O globo, n. 30093, 28/12/2015. Economia, p. 15

Pedágio mais caro

DANIELLE NOGUEIRA

Crise e crédito escasso devem elevar tarifa ao nível cobrado hoje em vias privatizadas nos anos 1990.

“Hoje, temos inflação alta, condições de financiamento adversas e crise política. Para atrair investidores, é preciso oferecer elevadas taxas de retorno dos projetos, o que encarece o pedágio” Carlos Alvares da Silva Campos Neto Especialista em infraestrutura do Ipea.

A crise econômica e o crédito caro devem levar o valor do pedágio no próximo leilão de rodovias ao patamar das privatizadas no governo FH, conclui estudo do Ipea. Estradas federais concedidas na época cobram hoje, em média, R$ 14 a cada cem quilômetros, informa.

Nas vias leiloadas no governo Lula, que tiveram crédito subsidiado, a média é de R$ 3,80. Acabou a era do pedágio barato. Pelo menos enquanto a economia do país ainda estiver cambaleante e o crédito estiver caro. São estes os dois fatores, dizem especialistas, que vão empurrar as tarifas da próxima leva de leilões de rodovias para patamar próximo a R$ 14 por cem quilômetros rodados, valor médio das tarifas cobradas hoje nas primeiras estradas federais que foram concedidas, em meados dos anos 1990, quando o Brasil ainda engatinhava no regime de privatizações e, por isso, pagava um preço alto pela inexperiência.

De acordo com levantamento do Ipea, a média das tarifas cobradas atualmente nas praças de pedágio das rodovias federais leiloadas no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) é de R$ 13,97. Naquele período ocorreu a primeira leva de leilões do setor, com seis estradas entregues à iniciativa privada. Se nas próximas privatizações as tarifas ficarem nesse nível, o valor corresponderá a quase quatro vezes a tarifa média atual da segunda leva de concessões, feita no governo Lula (2003-2010). A média de pedágio paga nas oito estradas licitadas nessa segunda fase é de R$ 3,80.

A previsão de pedágio a R$ 14 também representa quase o triplo da tarifa média da terceira leva de privatizações de rodovias, realizada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (20112014). Quem trafega por uma das seis das sete estradas federais licitadas neste período (a cobrança de pedágio em uma delas ainda não começou) paga, em média, R$ 5,12 a cada cem quilômetros rodados, nos cálculos do Ipea. A média das três levas de concessões foi obtida a partir do valor que os motoristas pagam hoje ao passar nas praças de pedágio das rodovias. Estão embutidos, portanto, os reajustes realizados desde a data do leilão.

— Hoje, temos inflação alta, condições de financiamento adversas e crise política. Para atrair investidores, é preciso oferecer elevadas taxas de retorno dos projetos, o que encarece o pedágio. É pouco provável que tenhamos deságio de 50%, como ocorreu em algumas concessões. A expectativa é que o investidor faça uma oferta muito próxima à tarifa-teto estabelecida pelo governo para o leilão de cada rodovia — avalia Carlos Alvares da Silva Campos Neto, especialista em infraestrutura do Ipea e autor do levantamento.

CHANCE DE DESÁGIO PEQUENA Das 16 rodovias federais incluídas na segunda etapa do Programa de Investimentos em Logística, o PIL 2, lançado este ano, duas já tiveram estudos de viabilidade concluídos e encaminhados para o Tribunal de Contas da União (TCU). São elas a chamada Rodovia do Frango, que reúne trechos de quatro estradas (BR 476/153/282/480) ligando os estados de Paraná e Santa Catarina, e a BR 364/365, que liga os estados de Goiás e Minas Gerais. Em ambos os casos, a taxa interna de retorno — ou seja, a rentabilidade do empreendimento — foi fixada em 9,2%, acima da estabelecida nos governos de Lula e Dilma.

Os estudos fixaram ainda a tarifa-teto dos leilões — ou seja, o máximo que os interessados poderão propor na licitação — em R$ 14,743 por cem quilômetros para a Rodovia do Frango e R$ 13,456 para a BR 364/365, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Os valores ainda podem mudar após análise do TCU. Mesmo com limites tão elevados, Cláudio Frischtak, da consultoria Inter B., avalia que o interesse dos investidores será reduzido e a chance de eles oferecerem tarifas menores que o teto serão pequenas.

— Vai acontecer? Vai. Vai ter muito competidor? Não. Vai haver deságio? Pequeno — resume.

RODOVIA DO FRANGO DEVE SER A PRIMEIRA Ele atribui o provável baixo interesse a dois fatores: falta de previsibilidade da economia brasileira e condições de financiamento mais duras. Desde o início deste ano, o BNDES, principal fonte de recursos para projetos de longo prazo, reduziu a parcela do crédito com juros subsidiados, devido aos menores repasses do Tesouro Nacional para o banco.

— O principal fator que proporcionou tarifas tão baixas nos leilões dos governos Lula e Dilma foi justamente o crédito subsidiado. Eu chamo isso de oportunismo tarifário. Temos a sensação de que estamos pagando pouco quando usamos essas rodovias, mas todos nós pagaremos por esse subsídio, mesmo quem não usa a estrada — afirma Frischtak.

Além do crédito mais caro do BNDES, o acesso a outras fontes de financiamento também se tornou mais difícil. As chamadas debêntures incentivadas — títulos da dívida emitidos por empresas que são isentos de Imposto de Renda — têm encontrado menor apelo entre os investidores. Com juros altos, a tendência é que eles apliquem seu dinheiro em títulos do Tesouro, mais seguros. As debêntures são um dos mecanismos mais usados por empresas para se financiar no mercado de capitais.

E o investidor externo, diz Frischtak, apesar da grande liquidez internacional, está cauteloso:

— Após a perda do grau de investimento (espécie de selo de bom pagador) do Brasil, o investidor que resolver vir para cá vai cobrar um prêmio maior. Essas dificuldades de acesso a financiamento entram no cálculo da tarifa. Por isso, ela tende a ser próxima do teto — avalia o economista.

Vencerá os próximos leilões quem oferecer a menor tarifa. As concessões serão de 30 anos e não haverá cobrança de outorga. A ANTT diz que a fixação de uma tarifa-teto tão elevada para as duas primeiras rodovias leva em conta “efeitos inflacionários elevados, aproximadamente de 20% entre a última rodada de concessões e a nova, choque no preço de insumos asfálticos no fim de 2014 e a isenção dos eixos suspensos dos caminhões vazios”, conforme previsto na Lei dos Caminhoneiros, aprovada em 2015. A agência diz ainda que o teto é determinado em razão do fluxo de veículos de cada rodovia.

A ideia do governo era leiloar cinco das 16 rodovias incluídas no PIL 2 este ano, mas o processo atrasou. A Rodovia do Frango foi escolhida para ser a primeira, por se tratar de uma estrada com intenso fluxo de cargas. Boa parte da produção de aves dos estados de Santa Catarina e Paraná, que estão entre os maiores produtores nacionais do setor, passa por lá. Para o setor produtivo, o mais importante na questão das concessões é que elas de fato aconteçam, mesmo que a tarifa seja alta.

— Para nós, o mais importante é ter uma infraestrutura adequada. A tarifa mais alta não significará, necessariamente, aumento no preço do produto final, pois a melhoria das estradas vai levar a ganhos de produtividade que podem compensar o preço maior do frete — disse Domingos Martins, presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Avícolas do Estado do Paraná (Sindiavipar).

‘RISCO DE NÃO APARECER NINGUÉM’ O governo corre contra o tempo para viabilizar os leilões, pois precisa fazer a economia do país voltar a crescer. A expectativa de investimentos com as 16 rodovias inseridas no PIL 2 é de R$ 50 bilhões, fora os previstos em concessões existentes.

— O governo está desesperado. Mas, ao colocar na rua licitações em um ambiente macroeconômico e político tão ruim, ele corre o risco de não aparecer ninguém. Se isso acontecer, será catastrófico para o país e só aumentará a violenta crise de confiança — afirma Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Logística e Infraestrutura da Fundação Dom Cabral.