O globo, n. 30086, 21/12/2015. Opinião, p. 16

(Nossa opinião)

Fonte limpa e confiável

 

Brasil terá que investir em energia nuclear para cumprir meta de emissões assumida na COP-21.

ACOP-21 representou um passo histórico na luta contra o aquecimento global. A partir de agora, os países terão que reformar suas infraestruturas industriais e suas matrizes energéticas tendo no horizonte a meta de conter o aumento da temperatura da Terra a 2ºC neste século. O acordo revela, pela primeira vez, o consenso de que é preciso repensar o desmatamento e o uso de combustíveis fósseis. Nossa tarefa nesse sentido é desafiadora, considerando-se que Brasil, Índia, China, EUA, UE e Rússia são responsáveis por cerca de 80% dos gases do efeito estufa (GEE). O Brasil se comprometeu a cortar suas emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030, com referência ao ano de 2005.

São cinco os grandes segmentos econômicos emissores de GEE: usos da terra (inclusive desmatamento); processos industriais; resíduos; agropecuária; e produção de combustíveis e energia elétrica. O primeiro é o que mais contribui no Brasil, com índice de emissão de 60%, embora sua participação venha caindo desde 2000, quando era de 82%. Já a produção de combustíveis e energia elétrica seguiu o caminho inverso e, entre 2010 e 2014, suas emissões subiram de 4,5% para 9%, o maior aumento entre os cinco segmentos.

Este salto não foi por acaso. O uso de termelétricas a óleo diesel — inicialmente previsto para casos excepcionais e de curta duração, por ser uma fonte extremamente suja — tornou-se “o novo normal”, em razão das sucessivas secas que assolam o país, ironicamente um dos efeitos perversos do aquecimento.

A principal matriz brasileira é o setor hidrelétrico. Sua produção, porém, se vê limitada pela legislação ambiental, que impede a construção de usinas com grandes reservatórios d’água. Em seu lugar, o país investiu em usinas a fio d’água para evitar o desmatamento, no Norte, e o deslocamento de populações ribeirinhas e indígenas. Sucede que nos meses de estiagem, quando o volume d’água dos rios diminui, as turbinas não conseguem produzir o volume necessário para suprir a demanda.

Duas fontes alternativas são muito populares entre ambientalistas: eólica e solar. Não há controvérsia quanto a limpeza e segurança desses modelos e, por isso, devem fazer parte do planejamento a longo prazo. Trata-se de alternativas promissoras e necessárias. Hoje, porém, são insuficientes para garantir o suprimento de energia necessário ao atendimento da demanda residencial e industrial do país. Além de serem fontes ainda caras, sua produção é inconstante e instável.

A energia nuclear é outra fonte limpa, cuja segurança vem sendo aprimorada, inclusive a partir de incidentes como o de Fukushima, no Japão, onde o governo está religando suas usinas. O Brasil já possui Angra 1 e 2 e trabalha na terceira usina; no entanto, a contribuição da energia atômica em nossa matriz é de apenas 2%. Se o Brasil pretende cumprir o compromisso assumido na COP-21, investir no setor nuclear será um passo inevitável. Sem prejuízo das outras fontes. É preciso realismo.

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(Outra opinião)

O Brasil não precisa

JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO

A França, o país mais nuclearizado do mundo, está em contagem regressiva da dependência nuclear.

 

Devido à desastrosa gestão imposta ao setor energético nestes últimos 12 anos, o racionamento de eletricidade só tem sido evitado pela queda da demanda, provocada pela recessão econômica. Mas isto não bastará para evitar apagões em futuro próximo, porque as mudanças climáticas comprometem a vazão dos rios e cerca de 70% da energia elétrica brasileira vêm de usinas hidrelétricas.

A bacia do São Francisco, por exemplo, está sendo devastada pela agropecuária, o que reduz a vazão dos rios, como aliás já se previa há mais de 40 anos. No entanto, em vez de agir no sentido de reverter esse processo, mediante o incentivo ao reflorestamento das nascentes e matas ciliares, o governo agrava-o, haja vista o disparatado projeto de transposição das águas daquele já minguante rio. Futuro sombrio também é previsível para as bacias do Tietê, Paraná, Paraíba e Iguaçu — e até para a bacia amazônica.

Como solução para esses problemas, o governo — em sua invencível inépcia — propõe a implantação de centrais nucleares, precisamente quando esta opção é abandonada por países da vanguarda tecnológica, como Alemanha, Bélgica, Suíça —e o Japão, que reativou apenas duas centrais nucleares das mais de 40 que operava antes da catástrofe de Fukushima.

Mesmo na França, que em termos relativos é o país mais nuclearizado do mundo, a Assembleia Nacional passou recentemente a lei da transição energética, lançando uma contagem regressiva para menor dependência da energia nuclear.

Os adeptos do tout nucleaire (como eu já fui, no passado) apontam a intermitência dos ventos e das radiações solares como desvantagem das fontes renováveis.

Ocorre que o aproveitamento das fontes renováveis pode ser muito aperfeiçoado. A implantação de malhas inteligentes (smart grids) para interligar as hidrelétricas com os parques eólicos e fotovoltaicos contribuiria para aumentar o fator de capacidade do parque hidrelétrico e para atenuar o problema da intermitência dos ventos e das radiações solares, por meio do chamado “efeito portfólio”, pelo qual, à semelhança de uma carteira de ações na Bolsa de Valores, a produção conjunta de todos os parques eólicos e fotovoltaicos varia menos do que as produções individuais de cada parque. E pode-se ainda aumentar muito a eficiência das turbinas eólicas e dos painéis solares.

Desperdícios de energia podem ser evitados nas malhas das empresas de distribuição, nas quais a desordem e o emaranhado de cabos nos postes induzem correntes que provocam perdas descomunais. Por fim, se houvesse planejamento energético e os institutos de pesquisa controlados pelo governo investissem no desenvolvimento de sistemas de armazenamento e transporte de energia em larga escala, muito poderia ser feito nesse campo.