Governo tenta afastar relator no TCU para adiar julgamento de 'pedaladas'

 

André Borges / Lorenna Rodrigues / BRASÍLIA


O Estado de São Paulo, n. 44547, 05/10/2015. Política, p. A4


Na iminência de ter suas contas rejeitadas pelo plenário do Tribunal de Contas da União, em julgamento marcado para a quarta-feira, o governo decidiu ontem questionar a imparcialidade do relator do processo na corte, o ministro Augusto Nardes. O argumento central usado pelo governo é o de que, como juiz do caso, Nardes teria infringido a lei ao antecipar em diversas ocasiões e entrevistas o seu posicionamento pela reprovação das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff.

O pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) deve ser enviado hoje à Corregedoria do TCU, com a defesa de que há "vício" no processo sobre as chamadas pedaladas fiscais, manobra que atrasou repasse a bancos, relatado por Nardes. Com esse recurso, o governo quer a substituição do relator, por conta de "suspeição" em sua condução do processo.

Na prática, se a Corregedoria aceitar o pedido, são grandes as chances de o julgamento marcado para quarta-feira ser adiado. Isso porque o novo processo, que tem Augusto Nardes como alvo, teria de ser julgado antes de uma deliberação sobre as contas. Segundo ministros do TCU, são mínimas as chances de a corte de contas retirar a relatoria de Nardes (mais informações nesta página).

A decisão de pedir o afastamento do relator foi divulgada ontem em coletiva de imprensa realizada pelos ministros Luís Inácio Adams (AGU), José Eduardo Cardozo (Justiça) e Nelson Barbosa (Planejamento). "É vedado ao ministro do tribunal que, por qualquer meio de comunicação, expresse opinião sobre um processo pendente", afirmou Adams, ao relatar que o governo colheu mais de 2 mil páginas de reportagens nas quais Nardes, disse ele, teria deixado clara a sua intenção de reprovar as contas do governo Dilma.

Entrevistas. Adams chegou a citar a entrevista ao vivo concedida por Nardes à Rádio Estadão, na quinta-feira, quando o ministro liberou seu voto e relatório técnico sobre as contas, conforme prevê o regimento do TCU. "As contas presidenciais sempre foram aprovadas com ressalvas pelo TCU nos últimos 80 anos e ninguém tinha coragem de mudar esse quadro. Eu resolvi mudar esse quadro. Nós aqui não somos a Grécia, que tem a Europa para salvá-la. Nós mesmos temos que resolver os problemas do Brasil", declarou Nardes à rádio.

Questionado por que só agora o governo decidiu pedir a suspeição de Nardes, Adams disse que o posicionamento do ministro do TCU só ficou mais evidente a partir do dia 11 de setembro, quando a última parte das defesas foi encaminhada à corte de contas.

A estratégia de pedir o impedimento de Nardes já era estudada pelo governo em meados de julho. A época, Adams fez questão de deixar claro o que estabelece a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que fixa todas as regras para juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores. Na mesma ocasião, Adams afirmou que o caso também podería ser levado ao Supremo Tribunal Federal (STF), hipótese que agora se toma mais clara.

"Essa reiterada manifestação vem em claro conflito com uma regra que se dirige aos magistrados. Não estamos falando de agentes políticos, mas magistrados que têm regras de comportamento", disse Adams. "Este processo está eivado de politização, por conta dessa postura particular, e que se agrava pela intencionalidade, que ficou clara, pela rejeição."

• "Intencionalidade"
"Esse processo (análise de contas) está eivado de politização, por conta dessa postura particular, e que se agrava pela intencionalidade pela rejeição"
Luís Inácio Adams 
ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Parecer. Na semana passada, Nardes entregou seu parecer aos colegas no qual sugere a rejeição das contas do governo em 2014. Entre as 18 motivações para sua decisão, ele lista as pedaladas fiscais, reveladas pelo Estado em julho do ano passado. Essa manobra consiste na prática do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos (públicos e também privados) e autarquias, como o INSS, com o objetivo de melhorar artificialmente as contas federais.

Os técnicos entendem que, no caso da Caixa, foram feitos empréstimos do banco para seu controlador, o governo. A prática é vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O TCU aponta também que esses empréstimos, no total de R$ 37,5 bilhões, deveríam ter sido registrados como passivos pelo Banco Central na dívida pública, o que não ocorreu, também em afronta à LRF.

José Eduardo Cardozo ontem afirmou que o governo tem "absoluta convicção que não existe motivos ou justa causa para reprovação das contas" e criticou os encontros que Augusto Nardes teria tido com representantes da oposição, que veem na reprovação das contas do tribunal uma peça-chave para dar início ao processo de impeachment da presidente Dilma. "Setores oposicionistas têm ido ao TCU paia pressionar, na tentativa de constranger aqueles que vão julgar. Acho profundamente lamentável que isso ocorra."

Os ministros do TCU se reúnem na quarta para avaliar se seguem ou não a proposta de Nardes. Eles devem se encontrar às vésperas da sessão para discutir se há um consenso para uma posição unânime. Eventual parecer contra o governo pode desencadear um processo de impeachment da presidente no Congresso por suposto crime de responsabilidade fiscal.

CRONOLOGIA
Caso se arrasta desde janeiro

Janeiro de 2015 
Relatório do TCU
Auditores e técnicos do TCU constatam pedaladas fiscais do governo, diante da utilização de recursos de bancos para inflar artificialmente resultados e melhorar as contas da União

Abril de 2015
Crime fiscal
Plenário do TCU conclui que governo descumpriu Lei de Responsabilidade Fiscal com pedaladas. Tribunal concede prazo para que 17 integrantes do governo prestem informações.

Maio de 2015 
Ação penal
Oposição (PSDB, DEM, PPS, SD e PSB) entrega ao procurador-geral da República (PGR), Rodrigo Janot, requerimento feito pelo jurista Miguel Reale Júnior, que pede uma ação penal contra a presidente Dilma Rousseff pelas pedaladas.

Julho de 2015 
Governo se defende
Governo entrega defesa formal ao TCU, já em processo sobre contas de 2014, com mais de mil páginas e alega que pedaladas não violaram a lei. Adendo segue em setembro.

Outubro de 2015 
Relator entrega voto
Relator do balanço de 2014, Augusto Nardes, apresenta seu voto no qual diz ter encontrado quase R$ 40 bilhões em pedaladas. Governo edita decreto com regras para disciplinar a contratação de bancos pelo Executivo.

Nardes vai alegar que só divulgou voto a ministros

• Logo após saber que seria alvo de ação movida pela Advocacia-Geral da União (AGU), o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes, relator das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff, disse estar confiante de que os colegas o manterão na função. "Estou tranquilo, não divulguei nada. Se houve conhecimento prévio pela imprensa, não foi por mim" comentou.

Sua defesa consiste no argumento de que seu voto só foi antecipado aos ministros. "A distribuição da minuta de relatório e do parecer prévio aos demais ministros, previamente à sessão de apreciação do processo, atende a dispositivo do Regimento Interno do TCU", disse em nota.

Na noite de ontem, Nardes conversou com alguns ministros mais próximos e sentiu segurança de que não será declarado sob suspeição. Para ele, a decisão do governo é tentativa de evitar o debate. "Isso é tentar cercear a liberdade e cercear o tribunal. É tentar evitar de se discutir uma matéria que toda a sociedade tem que saber", afirmou.

Um ministro do TCU disse que "a chance é zero" de afastar Nardes, porque significaria jogar os próprios colegas da corte, que é formada por nove ministros, contra um de seus pares. Na prática, avalia outro ministro, o que o governo pretende é ganhar tempo. O processo de suspeição terá de ser avaliado pelo presidente do TCU, Aroldo Cedraz, que pode submetê-lo a todos os ministros da Corte e adiar o julgamento.