O globo, n. 30086, 21/12/2015. Economia, p. 19

R$ 74 bilhões na gaveta

JOÃO SORIMA NETO, ROBERTA SCRIVANO GABRIELA VALENTE

Crise econômica e política leva empresas a cancelarem ou adiarem novos projetos.

“Não tem por que investir. A situação está muito ruim e não vejo no horizonte chance de melhora” Humberto Barbato Presidente da Abinee.

Em dois anos de crise, setores siderúrgico, petroquímico, eletroeletrônico e sucroalcooleiro, que respondem por 20% do PIB, suspenderam novos projetos. Rebaixamento do país e processo de impeachment complicam cenário.

O novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, tentará acalmar os mercados financeiros hoje antes mesmo de sua posse, marcada para as 17h no Palácio do Planalto. Ele fará uma conferência, por telefone, com investidores nacionais e estrangeiros. A troca no Ministério da Fazenda e a recente perda da chancela de bom pagador pelo Brasil por agências de classificação de risco são apontadas como novos fatores de incertezas por empresários. Desde o ano passado, a recessão e a crise política fizeram as empresas brasileiras suspenderem R$ 74,5 bilhões em investimentos apenas nos setores petroquímico, siderúrgico, eletroeletrônico e sucroalcooleiro. -SÃO PAULO E BRASÍLIA- A crise econômica amplificada pelas dificuldades políticas do governo está fazendo com que a iniciativa privada engavete cada vez mais projetos de investimento no país. Em quatro setores consultados pelo GLOBO, que têm peso de aproximadamente 20% no Produto Interno Bruto (PIB), os projetos cancelados, ou adiados, somam R$ 74,5 bilhões entre 2014 e 2015. Os mais novos episódios da crise — a perda do grau de investimento e a troca de comando no ministério da Fazenda — ameaçam também desestimular a entrada de recursos estrangeiros que são aplicados na produção. Desde janeiro, o investimento externo direto no Brasil soma quase US$ 55 bilhões.

Pior é que essa paradeira tem um custo para o mercado de trabalho brasileiro, que já vem perdendo fôlego mês a mês. Um estudo do International Finance Corporation (IFC), entidade ligada ao Banco Mundial, estima que, a cada US$ 1 bilhão investido em grandes projetos na América Latina, são gerados 40 mil novas vagas de emprego. Por este cálculo, o Brasil está perdendo cerca de 3 milhões de postos de trabalho com a postergação desses aportes.

Entre os setores, o que mais está engavetando projetos é o químico e petroquímico. Cálculo da Abiquim, entidade que representa as indústrias do segmento, estima que R$ 48 bilhões em novos investimentos previstos desde 2014 não saíram do papel. São novas plantas na área de fertilizantes, matérias-primas e insumos intermediários, que estariam prontas em 2017. Além de não criar novas vagas, pela primeira vez nos últimos 25 anos o setor está fechando postos de trabalho. Em 2015, devem ser demitidos 4 mil funcionários, 1% da força total de trabalho.

— A incerteza na economia paralisa o investimento, mas o setor tem problemas estruturais. O custo da energia é 40% maior do que nos EUA e produzir aqui tornase mais caro. Além disso, importa-se insumos químicos e petroquímicos com alíquota zero — reclama Fernando Figueiredo, presidente da Abiquim.

IMPACTO DA CRISE NA PETROBRAS

Em outubro passado, a Braskem cancelou a construção na Bahia da primeira fábrica do país de plásticos de alta resistência, que ergueria em parceria com a alemã Styrolution. O valor era de US$ 200 milhões. De acordo com Figueiredo, também cancelaram projetos Vale e Galvani, mas o caso mais emblemático é o da Petrobras.

Mais da metade dos investimentos previstos no setor, cerca de R$ 25 bilhões, seriam feitos pela petrolífera. Procurada, a estatal informou que reduziu seu plano de investimentos totais de US$ 28 bilhões para US$ 25 bilhões este ano e de US$ 27 bilhões para US$ 19 bilhões em 2016. Em nota, a petrolífera esclareceu que a alta do câmbio e a queda no preço do barril do petróleo motivaram a decisão.

— Mas a empresa também está no centro do furacão provocado pelas investigações da Lava-Jato, e teve o caixa prejudicado pela decisão do governo de não reajustar o preço dos combustíveis durante um pongo período — diz um analista de mercado que acompanha a empresa.

No setor de siderurgia, os produtores de aço, representados pelo Instituto do Aço, estão engavetando o equivalente a R$ 8 bilhões em investimentos. Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo da entidade, diz que o setor há poucos anos representava 25% do PIB e hoje está abaixo de 10%. Uma das grandes siderúrgicas que reduziu o volume de aportes é a CSN. A empresa informou que o recuo foi de 41% em 2015 na comparação com 2014. Este ano, o total investido chegará a R$ 1,3 bilhão.

— Temos uma perda de competitividade sistêmica — disse Marco Polo, acrescentando que poderiam ser criados pelo menos 7,7 mil empregos se os novos investimentos saíssem do papel.

A crise na economia afeta a decisão de investimento, mas a incerteza política também prejudica a expectativa do empresariado, diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

— Se a instabilidade política continuar em um cenário que a presidente Dilma Rousseff segue fraca até o final do mandato, a paralisia de investimento continuará forte — prevê Vale, lembrando que o nível de utilização da capacidade instalada da indústria está baixo “e não faz sentido a indústria pensar em investir agora”.

A expectativa da MB é de queda de quase 8% no PIB industrial neste ano e de 4,5% no ano que vem. Com esse resultado, diz ele, a indústria deve regredir aos níveis de 2002.

EMPREGO NO PATAMAR DE 2009

A Abinee, que representa a indústria eletroeletrônica, contabiliza R$ 500 milhões em investimentos engavetados neste ano. O montante equivale a 12,5% dos aportes totais previstos pelo segmento (R$ 4 bilhões). Humberto Barbato, presidente da entidade, cita o recuo de 10% em termos reais no faturamento do setor em 2015 para justificar esse encolhimento. O nível de emprego, diz Barbato, está voltando ao patamar de 2009, o que significa um corte de 38 mil postos de trabalho neste ano.

— Não tem por que investir. A situação está muito ruim e não vejo no horizonte chance de melhora — afirma.

No setor sucroalcooleiro, calcula-se que pelo menos R$ 18 bilhões que deveriam ser aportados anualmente para reforma de usinas, compra de novas máquinas e renovação do canavial, não estão saindo do papel.

— E se o Brasil quiser atingir a meta de produzir 50 bilhões de litros de etanol até 2030, serão necessários mais R$ 40 bilhões aplicados em novas plantas até lá — diz Antonio de Pádua, diretor técnico da Unica, entidade que representa o setor sucroalcooleiro, lembrando que falta também uma política de longo prazo para o álcool para estimular o setor.

QUEDA DE 25% EM MÁQUINAS

Um dos termômetros que mostra a retração do investimento na economia é a compra de bens de capital. São caminhões, máquinas e equipamentos pesados para novas unidades industriais ou renovação das plantas. De acordo com o economista da consultoria Tendências, Felipe Beraldi, a demanda por bens de capital encolheu nos três primeiros trimestres do ano. A retração foi de 8,8% de janeiro a março; de 14,2% no segundo trimestre e de 5,7% entre julho, agosto e setembro.

— No ano, nossa estimativa é de uma queda de 25,3% por bens de capital em relação a 2014. Neste período de incerteza, o empresário tende a represar esse investimento — diz Beraldi.

No caso do investimento estrangeiro voltado para a produção, técnicos da equipe econômica ouvidos pelo GLOBO temem que a indefinição sobre o futuro político do Brasil afete a única coisa que realmente vai bem na economia: as contas externas.

— Pode haver impacto, mas até agora ainda não tem afetado — frisou a fonte.

Os US$ 55 bilhões que chegaram ao país nos dez primeiros meses do ano cobriram o déficit das contas externas brasileiras acumulado até agora, além de aumentar a capacidade produtiva das fábricas por aqui. A incerteza política preocupa.

— Pode ocorrer uma redução no horizonte mais longo, se esses problemas persistirem. Mas, se for uma solução rápida, para qualquer sentido, o efeito deve ser pequeno — disse outro técnico da equipe econômica.