Valor econômico, v. 16, n. 3924, 18/01/2016. Política, p. A8
André Guilherme Vieira – Valor Econômico
O ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró disse que uma negociação para aquisição de US$ 300 milhões em blocos de petróleo na África, em 2005, teria gerado propina de até R$ 50 milhões para o financiamento da campanha de reeleição do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006.
As declarações do ex-executivo da área Internacional da Petrobras foram prestadas a investigadores da Operação Lava-Jato antes de ele fechar acordo de delação premiada, assinado em novembro do ano passado com a Procuradoria-Geral da República (PGR). As informações constam de anexo de informações elaborado pelos advogados de Cerveró e obtido na íntegra pelo Valor.
Cerveró contou a investigadores da Operação Lava-Jato que soube das informações por intermédio de Manuel Domingos Vicente, que presidiu o conselho de administração da estatal petrolífera angolana (Sonangol) e atualmente é vice-presidente daquele país.
“Manoel (sic) Vicente foi explícito em afirmar que desses US$ 300 milhões pagos pela Petrobras a Sonangol, companhia estatal de petróleo de Angola, retornaram ao Brasil como propina para financiamento da campanha presidencial do PT valores entre R$ 40 milhões e R$ 50 milhões”.
Segundo Cerveró, “a referida negociação foi conduzida pelos altos escalões do governo brasileiro e angolano, sendo o representante brasileiro o ministro da Fazenda [Antonio] Palocci”. Por meio de sua assessoria de imprensa, Antonio Palocci negou “participação em qualquer ‘tratativa política’ do tema”.
Segundo nota do ex-titular da Fazenda de Lula e da Casa Civil no governo Dilma Rousseff, “embora o senhor Cerveró, em sua delação, não tenha mencionado envolvimento de Antonio Palocci em qualquer atividade ilícita, cabe esclarecer que Palocci não participou de nenhuma negociação em tempo algum com a empresa Sonangol de Angola”.
Ainda de acordo com a nota, Palocci “desconhece o objeto das supostas negociações referidas, aliás competência exclusiva da Petrobras e de suas áreas técnicas”.
O ex-diretor não explica porque o então titular da Fazenda no governo Lula teria sido destacado para coordenar uma operação de alçada da Petrobras. Cerveró também não detalha, no documento, como se deu a suposta negociação, nem esclarece por meio de qual operação financeira os recursos teriam regressado ao Brasil para abastecer o suposto caixa dois da campanha de reeleição de Lula. Quando o negócio foi oficializado – em 2006, de acordo com a versão de Cerveró – Palocci já havia sido demitido da Fazenda pelo à época presidente, em consequência do desgaste político decorrente do episódio da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa.
No documento, Cerveró relata que, “em 2005, houve uma oferta internacional de Angola, de venda de blocos de exploração em águas profundas, como se fosse um grande leilão”. Segundo o ex-diretor, “o país era extremamente interessante para a Petrobras: tanto pelo regime político do país aliado do governo brasileiro, quanto pelo fato da companhia já operar e ter escritórios desde 1975 em Angola”.
O resumo de informações entregue pela defesa de Cerveró à PGR registra ainda que “Nestor tinha uma relação de amizade com o Dr. Manoel (sic) Vicente (presidente da Sonangol), que em conversas mencionou textualmente a frase: ‘Porque nós somos homens do partido! Temos que atender as determinações do Partido! “.
Cerveró afirma também que a costa angolana era conhecida por sua capacidade de exploração de petróleo: “Válido destacar que já operam em Angola grandes companhias internacionais como Exxon, Sinopec, Eni, Total, Shell, dentre outras”.
“A Petrobras tinha como plano de planejamento estratégico a sua expansão para outros países, preferencialmente para a costa oeste da África, América do Sul e Golfo do México, regiões escolhidas por questões de geopolítica”, sustentou o ex-diretor da companhia nas informações prestadas à PGR.
A Lava-Jato já rastreava entradas e saídas de dinheiro da Petrobras relacionadas a negócios na África desde pelo menos julho de 2015. Outros delatores da investigação, como o operador Mario Goes e o lobista João Augusto Henriques apresentaram documentos e informações sobre operações envolvendo offshores e subsidiárias de empresas investigadas por corrupção e lavagem de dinheiro.
Procurada, a assessoria de imprensa do Instituto Lula disse que não comentaria “supostas delações, quanto mais supostos acordos de delação, vazados de forma seletiva, parcial e provavelmente ilegal, que alimentam um mercado de busca por benefícios penais e manchetes sensacionalistas”.
A reportagem não conseguiu contato com a Sonangol, com o governo de Angola, nem com o vice-presidente Manuel Vicente.
Em 17 de maio de 2006, a Petrobras informou ter adquirido três blocos leiloados pela Sonangol – os blocos exploratórios número 6, 26 e 15 -, sendo operadora dos blocos 6 e 26.
Em 23 de maio daquele ano, a petrolífera anunciou que obteve 30% e a posição de operadora do bloco 18, em Angola, em consórcio formado pelas empresas Sonangol Sinopec International (40%), Sonangol P&P (20%), Falcon Oil (5%) e Grupo Gema (5%).
Em 2009 foi anunciada a descoberta de petróleo no bloco 18, em águas profundas.(Colaborou Cláudia Schüffner, do Rio)