O globo, n. 30093, 28/12/2015. Opinião, p. 13

A Justiça enquadra a pornografia infantil

MELINA GIRARDI FACHIN

Em tempos de crescente discurso do ódio e da disseminação das redes sociais para tal atuação, a decisão do STF importa e pode ganhar outros contornos mais amplos.

No fim do mês de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou ser de competência da Justiça federal o julgamento de crime de publicação de conteúdo relacionado à pornografia infantil na internet. O caso abre um importante precedente, não apenas para esta questão específica, mas também para todos os atos que se valem da rede mundial de computadores para a prática de crimes e delitos.

O entendimento anteriormente prevalente nos tribunais não era uniformizado quanto à competência para o julgamento, sobretudo àqueles vinculados à pornografia infantil (art. 241-A do ECA). Prevaleciam dois principais entendimentos, cuja controvérsia recaía, principalmente, no requisito da transnacionalidade.

Por um lado, entendia-se a competência da Justiça federal, dependendo do local da publicação do conteúdo para a internet e da verificação da transnacionalidade do delito, ou seja, comprovação de que as imagens ou vídeos teriam sido acessados no exterior. Caso não houvesse indicativos da internacionalidade do acesso ao conteúdo, a competência recairia ao juízo estadual comum do local da publicação. Caso este não fosse identificado, incidiria no local na qual se iniciaram as investigações.

A decisão majoritária do STF abriu a divergência de que a competência seria da Justiça federal, fundamentado no acesso global de qualquer conteúdo publicado na internet.

A tese seguida pela maioria entendeu que a competência para julgamento de crimes previstos no art. 241 do ECA é da Justiça federal, pois atende aos três requisitos essenciais para tanto: previsão do crime em tratado ou convenção; existência de compromisso internacional assumido pelo Brasil de combate a tal delito; a relação de internacionalidade entre a conduta e o resultado.

Em relação à transnacionalidade do delito, como último requisito a ser cumprido, o voto vencedor, seguindo parecer da ProcuradoriaGeral da República, adotou a premissa de que, devido à amplitude global do acesso à internet, a publicação de conteúdo pornográfico infantil na rede mundial de computadores é instantânea e as imagens ou vídeos podem ser visualizados em qualquer lugar do mundo. Neste sentido, o crime se exaure ao ser publicada a imagem, sendo que imediatamente ultrapassam os limites do território nacional, encontrando-se disponíveis no estrangeiro.

A consolidação do entendimento afasta a inteligência adotada por tribunais de que dependeria a competência da comprovação da repercussão do conteúdo no exterior. Abre-se, assim, não apenas para a matéria da pornografia infantil, mas basicamente de qualquer delito contra direitos humanos praticado online, a competência da Justiça federal, ante os inúmeros compromissos internacionais — e constitucionais — de que o Brasil é parte.

Em tempos de crescente discurso do ódio e da disseminação das redes sociais para tal atuação, a decisão importa e pode ganhar outros contornos mais amplos.

A determinação, somada com a alteração introduzida pela EC 45, que prevê a denominada federalização dos crimes de direitos humanos, demonstra que a Justiça comum federal tem se mostrado locus próprio da justiciabilidade dos direitos.