Valor econômico, v. 16, n. 3922, 14/01/2016. Especial, p. A12

Apoio dos Estados à CPMF é incerto, diz Rollemberg

Se o governo federal apostar nos governadores para aprovar a CPMF, terá dificuldades. Os governadores estão unidos numa pauta de reivindicações econômicas, mas sabem que ela só tem futuro se for politicamente neutra. Temas como o impeachment, aumento de impostos e reforma do ICMS não são consenso e por isso não estão na pauta da nova rodada de reuniões que os governadores terão no dia 1º de fevereiro, em Brasília.

Quem diz é o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), anfitrião da primeira reunião, realizada no fim do ano passado. A ideia é que os governadores estaduais se reúnam regularmente para defender temas de consenso e apertar o governo federal. É um fórum que pode evoluir para uma nova instância de pressão política, com metodologia própria e reuniões antecipadas dos secretários de planejamento e procuradores para a elaboração da pauta. Um incômodo permanente para um governo fraco.

A reclamação geral, verbalizada por Rodrigo Rollemberg, é que faltam iniciativa e atores para tirar o país do impasse político. Ele reconhece que o impeachment perdeu força, mas ressalta que o governo precisa melhorar a economia para colher dividendos no cenário político. Afinal, argumenta o governador da capital da República, a recuperação dos Estados dará fôlego para a retomada do crescimento do país.

Veja trechos da entrevista

Na pauta imediata dos governadores, se não estão CPMF e DRU, que interessam mais ao governo federal, estão a liberação de empréstimos externos, a possibilidade de contar com parte dos depósitos judiciais para pagar precatórios e a cobrança de atendimento do SUS por usuários dos planos de saúde.

Abaixo, os principais trechos da entrevista que o governador concedeu ao Valor:

Valor: Qual o espaço que o senhor vê para os governadores avançarem nessa pauta econômica?

Rodrigo Rollemberg: Os governadores e prefeitos estão bastante vinculados ao mundo real e enfrentando na pele as dificuldades do dia a dia. Os prefeitos vão ter eleição agora. Então haverá renovação, ao longo deste ano, e estarão muito envolvidos nas suas campanhas. Os governadores têm três anos de desafios pela frente. Por outro lado, o governo federal tem demonstrado pouca iniciativa e o Congresso Nacional está muito preso à agenda do impeachment. Os governadores passam a ter uma responsabilidade muito grande e um protagonismo, se tiverem a capacidade de construir uma agenda comum a todos, independente de ser da oposição ou da base, que possa melhorar o ambiente econômico nos Estados. Melhorando o ambiente econômico nos Estados melhora no país e melhora o ambiente político.

Valor: O que une e o que separa os governadores estaduais?

Rollemberg: Nos une, por exemplo, a retomada do desenvolvimento. É claro que a recessão tem atingido seriamente a todos os governos, porque reduz a arrecadação e amplia o desemprego e a insatisfação nas cidades. A retomada do desenvolvimento, portanto, é um ponto em comum. Algo que nos une é a liberação das operações de crédito por parte da União. Isso pode aumentar a capacidade de investimento dos Estados e com isso movimentar positivamente a economia.

Valor: O ministro Nelson Barbosa (Fazenda) prometeu dobrar essas operações?

Rollemberg: Ele não falou em dobrar. Falou que o governo está disposto a retomar paulatinamente a liberação dessas operações de crédito, que passaram o ano todo praticamente travadas.

Valor: O senhor vê algum horizonte?

Rollemberg: Os governadores saíram com a sensação de que haverá, sim, uma flexibilização. Tem também algumas agendas que estão no Congresso.

Valor: Quais?

Rollemberg: A aprovação da proposta de emenda à Constituição, já votada pela Câmara e que está no Senado, que permite a utilização de parte dos depósitos judiciais para pagamento de precatórios. A própria proposta de renegociação da dívida, que foi regulamentada alguns dias depois da reunião. Aquilo tem uma importância maior para alguns Estados do que para outros, mas é uma sinalização positiva por parte do governo de que está aberto ao diálogo. A constituição de um fundo garantidor para as parcerias público-privadas. São agendas que podem contribuir para melhorar o ambiente econômico.

Valor: Qual a contrapartida pedida pelo governo federal?

Rollemberg: O governo federal não pediu contrapartida nenhuma. Hoje, o maior interessado na construção de uma agenda positiva para o país é o próprio governo federal. E o fato muito positivo dessa reunião é que dez governadores e um vice-governador ficaram reunidos quase quatro horas com o ministro Nelson Barbosa e não se falou em impeachment nenhuma vez. O objetivo ali era buscar saídas econômicas para o país.

Valor: Nem mesmo o apoio dos governadores para votar a CPMF?

Rollemberg: Em nenhum momento o governo colocou isso. Na verdade, a CPMF, o assunto CPMF, passou de forma muito secundária nesse debate. Não foi propositadamente tema da reunião dos governadores, porque poderia haver algum tipo de dissenso. Na reunião com Nelson Barbosa foi colocado, não sei se pelo Rui [Costa, governador da Bahia] ou pelo Pezão [Luiz Fernando Pezão, governador do Rio de Janeiro], mas o próprio Nelson Barbosa, na fala dele, admitiu que naquele momento o governo não estava em condições de levar essa votação adiante por falta de um entendimento.

"Hoje, o maior interessado na construção de uma agenda positiva para o país é o próprio governo federal"

Valor: Então esse é um dos aspectos sobre o qual não há consenso?

Rollemberg: Não tem consenso. Mas decidiu-se que os governadores se reunirão mensalmente ou regularmente, aqui em Brasília, para tratar de interesses comuns. E é claro que os assuntos encaminhados pelo governo e que estão na pauta do Congresso vão merecer a atenção desses governadores. O grande desafio é ter uma agenda de curto, médio e longo prazo. É muito importante que haja uma discussão, no fórum de governadores, sobre reforma do Estado, reforma tributária e outros aspectos da vida política que possam, quando chegar no âmbito do Congresso Nacional ou do poder Executivo, estar amadurecidos e consensuados pelos governadores. É claro que isso vai favorecer muito o processo de aprovação dessas matérias.

Valor: Sem consenso, quais são as chances de os governadores ajudarem o governo federal a aprovar a CPMF. Existe condições para os governadores serem atores importantes nesse processo da CPMF ou o processo político está tão bagunçado que é preciso antes dar o passo anterior?

Rollemberg: É preciso dar alguns passos antes disso. O governo precisa sinalizar disposição para o diálogo. Essa agenda de curto prazo, que pode ser resolvida no âmbito do governo ou do Congresso, precisa avançar e qualquer proposta como a CPMF, por exemplo, para ser apreciada e ter o apoio do conjunto de governadores, tem que estar inserida num processo em que todos tenham muita segurança de que isso será fundamental para sair da crise e iniciar uma nova etapa de desenvolvimento.

Valor: E a Desvinculação das Receitas da União (DRU), outro assunto que o governo encaminha que não é do interesse dos governadores?

Rollemberg: Discutimos os assuntos que unificam e são importantes. O que eu senti é que os governadores entenderam que aquilo foi um primeiro passo importante de um caminho que pode ser frutífero. Claro que a tendência é entrar em temas mais espinhosos, que vão demandar mais tempo. Isso não foi discutido na reunião e nem tocado, mas eu imagino, pelos comentários anteriores, que a DRU, acompanhada também da DRE [Desvinculação das Receitas Estaduais] pode ser um passo que ajude na apreciação de matérias desse tipo. Nessa agenda nacional, os governadores querem colocar pontos que melhorem o ambiente econômico nos Estados. Isso é fundamental para prosperar a agenda nacional.

Valor: Há condições para votar mesmo as pautas de consenso no atual ambiente político?

Rollemberg: O que se busca é uma saída para o impasse. O que nós estamos vendo no cenário político brasileiro é uma falta de iniciativa e uma falta de atores capazes de construir uma solução para os impasses que nós estamos vivendo. Esse é um esforço que está sendo feito pelos governadores para contribuir com essa pauta. Você tem um círculo vicioso que é de uma crise política que alimenta uma crise econômica que alimenta uma crise política e a gente não conseguindo sair desse círculo vicioso.

Valor: Quais são os principais impasses, no momento?

Rollemberg: Os governadores têm pouca ou menos influência nessa agenda política. Mas têm influência maior na agenda econômica, até porque são muito vítimas das dificuldades na economia. Se a gente começa construir um ambiente econômico melhor, isso vai contribuir para distensionar as relações políticas no Congresso Nacional e permitir também que o Legislativo possa adotar uma pauta de interesse comum, que é a pauta da retomada do desenvolvimento econômico. Este é o grande foco.

Valor: Tem uma pauta específica para a reunião de 1º de fevereiro?

Rollemberg: Meu papel nesse processo, como governador de Brasília, é de facilitar o encontro das pessoas e da constituição de uma agenda. Não tenho nenhum interesse de liderar movimento algum, até porque tem governador com projeção maior. Os governadores sugeriram que fizéssemos reuniões regulares aqui. Minha ideia é que a gente adote uma metodologia que já estamos fazendo no consórcio Brasil Central, que reúne o Distrito Federal e os Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins, atualmente presidido pelo governador Marconi Perillo (GO). Fazemos uma reunião antes com os secretários de Planejamento e os procuradores, que constroem e preparam a pauta para a reunião dos governadores, que se dá em seguida, a fim de tornar as reuniões mais produtivas. Mas certamente o ponto inicial é a continuidade das questões que foram apreciadas na primeira reunião. Eu imagino que uma coisa certa é uma visita dos governadores ao presidente do Senado, Renan Calheiros, para que essa proposta de emenda à Constituição já votada entre na pauta. Nós temos condições de resolver isso em fevereiro.

Valor: Como faz para compatibilizar os interesses partidários dos governadores com os interesses dos Estados?

Rollemberg: No meu caso específico, o PSB tem uma postura de independência, dialoga com todos os partidos políticos, não está dentro dessa disputa política entre PT e PSDB, portanto é um partido que pode contribuir para que buscar alternativas e caminhos para que possamos superar esse momento difícil

"O impeachment perdeu força, mas eu não diria que está morto. Entendo que a crise econômica é um ingrediente"

Valor: O senhor concorda que o impeachment perdeu força?

Rollemberg: Claramente. O impeachment perdeu força, mas eu não diria que está morto. O impeachment é um instituto previsto na Constituição, então todos os governantes estarão sujeitos a possibilidade de enfrentar o processo de impeachment. No meu entendimento, a crise econômica é um ingrediente e a falta de perspectivas para saída dessas dificuldades tende a alimentar um trabalho de setores pelo impeachment. A melhora do ambiente econômico tende a arrefecer a ideia do impeachment.

Valor: Para que a união dos governados siga, é essencial que interesses conjunturais como impeachment fiquem fora da pauta?

Rollemberg: É preciso que as questões políticas conjunturais sejam deixadas de lado. A discussão tem sido em torno de objetivos comuns a todos. É claro que uma agenda dessa não se constrói sem o apoio do governo federal, que é parte fundamental. Queremos romper o círculo vicioso e começar o círculo virtuoso da economia e da política. Se o governo federal tem demonstrado dificuldade de fazer essa articulação, a união dos governadores pode contribuir para construção desse ambiente.

Valor: Brasília, especificamente, precisa do que?

Rollemberg: Nós sofremos muito com a crise econômica e a crise política. Quando há manifestações em Brasília, é a nossa polícia que tem que dar segurança. Nós tivemos gastos e ocupamos um contingente grande das forças policiais para promover a segurança de manifestações. Mas o prejuízo maior para Brasília é a perda da atividade econômica. A nossa receita cresceu nominalmente em torno de 5% para uma inflação de mais de 10%. Ou seja, nosso desempenho ainda foi superior à média nacional. Mas tivemos uma perda de R$ 382 milhões no fundo constitucional porque a queda na arrecadação da União reduz os repasses ao fundo; a atividade imobiliária recente reduziu bastante e o repasse de recursos federais mediante convênios também caiu substancialmente. Isso tudo impacta na atividade econômica do Distrito Federal.

Valor: A Operação Lava-Jato teve algum impacto para Brasília?

Rollemberg: Não diretamente.

Valor: O senhor acredita que é possível que Brasília retome o crescimento ainda esse ano?

Rollemberg: Avançamos bastante no equilíbrio orçamentário. Pegamos o Distrito Federal com o rombo de R$ 6,5 bilhões. Reduzimos as secretarias de governo de 38 para 17, eliminamos mais de 5 mil cargos comissionados ao longo do ano e cortamos mais R$ 1 bilhão da máquina pública em despesas de alimentação, carro, gasolina, diárias, viagens. Isso permitiu chegar ao final do ano numa situação muito melhor do que iniciamos. 2016 ainda será um ano muito difícil. Temos que ver como vai se comportar arrecadação e avaliar como será a evolução da receita em função da atividade econômica.

Valor: Como o GDF fechou as contas de 2015?

Rollemberg: Com um déficit de mais ou menos R$ 2,1 bilhões. Mas se contabilizar os recursos do Fundo Constitucional que são utilizados para pagar segurança, parte da educação e saúde, estamos com mais de 75% da receita comprometida com o pagamento de pessoal.

Valor: O senhor defende uma nova reforma administrativa, já que esse é um problema comum aos governadores?

Rollemberg: O Estado não pode viver para sustentar a si próprio. Não tem sentido gastar 75% do orçamento com 7% da população. Isso tem que ser um pacto não apenas para o governo atual, mas para os próximos governos e as próximas gerações. A questão da previdência complementar nos Estados é importante. Todos têm problema com a Previdência Social.

Valor: O senhor defende que a proposta de reforma da Previdência que a presidente Dilma Rousseff prometeu encarar trate também da previdência estadual?

Rollemberg: Sim. O primeiro passo é a aprovação da previdência complementar para o servidor público nos Estados onde isso ainda não existe. Aqui, nós encaminhamos uma proposta para a Câmara Legislativa e ainda não conseguimos aprovar, mas queremos muito.

Valor: O PSB foi o partido que mais cresceu na eleição municipal de 2012, elegendo mais de 100 prefeitos a mais que em 2008, praticamente consolidando-se como uma alternativa à esquerda ao PT na eleição de 2014. O PSB pretende manter esse processo nas eleições de 2016. É fundamental o partido ter um candidato a presidente da república em 2018?

Rollemberg: Em 2016 a estratégia do PSB será a de lançar candidatos próprios em todas as cidades em que for possível, especialmente as 200 maiores cidades brasileiras. Onde não tiver candidato, vamos buscar alianças com partidos que temos uma relação mais próxima e aí conta muito a questão regional. No plano nacional, seria muito bom, especialmente num processo eleitoral em dois turnos, que o partido tivesse um candidato à Presidência da República em 2018. Mas numa campanha presidencial só tem sentido ter candidato próprio se tiver substância, um programa e um mínimo de estrutura. Hoje eu diria que é muito cedo para dizer que o PSB terá candidato em 2018.

Valor: Como o senhor vê a possibilidade de o governador Geraldo Alckmin se filiar ao PSB?

Rollemberg: Eu considero o Geraldo Alckmin um quadro político respeitado, um dos melhores quadros políticos do país, já testado na gestão. Eu pessoalmente veria com bons olhos.