banco do Brasil.

Desde que assumiu o cargo, o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, tem trabalhado no fechamento das contas de 2015. Uma das maiores dificuldades está no pagamento das “pedaladas fiscais” (atrasos em repasses do Tesouro para bancos públicos e para o FGTS ocorridos nos últimos anos), que foram calculadas em R$ 57 bilhões. Embora o governo tenha conseguido autorização do Congresso para realizar um déficit primário recorde de R$ 120 bilhões e pagar as “pedaladas”, a equipe da Fazenda ainda está fechando os números para saber se há condições de pagar todo o valor.

Como a arrecadação caiu fortemente em 2015, e o governo não conseguiu boa parte das receitas extraordinárias com as quais contava este ano, existe risco de que os valores em caixa não sejam suficientes para cobrir todo o passivo. Para garantir toda a conta, o governo também estuda fazer novas emissões de títulos públicos ou usar o chamado “colchão de liquidez”, recursos que já foram arrecadados com a venda de papéis do governo e que estão na conta única do Tesouro para pagar serviço da dívida pública.

As “pedaladas” foram manobras usadas no primeiro mandato da presidente Dilma para melhorar artificialmente o resultado das contas públicas. A estratégia foi condenada pelo Tribunal de Contas da União e serviu como principal elemento para que a Corte rejeitasse as contas do governo de 2014.