O globo, n. 30072, 07/12/2015. País, p. 3

Ofensiva em três frentes

 

SIMONE IGLESIAS, CRISTIANE JUNGBLUT GERALDA DOCA

Planalto prepara reação a pedido de impedimento de Dilma nas áreas política, jurídica e social.

“Nas circunstâncias atuais, o processo de impeachment significará um escárnio à Constituição ”
André Ramos Tavares
Professor de Direito da USP

Para enfrentar o processo de impeachment e o grupo que se articula em torno do vice-presidente Michel Temer, o governo monta uma ofensiva política, jurídica e social. No campo político, o ministro Ricardo Berzoini se reúne hoje com líderes da base aliada para formar uma tropa de choque na comissão especial. A presidente, por sua vez, recebe governadores amanhã em busca de apoio. No front legal, 30 juristas contrários ao impeachment estarão hoje com Dilma para apresentar estratégias de defesa. E no setor social, o governo conta com a militância petista. No PMDB dividido, o líder na Câmara, Leonardo Picciani, disse que indicará os nomes à comissão especial sem consultar Planalto ou a cúpula da legenda. -BRASÍLIA- Para tentar conter o avanço do impeachment da presidente Dilma Rousseff, o governo montou uma ofensiva que será deflagrada hoje em três frentes: política, jurídica e social. Logo cedo, Dilma receberá no Palácio do Planalto um batalhão de 30 juristas contrários à abertura do processo de afastamento “por falta de base legal”. O grupo, intitulado Juristas em Defesa da Democracia, entregará à presidente cópias dos trabalhos que fizeram sobre o impeachment. Todos opinam contrariamente ao processo aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por não estarem presentes os requisitos constitucionais e legais necessários para configurar um eventual crime de responsabilidade fiscal cometido por Dilma.

Do lado político, diante da operação pró-impeachment do grupo do vice presidente Michel Temer, comandado pelo ministro demissionário Eliseu Padilha, o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, reúne hoje os líderes da base aliada para fechar a tropa de choque na comissão especial da Câmara que analisará o processo. Segundo um interlocutor do Planalto, a ideia é que os partidos indiquem parlamentares afinados com Dilma para barrar o impeachment ainda na comissão. Depois de ser liberado do ministério, Padilha deve assumir extraoficialmente o espaço de Temer no comando do PMDB, já que o presidente de fato tem se afastado em função da vice-presidência da República. JURISTAS VÃO REBATER TCU Na frente social, o Planalto avalia que Cunha acatou o processo de impeachment na “melhor hora” para o governo, ou seja, logo após o PT ter anunciado que votaria contra o peemedebista no Conselho de Ética. O timing de Cunha, avaliam auxiliares palacianos, despertou a militância petista que estava adormecida pela queda de popularidade de Dilma e pelos desacertos na economia. A expectativa é de manifestações contra o impeachment.

Segundo um auxiliar de Dilma, a reunião com o grupo de juristas vai dar “impulso forte” à estratégia do governo contra o impeachment. No encontro, os juristas defenderão que a reprovação das contas presidenciais de 2014 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) não constitui crime de responsabilidade.

— A reprovação das contas presidenciais não pode ser utilizada como fundamento de eventual denúncia por crime de responsabilidade. Nas circunstâncias atuais, a abertura do processo de impeachment significará a vitória do oportunismo de plantão, um flagelo à democracia brasileira e um escárnio à Constituição — afirma André Ramos Tavares, professor de Direito da USP.

O advogado Flávio Caetano, que defende Dilma e Michel Temer em ação no Tribunal Superior Eleitoral, reforça:

— Não se pode admitir um atentado dessa gravidade à Constituição, às normas do Direito, às leis brasileiras e ao regime democrático. O posicionamento de importantes juristas do país é um grito nessa direção, só um crime de responsabilidade pode retirar um presidente do cargo, e a presidenta Dilma não tem um ato sequer que possa configurar crime de responsabilidade. Sem base legal, impeachment é golpe.

Entre os juristas que se reunirão com a presidente estão, além de Caetano e Tavares, Cláudio Pereira de Souza Neto, Dalmo Dallari, Heleno Torres, Marcelo Neves e José Geraldo de Souza Júnior.

Junto aos governadores, a ideia é aproveitar o encontro de amanhã, marcado para discutir o problema da microcefalia, para buscar apoio à presidente e neutralizar a aproximação de Temer com a oposição. A intenção é tentar uma manifestação de apoio contra o impeachment. O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), diz que pelo menos de 17 a 20 governadores devem comparecer.

— Primeiro, terá essa reunião sobre o mosquito e a microcefalia. Mas, no mesmo dia, deve ter outra com governadores da base e da oposição para discutir um manifesto contra o impeachment. Não sei se isso vai influenciar muito, governador não tem esse poder todo com deputado. O que vale é o simbolismo político — avaliou Pezão, um dos que assumiu a linha de frente em defesa de Dilma.

Ainda no campo político, a preocupação dos ministros petistas é com o “fator Temer”. O Planalto avalia que a saída de Padilha da Secretaria de Aviação Civil explicitou o afastamento do vice. PADILHA TENTA ENCONTRAR PRESIDENTE Hoje, Padilha tentará um encontro com a presidente. Ontem, ele avisou que sua demissão é irreversível, embora alguns palacianos ainda tentem revertê-la. Enquanto Padilha conversa com Dilma, Temer participará de mais um evento ao lado do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, na capital paulista. Ontem, Temer passou o dia em São Paulo, em telefonemas à cúpula do PMDB, em especial a caciques do Senado. Integrantes do comando do partido desfiam um rosário de reclamações contra o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, que estaria “queimando” os peemedebistas na tentativa de mostrar apoio a presidente Dilma.

Afinado com o Planalto, o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, acredita que a saída de Padilha do governo não significa uma guinada do partido pelo impeachment da presidente Dilma, embora o ex-ministro seja muito próximo a Temer.

— Não vejo isso como posicionamento majoritário no partido — disse Picciani, que vai integrar a comissão especial.

Já na reunião de coordenação política, Berzoini e os aliados analisarão os próximos passos do processo de impeachment e ainda a questão do recesso do Congresso. O Planalto não quer o recesso parlamentar para acelerar o processo, enquanto aliados importantes, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDBAL), preferem um recesso formal.

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‘Governo vai contar com a grande maioria do PMDB’

CATARINA ALENCASTRO

Para ministro, Michel Temer e o partido têm compromisso com a governabilidade; Planalto também quer evitar ‘guerra política’ nas ruas.

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, aposta que a grande maioria do PMDB estará com a presidente Dilma Rousseff contra a aprovação do impeachment, apesar da movimentação de setores do partido para leválo ao comando do país. Edinho também diz que ao governo não interessa que seja deflagrada uma “guerra política pelas ruas do Brasil” e que a vitória no processo trará a reconexão do governo com a sociedade.

Ontem a presidente disse acreditar que ainda é possível contar com Padilha no governo. O senhor também pensa assim?

A presidente tem enfatizado o esforço na reforma ministerial para que o ministro Padilha continuasse à frente da pasta dos Aeroportos. Ela reconhece nele toda a capacidade de gestor e características importantes para o governo. Ele é um negociador hábil, ajudou muito a presidente Dilma na construção da governabilidade até este momento. É um quadro que a presidente gostaria que estivesse com ela no governo. Ele não formalizou nenhum pedido de demissão. Portanto, é possível.

O vice Michel Temer deu sinais de que não está 100% com Dilma. O governo não teme que esse diálogo dele com a oposição já seja a montagem de um governo de transição pós-Dilma?

Toda vez que ele é chamado a ajudar, seja na construção da governabilidade ou mesmo no debate de temas importantes para o governo, ele tem sido solidário e assumido compromissos com o governo. Não tem problema algum ele dialogar com a oposição. Eu penso que é bom nós termos no governo lideranças que consigam manter diálogo com a oposição.

Com que parcela do PMDB o governo acha que vai poder contar?

Com a grande maioria do PMDB. Nós acreditamos muito na tradição do PMDB, na história do PMDB e nos compromissos do PMDB. Depois do PT, é o principal partido da coalizão que hoje governa o país; depois do PT, é o partido com o maior número de ministérios. Portanto, tem responsabilidade com a governabilidade.

Dilma tem feito um contraponto ético a Cunha. Isso será suficiente para livrá-la do impeachment?

A acusação que se faz não é de cunho pessoal, é de um suposto descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. O que nós temos afirmado é que esse pedido que foi acatado pelo presidente da Câmara não tem qualquer embasamento jurídico.

A acusação que se faz é de suposto desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal...

O que se configurou até agora é uma imensa injustiça. Fazer um questionamento a uma presidente que vem seguindo radicalmente tudo aquilo que se requer de uma governante honesta e íntegra? Questionamento de um orçamento que ainda está em execução? Eu nunca vi isso. A tradição dos tribunais de conta é averiguar as contas após a execução orçamentária. É um precedente grave, que pode caracterizar um oportunismo político e a manipulação de uma instituição que é muita respeitada. Isso não pode ser usado para colocar em xeque a honestidade de um gestor. Se essa mesma radicalidade for estendida aos governadores e aos prefeitos, teremos uma chuva de pedidos de impedimento Brasil afora.

O senhor acredita que se criará no Brasil um clima de campanha eleitoral em torno do impeachment?

Eu penso que não interessa ao governo que se abra uma guerra política pelas ruas do Brasil entre prós e contras. O governo quer trabalhar para que haja uma pacificação política. Agora, evidente que a presidente Dilma foi eleita pela maioria dos votos, ela tem respaldo político, ela tem base social organizada. Claro que, se houver uma radicalização por parte daqueles que querem interromper de uma forma golpista o mandato legítimo das urnas, haverá mobilização.

O governo está preocupado com o processo sobre as contas de campanha de Dilma, que está sendo julgado no TSE?

Preocupação zero. Fui coordenador financeiro da campanha e não há fundamento nos questionamentos que estão sendo feitos.

O governo acha que sairá vitorioso desse processo e que Dilma continuará no poder?

Nós temos convicção da nossa vitória. Entendemos que nesse episódio, no momento que a presidente Dilma é catalisadora de todo um descontentamento da sociedade, não só com seu governo, mas também com a forma de organização e representatividade da política, a vitória no Congresso pode ser o grande momento para que possamos reconectar o governo com as aspirações da sociedade.