O globo, n. 30072, 07/12/2015. Opinião, p. 16

Terapia especial

 

Os graves déficits vêm de erros sérios cometidos desde 2008, e por isso o ajuste precisa ser estrutural.

A grave crise fiscal em que se encontra o país não surgiu apenas de erros cometidos na fase final do primeiro mandato da candidata à reeleição Dilma Rousseff. Houve de fato iniciativas desastrosas, nas quais estão gravadas as impressões digitais do interesse eleitoral.

Duas delas: a medida provisória que desmontou o setor elétrico para ser feito um corte de 20% nas tarifas — mantido mesmo quando as termelétricas, de operação mais custosa, passaram a funcionar ininterruptamente devido à seca no Sudeste; e o congelamento de preços de combustíveis, outro ato populista típico.

Com a inflação já em alta, o governo conteve de forma artificial esses dois itens importantes no orçamento familiar, durante a campanha do ano passado. Em compensação, ampliou rombos no Tesouro, responsável por subsidiar a maior parte do aumento de custo das distribuidoras, a fim de evitar repasses ao consumidor; e esvaziou parte do caixa da Petrobras.

As sementes da crise, na verdade, foram lançadas em fins de 2008, no segundo governo Lula, quando ficou configurado o agravamento da crise mundial pela desestabilização do sistema americano de financiamento imobiliário.

A oportunidade foi aproveitada para Lula avalizar o aprofundamento de uma política intervencionista na economia, batizada de “novo marco macroeconômico”. O PT voltava a ser o velho PT. Na verdade, de novidade a política, na essência, nada tinha. Usar bancos públicos para subsidiar com dinheiro do contribuinte (Tesouro) crédito a empresas de setores predefinidos é um modelo já utilizado na ditadura militar, no governo Ernesto Geisel, para substituir importações de máquinas, equipamentos e insumos básicos, uma política assentada na reserva de mercado. Não deu certo. E o fracasso se repetiu com o PT.

Essa política, na versão petista, num Brasil melhor, na democracia e com mais transparência, pôde ser avaliada no seu impacto nas contas públicas. A “contabilidade criativa”, do secretário do Tesouro Arno Augustin, subestimou o déficit público, mas ele teve de vir à tona no segundo mandato de Dilma, na tentativa da presidente reeleita, ainda em curso, de evitar uma debacle.

Daí seu segundo mandato começar com um ajuste fiscal, por inevitável. A confiança de investidores e consumidores está em baixa, e isso se reflete na economia. A forma de recuperá-la é fazer esse ajuste de maneira crível. E muito precisa ser feito, pois, no momento, o déficit público está em mais de 9% do PIB, três vezes o nível considerado aceitável.

Cortes terão de ser executados, porque, com uma carga tributária nas nuvens (36% do PIB), o caminho de mais gravames não é o indicado. E mesmo os cortes de pouco adiantarão se não houver reformas estruturais, na Previdência e na desmontagem dos mecanismos de indexação de parte ponderável do Orçamento pelo salário mínimo, e também a revisão da excessiva vinculação dos recursos a gastos específicos. A situação é grave e sua superação passa por alteração de leis e da própria Constituição.

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O ajuste do ajuste

ELVINO BOHN GASS

Em lugar de elevar juros, deve-se pensar em taxar grandes fortunas e ganhos de capital.

A reeleição de Dilma foi demais para uma oposição que nunca soube fazer política longe do centro de decisão e que, historicamente, se manteve no poder à custa de baixos investimentos sociais e dinheiro distribuído a apaniguados. Em 2002, Lula rompeu esse ciclo: venceu a eleição e passou a adotar políticas públicas revolucionárias na agricultura familiar, na educação, no campo social e na área de política externa. Desde então, o Brasil projetou-se no mundo como nação que respeita seu povo. Lula superou as expectativas; com ele, o país cresceu e distribuiu renda.

Em 2008 veio a mais grave crise econômica mundial desde 1929. O Brasil resistiu bravamente, mantendo a inflação, empregos, investimentos e reservas em níveis extraordinariamente satisfatórios. Em plena crise, saiu do mapa da fome. Mas não somos uma ilha e a crise, afinal, nos atingiu. Às dificuldades econômicas juntaram-se os escândalos de corrupção que hoje vêm à tona porque há um governo que não mais engaveta malfeitos. A oposição PSDB/ DEM, derrotada nas urnas, resolveu apostar na combinação crise/corrupção. Algo como: “E se culpássemos o PT por tudo o que está acontecendo?” Havia chances de a mentira prosperar; afinal, contavam não apenas com a eterna conivência midiática, mas, também, com uma população vulnerabilizada pelas dificuldades econômicas e indignada com a roubalheira. Foi assim que a oposição passou a adotar um comportamento tão cínico que nega evidências: de que há muita gente sua metida na ladroagem e de que a crise é mundial. Chegaram a tentar justificar um impeachment com base em “pedaladas fiscais”, meros encontros de contas entre governo e bancos públicos, corriqueiros em outras gestões (de FHC, inclusive).

Dilma seguiu firme no combate à crise, com medidas que, agora, geram observações legítimas do ex-presidente Lula. Ele pondera, por exemplo, que os cortes de gastos públicos não podem colocar em risco programas sociais. Pois entendeu que isso daria razão à oposição derrotada na eleição, que dizia ser o Estado brasileiro grande demais nas mãos do PT. Para Lula, a cada sinal de austeridade ao mercado, deve corresponder um recado mais alto e claro aos trabalhadores de que seus direitos serão respeitados e os programas sociais mantidos. Não é uma equação simples quando se tem, de um lado, compromisso com o combate à inflação e ao desemprego e, de outro, os representantes do deus mercado, a oposição e a mídia a fazer pressão contrária. O alerta de Lula é de que não se deve ceder à narrativa da crise. Por isso, em lugar de elevar juros, por exemplo, deve-se pensar em taxar grandes fortunas e ganhos de capital, não de salário. Mas, note-se: Lula opina, não boicota. Sugere simplesmente um ajuste do ajuste. Quem disser o contrário desconhece a história de debates no PT. Ou pretende simplesmente enfraquecer o governo. Isso Lula não quer e não faz. Porque isso é parte do golpismo.