Valor econômico, v. 16, n. 3922, 14/01/2016. Política, p. A5

Cerveró muda versão de propina à campanha de Lula
Por André Guilherme Vieira e Letícia Casado
 
Documento obtido pelo Valor indica que Nestor Cerveró, ex-diretor de Internacional da Petrobras e delator do esquema de corrupção na estatal, modificou sua versão sobre um suposto pagamento de propina de US$ 4 milhões à campanha de reeleição do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, com recursos que teriam origem na obra de Renovação do Parque de Refino (Revamp) da refinaria de Pasadena, no Texas.
 
Ao negociar o acordo de delação premiada, o investigado apresenta um resumo sobre o que tem a revelar. As informações entregues pela defesa de Cerveró aos investigadores da Operação Lava-Jato registram que "foi acertado que a Odebrecht faria o adiantamento de US$ 4 milhões para a campanha do presidente Lula, o que foi feito".
 
O suposto pagamento seria a contrapartida por contrato obtido por Odebrecht e UTC para o Revamp de Pasadena, disse Cerveró.
 
No entanto, a menção ao suposto caixa dois pago pela Odebrecht à campanha de Lula desaparece do termo de depoimento em que Cerveró trata do assunto, de número 5 de sua delação premiada, homologada pelo ministro Teori Zavascki, relator da investigação no Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-presidente Lula não é mencionado no termo de declarações sobre Pasadena.
 
O ex-diretor da Petrobras também altera a fonte de pagamento do suposto suborno, que passou a ser a UTC, e não mais a Odebrecht.
 
"Foi decidido que (...) a contrapartida da UTC pela participação nas obras do Revamp seria o pagamento de propina; que se acertou que a UTC adiantaria uma propina de R$ 4 milhões, que seriam para a campanha de 2006, cuja destinação seria definida pelo senador Delcídio do Amaral [PT-MS] ", informa o documento. Delcídio está em prisão preventiva desde novembro e já foi denunciado ao STF por obstruir a delação premiada de Cerveró.
 
As obras do Revamp de Pasadena acabaram não sendo realizadas, segundo afirmou o delator.
 
Outra discrepância entre os documentos é a menção à presidente Dilma Rousseff. No resumo de informações, Cerveró a citou três vezes quando falou sobre Pasadena. Mas não há citação a Dilma no termo homologado pelo STF.
 
O resumo de informações prévias relata que "Dilma incentivou Nestor Cerveró para acelerar as tratativas sobre Pasadena. Sempre esteve a par de tudo que ocorreu na compra daquela refinaria, e realizou diversas reuniões com Nestor [Cerveró] durante todo o trâmite". Diz ainda que "Delcídio tinha um relacionamento muito próximo com Dilma Rousseff, sendo que participou de diversas reuniões com Dilma e Nestor, fato que isso leva a crer que Dilma tinha conhecimento [do] valor adiantado para Revamp".
 
Cerveró disse também, no resumo, que "chama a atenção a celeridade da aprovação" da compra da refinaria - ocorrida um dia após ser aprovada pela diretoria da estatal, segundo o delator. E que a responsabilidade por aprovar a aquisição de Pasadena "é da presidente Dilma, como presidente do conselho de administração, segundo o estatuto da Petrobras".
 
De acordo com Cerveró, ao final da compra de 50% de Pasadena, por U$ 380 milhões, houve o pagamento de propina no valor de US$ 15 milhões, sendo que ele receberia US$ 2,5 milhões; Paulo Roberto Costa, então diretor de Abastecimento, ficaria com US$ 1,5 milhão; Fernando "Baiano" Soares, lobista, receberia US$ 2 milhões; três gerentes da Petrobras dividiriam US$ 5 milhões; e os representantes da Astra Oil teriam recebido US$ 4 milhões.
 
Na prévia da delação, Cerveró falou sobre Delcídio, mas no depoimento formal apresentou uma história nova: a de que foi extorquido por ele. Segundo Cerveró, por volta do fim de 2005 e início de 2006, Delcídio do Amaral "procurava insistentemente o declarante solicitando dinheiro para a campanha do governo do Mato Grosso do Sul", mas Cerveró até então não tinha "nenhum negócio na diretoria Internacional da Petrobras que pudesse gerar vantagens indevidas". Delcídio então ficou sabendo da aquisição de Pasadena e, "diante das cobranças do senador", Cerveró "disse que iria repassar parte de sua propina ao parlamentar". Caso não pagasse, sua permanência na diretoria "estaria ameaçada", disse o delator.
 
Cerveró relatou que decidiu dar sua parte da propina no contrato de Pasadena - de US$ 1,5 milhão, segundo ele - a Delcídio, e que orientou Baiano a viabilizar o pagamento. Outro US$ 1 milhão para a campanha de Delcídio seria pago depois, com o Revamp de Pasadena, que não ocorreu. Mesmo depois do acerto, Delcídio continuou cobrando o US$ 1 milhão do ex-diretor, afirmou Cerveró.
 
A Procuradoria-Geral da República não se pronuncia sobre a delação de Cerveró, que está sob sigilo. O Valor apurou com investigadores da Lava-Jato que "discrepâncias entre depoimentos de colaboradores são comuns" e que "todas as contradições são confrontadas com versões de outros colaboradores e cruzadas com documentos no processo de apuração dos fatos".
 
A Lei 12.850 permite que o delator obtenha desde o perdão judicial até a redução em dois terços da pena privativa de liberdade, ou a substituição por restrição de direitos, a critério do juiz, se colaborar de modo efetivo e voluntariamente com a investigação e produzir ao menos um entre cinco resultados: identificar os participantes da organização criminosa; revelar sua estrutura hierárquica; evitar a prática de novos crimes pela quadrilha; recuperar ao menos parte do dinheiro roubado ou localizar eventual vítima com sua integridade física preservada.
 
O Instituto Lula disse que "sobre arrecadação de campanha eleitoral, o assunto é do tesoureiro responsável pela campanha ou do partido".
 
O Palácio do Planalto disse que a compra de Pasadena foi autorizada com base em resumo executivo elaborado por Cerveró "técnica e juridicamente falho".
 
A UTC Engenharia disse que "nunca foi contratada e não executou obras na refinaria de Pasadena, Texas (EUA)". A defesa de Delcídio não comenta o assunto.