O globo, n. 30086, 21/12/2015. Rio, p. 10

Unidades sem pronto atendimento

Guilherme Ramalho

Gabriela Leal

UPAs do estado deixam de receber pacientes; diretores de hospitais reclamam do impacto.

“Não passei da porta. Falaram que eu só receberia atendimento se tivesse sido baleada ou sofrido algo mais grave” Maria da Graça Silva Aposentada.

Com médicos em greve devido a salários atrasados e sem medicamentos, pelo menos 15 das 29 UPAs estaduais apresentam problemas no atendimento. As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), que começaram a abrir as portas em 2007 para desafogar as grandes unidades públicas de saúde, vivem hoje seu pior momento, afetadas pela crise financeira. Segundo relatos de pacientes e funcionários, há problemas de atendimento em pelo menos 15 das 29 UPAs administradas pelo estado. Com salários atrasados desde o mês passado e sem receber a segunda parcela do 13º, médicos e enfermeiros entraram em greve há cinco dias e, sem alternativa, doentes passaram a buscar socorro em hospitais, que também enfrentam dificuldades causadas por falta de pessoal e recursos. O aumento da demanda já provoca impacto: no Albert Schweitzer, a situação alarmante levou o diretorgeral Dilson da Silva Pereira e o diretortécnico Paulo Ricardo Lopes da Costa a fazerem um registro, ontem, na 33ª DP (Realengo), informando que a unidade corre o risco de ter a emergência, uma das principais da Zona Oeste, fechada.

Diretor-técnico do Hospital Getúlio Vargas, na Penha, Manuel Alberto Gil Domingues enviou uma carta ao Conselho Regional de Medicina (Cremerj), na última terça-feira, denunciando a falta de medicamentos essenciais. Segundo ele, “é impossível manter aberta a porta de entrada da unidade para atendimento”. Ontem, apenas pacientes com sintomas graves — “quase morrendo”, de acordo com funcionários — eram socorridos, o que deixou os bancos de espera vazios. Quem aparecia com sintomas mais leves era aconselhado a ir à UPA da Penha, em vão.

ATENDIMENTO SÓ PARA CASOS GRAVES

Na UPA da Penha, assim como nas de Irajá, Copacabana, Botafogo, Marechal Hermes, Realengo, Rocha Miranda, Campo Grande, Duque de Caxias (duas UPAs), Queimados, Nova Iguaçu (duas UPAs), Mesquita e Colubandê (São Gonçalo), entre outras, há problemas no atendimento. Na Zona Sul, quem precisou de consulta durante o fim de semana foi encaminhado para os hospitais municipais Miguel Couto, na Gávea, e Souza Aguiar, no Centro. A orientação nas UPAs era só aceitar casos considerados graves.

— Não teve conversa. Disseram que só vão receber pessoas que chegarem sem sinais vitais. É um absurdo — lamentou a vendedora Brenda Mena Barreto, que saiu da UPA de Copacabana mancando. — Caí da escada e torci o pé. Estou com muita dor e quero saber se minha lesão é grave.

Acompanhada por parentes, a aposentada Maria da Graça Silva chegou à mesma unidade com pés e mãos inchados, manchas vermelhas no corpo e formigamento nas pernas.

— Não passei da porta. Falaram que eu só receberia atendimento se tivesse sido baleada ou sofrido algo mais grave — afirmou Maria da Graça.

Moradora de Copacabana, a decoradora Elizabeth Szelazek não foi recebida na UPA do bairro, mesmo estando com dores e febre:

— Só vi um médico trabalhando. É uma vergonha. Fui encaminhada para o Miguel Couto, mas desisti. Não tenho condições de me deslocar nesse sol.

Ao chegar à UPA de Copacabana, a figurinista Emmanuele Rodrigues foi orientada a seguir para a Coordenação de Emergência Regional Professor Nova Monteiro, ao lado do Miguel Couto.

— Estou com fortes dores de cabeça há muitos dias. Não se deram ao trabalho de checar minha pressão — contou Emmanuele, que diz ter sido intimidada na UPA, ao fotografar funcionários de braços cruzados.

Diagnosticada com zika e cheia de manchas vermelhas no corpo, a técnica de enfermagem Gina Rodrigues foi atendida na UPA de Irajá, mas aguardou quase duas horas. O pai dela, com suspeita de também estar com o vírus, não passou pelo médico.

— Alegaram que os sintomas não estavam tão fortes. Vou procurar outro lugar — disse, indignado, o motorista Francisco Gonçalves de Oliveira.

A situação era semelhante na Penha, onde a demora no atendimento revoltava os pacientes. Uma enfermeira, que preferiu não se identificar, disse que a unidade do bairro ficou prejudicada com as restrições nas outras UPAs:

— A situação está bem crítica e acaba prejudicando quem está atendendo. Muitos pacientes estão vindo de outras UPAs para cá. Uma pessoa veio de Realengo para se consultar aqui.

ESPERA DE ATÉ SETE HORAS

Em Duque de Caxias, pacientes sem gravidade eram aconselhados a procurar o Hospital Municipal Moacir do Carmo, já que o tempo de espera na fila poderia chegar a sete horas.

Mesmo com febre e fortes dores na barriga, a ponto de não conseguir andar, a vendedora Larissa Aparecida Santos passou pelas duas UPAs de Caxias e pelo Moacir do Carmo sem ser atendida.

— Em uma UPA, só tinha um médico e, na outra, dois. Fomos à farmácia, ela tomou um remédio e deu uma aliviada na dor. Se melhorar, vamos deixar para lá — disse o namorado de Larissa, o militar Luan Nunes Fernandes.

Em Nova Iguaçu, o diretor do Hospital Geral da Posse, Joe Cestello, afirmou que já enfrenta superlotação por causa da crise nas UPAs. Em nota, ele informou que a unidade “está vivendo o caos com a enorme sobrecarga no atendimento em decorrência do fechamento da emergência de outros hospitais”.

Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Jorge Darze destacou a gravidade da situação e disse que, na sexta-feira, fez uma denúncia ao Ministério Público contra o governador Luiz Fernando Pezão, para que ele assuma o crime de responsabilidade devido à crise na saúde do estado.

— A situação é muito grave. Nunca vivemos um momento tão crítico. Essas pessoas não têm dinheiro para serem atendidas no setor privado — disse Darze, acrescentando que os profissionais também enfrentam dificuldades. — Os médicos atuam com uma equipe. Se o auxiliar de enfermagem não for trabalhar por falta de dinheiro, em quais condições o paciente será atendido?

Darze não soube informar quantos médicos trabalham em UPAs porque, segundo ele, esses dados são uma “caixa-preta”:

— Cada unidade tem uma gestão diferente. São muitas Organizações Sociais (OS). A Secretaria de Saúde não tem gestão sobre o que está acontecendo. É um barco à deriva. Estão expondo a população ao risco de morrer.

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Secretário de Saúde espera R$ 550 milhões

 

Felipe Peixoto diz que valor é necessário para acertar as contas do ano.

Diante das dificuldades financeiras que afetam o atendimento nas UPAs e nos hospitais, o secretário estadual de Saúde, Felipe Peixoto, disse que são necessários R$ 550 milhões para o órgão acertar as contas deste ano, incluindo o pagamento de salários atrasados de funcionários ligados às Organizações Sociais (OS) que atuam no sistema.

Embora confirme que médicos do Corpo de Bombeiros e da PM estão de sobreaviso para recompor equipes em UPAs onde faltam profissionais, Peixoto informou que o reforço não foi planejado para uma situação de greve em toda a rede.

— A nossa contingência é para substituir profissionais em unidades onde há falta de médicos. Diariamente, a gente vê o quadro e a necessidade de fortalecer equipes — afirmou Peixoto.

RESPONSABILIDADE MÉDICA

Segundo o secretário, o funcionário que está numa UPA deve trabalhar:

— Se a unidade tem médico de plantão, ele deve atender pacientes. O profissional pode não estar recebendo, mas existe uma responsabilidade com o trabalho.

Ontem, a Secretaria estadual de Saúde não confirmou quais das 29 UPAs estão sem prestar atendimento nem quantos funcionários trabalham em cada unidade. Em nota, destacou que vem “reunindo esforços para minimizar os transtornos à população e restabelecer os serviços eventualmente suspensos”.

De acordo com a nota, “as restrições são dinâmicas em algumas unidades, podendo durar pouco tempo”. O órgão informou ainda que o cenário só deverá ser normalizado após a liberação de repasses para o Fundo Estadual de Saúde.