O globo, n. 30085, 20/12/2015. País, p. 7

Novatos têm 15 minutos de fama no Conselho de Ética da Câmara

TIAGO DANTAS 

‘Baixo clero’ da Câmara ganha visibilidade no julgamento de Cunha.

-BRASÍLIA- O julgamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no Conselho de Ética da Câmara deu projeção nacional a parlamentares pouco conhecidos. Integrantes do chamado “baixo clero” tiveram seus 15 minutos de fama nos quase 30 dias que a comissão levou para admitir o processo de cassação de Cunha por quebra de decoro.

Deputados experientes evitam o Conselho de Ética, argumentando que a tarefa de acusar seus pares pode gerar incômodos. A tarefa acaba sobrando para os novatos, ansiosos por espaço na Casa.

O deputado Betinho Gomes (PSDB-PE) é um exemplo. Ao ver que a Operação Lava-Jato chegaria a políticos, pediu para entrar no colegiado pois sabia que isso lhe daria reconhecimento.

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Projeção pode ajudar em eleições municipais

 

Tucano que se posicionou contra Cunha cogita concorrer em PE.

A projeção nacional conquistada no Conselho de Ética pode influenciar as eleições municipais do ano que vem. Ao menos é o que espera o deputado Betinho Gomes (PSDB-PE), que cogita concorrer mais uma vez à prefeitura de sua cidade, Cabo de Santo Agostinho — na eleição anterior, foi derrotado.

O segredo para manter os holofotes, segundo ele, é ter posições firmes e senso de oportunidade. No fim de setembro, enquanto o PSDB ainda apoiava Eduardo Cunha, Betinho já pedia publicamente o afastamento do presidente da Câmara devido às investigações da Lava-Jato.

Em agosto, o deputado votou contra o partido sobre a redução da maioridade penal, projeto defendido por caciques tucanos como o senador Aécio Neves (MG) e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

— Meu grau de corporativismo é muito baixo. Houve cobranças do meu partido por causa dessa minha posição quanto ao Cunha. Mas com o tempo entenderam que havia um problema de credibilidade, até para que ele conduzisse o processo de impeachment.

O deputado Valmir Prascidelli (PT-SP) acredita que não dá para afirmar que a projeção conquistada no último mês no Conselho de Ética possa ajudar o candidato do partido em sua cidade, Osasco. Ele diz que não pretende se candidatar — já foi vereador e secretário —, mas fará campanha:

— Vou ajudar o candidato, como sempre costumo ajudar. Nas eleições municipais, muitas vezes o eleitor está mais preocupado na relação que tem com o candidato do que com a conjuntura nacional.

No mesmo dia em que Prascidelli e outros dois deputados do PT anunciaram que votariam pela continuidade do processo contra Cunha, o presidente da Câmara aceitou o pedido de impeachment contra Dilma.

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Para relatores, evidência no processo é delicada

 

Pinato acabou afastado, e Marcos Rogério torceu para não ser escolhido.

Nem todos os deputados que participaram do julgamento de Cunha pediram para entrar no Conselho de Ética. Em evidência no último mês, o primeiro relator do processo contra Cunha, Fausto Pinato (PRB-SP), foi indicado pelo partido. Ele acabou destituído e, após a votação, disse ter recebido ameaças veladas e propostas de propinas.

— Não é orgulho para nenhum deputado investigar o comportamento do presidente da Casa. Eu apenas cumpri o meu dever elaborando meu parecer de forma técnica e isenta, sem prejulgamento. Fui afastado de maneira arbitrária, mas a prova de que meu parecer estava correto é o fato de o Conselho ter aprovado a admissibilidade do processo — afirmou Pinato.

Dos deputados federais eleitos pelo PRB, Pinato foi o que teve a menor votação. Ele se elegeu graças ao 1,5 milhão de votos de Celso Russomanno. Em seu primeiro mandato, Pinato diz ainda não saber como seguirá sua carreira na política a partir de 2018.

Após a destituição de Pinato, quem assumiu a relatoria do caso Cunha foi Marcos Rogério (PDT-RO), que também foi indicado pelo partido para o Conselho de Ética. Em seu segundo mandato, Marcos Rogério havia sido o relator do processo que concluiu pelo afastamento de Luiz Argôlo (SDBA). Mesmo assim, torceu para não repetir a função:

— Torci para não pegar relatoria desse caso. Um processo que envolve presidente da Casa, e nesse momento político que o país vive, aumenta a complexidade. Mas fiz um trabalho técnico.

Marcos Rogério diz ter sido procurado o tempo todo por emissários de Cunha, mas nunca de forma criminosa:

— Aliados dele me sondavam, tentavam me convencer. Mas a Câmara é assim mesmo, é um lugar de pressão.