O globo, n. 30093, 28/12/2015. País, p. 3

Promessa descumprida

SIMONE IGLESIAS MARTHA BECK

De 3 mil cargos que seriam extintos por Dilma, apenas 346 foram cortados até agora.

Decreto reduzindo salários espera análise do Congresso. Quanto aos demais cortes, a necessidade de negociar cargos com aliados em troca de apoio na Câmara, em meio ao processo de impeachment, paralisou a reforma.

Necessidade de oferecer mais postos a partidos aliados em troca de apoio na Câmara, em meio ao processo de impeachment, emperrou a reforma anunciada como parte do ajuste para cobrir o déficit no Orçamento.

Três meses após a presidente Dilma anunciar uma reforma que previa o corte de 3 mil cargos de confiança, a extinção de 30 secretarias especiais e uma economia anual de R$ 200 milhões, quase nada saiu do papel, nem mesmo a redução dos salários dela, do vice Michel Temer e dos ministros, informam SIMONE IGLESIAS e MARTHA BECK. O corte de gastos com pessoal foi um dos pontos do pacote anunciado por Dilma para cobrir o déficit de R$ 30,5 bilhões previsto no Orçamento de 2016. Dos 3 mil cargos, só 346 foram cortados. Das 30 secretarias, só sete deixaram de existir. Após o anúncio do enxugamento, Dilma teve de dar mais cargos a aliados em troca de apoio contra o impeachment. -BRASÍLIA- A reforma administrativa anunciada pela presidente Dilma Rousseff no início de outubro, prevendo reduções de salários, de ministérios, de secretarias especiais e de cargos comissionados, mal saiu do papel. Pressionada a enxugar a máquina pública para cobrir o déficit de R$ 30,5 bilhões previsto na ocasião no Orçamento de 2016, a presidente prometeu cortar ministérios e reduzir número de cargos de confiança, mas, até agora, os cortes foram pífios.

Dos 3 mil cargos que segundo Dilma seriam extintos, apenas 346 foram efetivamente cortados. Das 30 secretarias, só sete deixaram de existir. Dilma, o vice Michel Temer e os ministros teriam seus salários reduzidos de R$ 30.934,70 para R$ 27.841,23. Isso também ainda não aconteceu. A previsão do governo era economizar com esses cortes R$ 200 milhões. O montante alcançado até agora foi de apenas R$ 16,1 milhões.

O governo explica que a redução de salários depende do Congresso. Dilma enviou o pedido dias depois do anúncio da medida, porque é preciso editar um decreto legislativo para reduzir vencimentos. Mas o decreto ainda não foi apreciado pelos congressistas. Quanto aos demais cortes, a explicação de auxiliares de Dilma é que a necessidade de negociar cargos com aliados em troca de apoio na Câmara, em meio à abertura do processo de impeachment, paralisou a reforma.

DISTRIBUIÇÃO DE MAIS CARGOS A ALIADOS

Logo após o anúncio do enxugamento, Dilma ampliou o espaço do PMDB, entregando ao partido os ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. O PDT, que comandava o Ministério do Trabalho, passou para as Comunicações, estrutura maior do que aquela que a legenda ocupava anteriormente.

Além de ter de entregar a esses partidos mais funções, Dilma deu mais cargos do 2º escalão a PR, PRB e PP, reduzindo a possibilidade de passar a tesoura nos cargos comissionados e nas secretarias ligadas aos ministérios. A dificuldade de cortar cargos de ministérios mais políticos fica evidente quando se vê a redução feita pelo Planejamento, essencialmente técnico. Dos 346 cargos extintos, 216 foram dessa pasta.

A reforma teria como marca a redução de ministérios. Em agosto, o plano do governo era cortar dez pastas. Quando oficialmente anunciada em outubro, porém, a reforma reduziu em oito o número de pastas, caindo de 39 para 31. Isso se deu a partir de fusão e incorporação de 11 estruturas — que geraram três novos ministérios. Mas até agora apenas cinco das que seriam extintas realmente foram cortadas: Secretaria Geral, Secretaria de Relações Institucionais e Micro e Pequena Empresa se fundiram para criar a nova Secretaria de Governo, passando de 545 cargos comissionados para 431; o Gabinete de Segurança Institucional foi extinto e teve as atribuições distribuídas por outros órgãos, reduzindo de 50 para 34 os cargos comissionados; e Assuntos Estratégicos passou a ser um órgão do Planejamento — pasta com maior redução de cargos de livre nomeação, de 1.263 para 1.047.

Anunciadas há dois meses, as fusões entre os ministérios do Trabalho e da Previdência e entre as secretarias de Igualdade Racial, Mulheres e Direitos Humanos, além da extinção da Pesca, ainda não foram finalizadas. Faltam decretos para formalizar as mudanças.

Por e-mail ao GLOBO, o Planejamento afirma que os cargos de ministros do Trabalho, da Pesca, do Gabinete de Segurança Institucional, de Relações Institucionais, de Assuntos Estratégicos, da Igualdade Racial, das Mulheres, da Micro e Pequena Empresa, e de Assuntos Estratégicos foram extintos. Admite, no entanto, que as estruturas desses ministérios ainda não foram reduzidas.

“Estão sendo elaboradas as estruturas do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (fusão do Ministério do Trabalho com o da Previdência), do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e de Direitos Humanos (Fusão da SEDH, com Seppir e SPM) e do Ministério da Agricultura (que passará a executar as competências do Ministério da Pesca)”, diz nota do Planejamento.

— Realmente a reforma está andando a passos lentos. Mas há questões políticas envolvidas que tornam os cortes mais difíceis. O governo vai cumprir o que prometeu. Lentamente, mas vai — afirmou ao GLOBO uma fonte do Planalto.

FUSÃO DE SECRETARIAS NA FAZENDA

Responsável pelo diagnóstico da reforma e defensor do enxugamento da máquina, Nelson Barbosa (Fazenda) chegou à pasta garantindo que sua tesoura começará em breve a dar resultados. No próximo ano, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) vai ser absorvida pela de Política Econômica (SPE). O atual secretário da Seae, Paulo Corrêa, que chegou em 2015 a convite do ex-ministro Joaquim Levy, permanecerá no posto só até o fim de janeiro.

Assim, o novo secretário de Política Econômica, Manoel Pires, que era o chefe da Assessoria Econômica do Planejamento, também vai comandar a Seae futuramente. A Seae foi perdendo funções ao longo do tempo. Uma delas era dar parecer para fusões de empresas. Mas, quando a nova estrutura do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) surgiu, a secretaria perdeu importante atribuição, e, diante disso, Barbosa resolveu fundi-la a outro órgão.

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Orçamento de 2016 prevê receita com tributo que ainda não existe

CRISTIANE JUNGBLUT

Em meio à crise política, governo não conseguiu aprovar volta da CPMF.

Não é só a reforma administrativa que caminha a passos lentos. O ajuste fiscal ainda está bastante incompleto, embora várias de suas medidas tenham sido aprovadas ao longo de 2015. O governo enfrentará um rombo nas receitas do próximo ano, porque não conseguiu aprovar a principal medida para gerar arrecadação: a recriação da CPMF.

O Orçamento da União de 2016, já aprovado pelo Congresso, prevê uma receita de R$ 10,15 bilhões com uma contribuição que ainda nem existe. Além disso, a briga pública na área econômica sobre o tamanho da meta fiscal de 2016 desgastou o ex-ministro Joaquim Levy, que foi substituído na Fazenda por seu rival nas discussões, Nelson Barbosa (ex-Planejamento).

Levy visitava toda semana o Congresso, especialmente o Senado, para pedir apoio às medidas da segunda fase do ajuste, que ou não foram aprovadas ou custaram a sair do papel. Foi o caso do projeto sobre a repatriação de recursos, que só foi aprovado pelo Senado em dezembro, depois de muita polêmica na Câmara. Com isso, o governo só contará com o dinheiro em 2016. Há uma previsão de receita de R$ 21,1 bilhões no ano que vem.

DIFICULDADE PARA CRIAÇÃO DE IMPOSTOS

Os parlamentares já avisaram a Barbosa que sua ida para a Fazenda não muda o clima político no Congresso, que é contrário à criação de impostos. O relator das receitas no Orçamento da União de 2016, senador Acir Gurgacz (PDTRO), disse que a troca na Fazenda não alterou o quadro:

— O clima é o mesmo. Não é por causa de um ministro, é porque não temos posição de aumentar imposto.

Já o relator do Orçamento da União de 2016, deputado Ricardo Barros (PPPR), disse que a aprovação da CPMF em 2016 é “uma necessidade” para o governo. No Orçamento aprovado, estão previstas receitas de R$ 10,15 bilhões com a CPMF a partir de setembro de 2016. A previsão do início da arrecadação apenas em setembro é justamente porque ainda será preciso aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para recriar a CPMF, que fora extinta em 2007.

Ricardo Barros diz achar que ainda é preciso analisar o clima político, diante das novas denúncias da Operação Lava-Jato, para saber se há viabilidade política para aprovar a PEC. O Congresso, até agora, é contra criar mais impostos.

— Primeiro, a criação da CPMF é uma necessidade para o governo. Como percebemos, as receitas incluem a CPMF e os recursos da repatriação. O governo precisa confirmar essas receitas para não ter que mudar a meta fiscal de 2016 — disse Barros.

Além de não ter conseguido recriar a CPMF, o governo não obteve sucesso na prorrogação da DRU (Desvinculação de Receitas da União), mecanismo que permite ao governo mexer livremente em parte de suas receitas. O governo demorou a enviar a proposta ao Congresso, e ela ainda não avançou significativamente. Como a prorrogação não foi votada, a DRU perde a validade no fim deste mês. Como também é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), precisa ser aprovada em duas votações tanto na Câmara quanto no Senado. O governo ainda quer aumentar a alíquota da DRU para 30%, mas o Congresso só aceita os atuais 20%.

METAS FISCAIS FORAM APROVADAS

O Congresso mudou praticamente todas as propostas de ajuste fiscal enviadas pelo governo, especialmente nas medidas provisórias. Além disso, o Planalto desistiu de medidas que tiveram forte reação, como a ideia de taxar o chamado Sistema S.

A principal vitória do governo foi a aprovação das metas fiscais de 2015 e 2016. O governo precisava decidir o tamanho do esforço fiscal para o pagamento de juros, para só depois encaminhar as propostas de geração de receitas e redução de despesas. Mesmo assim, o governo já avisou que, sem a criação da CPMF e a reforma da Previdência, a conta não vai fechar.