O globo, n. 30070, 05/12/2015. País, p. 9

O olhar de ex-petistas e ex-militantes sobre o país

 

MARIANA SANCHES

Personalidades como Frei Betto e Gabeira contam impressões sobre o processo de impeachment da presidente.

Intelectuais e personalidades que já foram ou são próximos ao PT, ouvidos pelo GLOBO, concordam que, a depender do desfecho do processo de impeachment que a presidente Dilma Rousseff enfrentará, o país tem uma chance de sair da paralisia política em que está mergulhado no segundo mandato da petista e enfrentar a grave crise econômica instalada. Há quem encare o processo até com esperança, enquanto outros revelam certo temor com o desenrolar do processo.

Todos os entrevistados condenaram as circunstâncias da abertura do impeachment, na última terça-feira, e identificam oportunismo, vingança e retaliação no ato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Discordam quanto ao mérito do pedido: há quem julgue que as pedaladas justificam o impedimento, como o ex-deputado federal Fernando Gabeira, e quem rechace a tese, como o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro. Alguns acham que o PT cavou seu próprio abismo ao fazer alianças controversas, como o historiador Daniel Aarão Reis Filho; outros veem no estelionato eleitoral de Dilma o princípio do caos; e existe também a parcela de culpa da oposição em seus argumentos, como aponta Frei Betto, ex- integrante do governo Lula.

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‘Chance de desbloqueio do país’

FERNANDO GABEIRA 

Estamos vivendo uma crise profunda política, econômica e ética, e eu incluiria outros dois aspectos, que são o ambiental e o sanitário. O impeachment da presidente Dilma é uma chance de desbloqueio do país, é uma instância legítima de debate e foi pedido por juristas cautelosos. Mas não se pode ignorar que ele foi aceito por um deputado que já deveria estar preso há algum tempo, cumprindo pena. A paralisia ainda continuará, mas há no mercado e nas pessoas esperança de que o país volte a andar. Quanto ao PT, a trajetória do partido é confusa, com envolvimento em escândalos, e vai ser difícil recuperar a confiança dos eleitores. É um processo longo de desgaste”.

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‘Na mão dos 300 picaretas’

FREI BETTO

Não acho legítimo o impeachment, porque a presidente Dilma foi legitimamente eleita. Isso é fruto de ressentimento dos derrotados e das alianças feitas pelo PT. No fim das contas, não vai haver impeachment, até porque se houver a gente já não vai mais poder contar quantas bananas cabem nesta nossa republiqueta. Mas o processo vai paralisar o Brasil, opor as pessoas em manifestações nas ruas, comprometer a economia. Estamos em meio a um processo político feito à base de retaliação e conchavos. Tudo gira em torno de manter a governabilidade com base na dependência do Congresso, e não no apoio dos movimentos sociais. Como diria o Lula, estamos na mão dos 300 picaretas do Congresso”.

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‘O sistema político faliu’

CÉSAR BENJAMIN 

O sistema político brasileiro faliu. Perdeu o contato com os problemas nacionais. O desemprego cresce. A indústria entra em colapso. A Amazônia queima. A violência se espalha. O São Francisco morre. O Aedes aegypti se multiplica. As escolas formam analfabetos funcionais. Falta água em grandes metrópoles. A economia caminha para uma depressão. Ninguém de bom senso pode ter esperanças de que nosso sistema político, tal como está constituído, possa dar conta de uma fração mínima dessas e de outras questões. Enquanto os políticos brigam em causa própria, o país está à deriva. Não ficarei surpreso se em 2016 a população voltar às ruas em uma versão brasileira do ‘que se vayan todos!’ dos argentinos”.

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‘Presidente enganou o eleitorado’

DANIEL AARÃO REIS FILHO

O impeachment é legal, embora seja um recurso crítico. Desde o começo do ano havia dezenas de pedidos de impeachment, mas Dilma protelou. Há certos momentos em que você tem que enfrentar os riscos que a luta política enseja, mas o governo teve medo e foi inconsequente ao procurar ao longo do ano, em ‘tenebrosas transações,’ como diria Chico Buarque, empurrar o embate para depois. A Dilma enganou o eleitorado de maneira atroz. O Brasil vive uma crise muito profunda que não entrou no debate nas eleições passadas. É um governo esquizofrênico porque adotou um programa com a cara da oposição sendo a presidente de um partido que em tese rejeita essa ortodoxia. Agora, quanto mais rápido isso for votado, melhor.”

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‘(Processo) é ato de retaliação’

PAULO SÉRGIO PINHEIRO

Como se deu o processo de abertura de impeachment da presidente Dilma é um flagrante desvio de poder, um ato de retaliação de alguém que não tem condições morais de fazer o que fez. O presidente da Câmara usou seus poderes em benefício próprio. Adoraria entrar com uma ação contra ele. A intenção de Cunha é ilegal, mas não oé o processo de impeachment. Não vejo mácula à democracia. Tenho dúvidas seríssimas sobre o embasamento legal do impedimento já que nada está claro, não existe um crime frontal, o que há são interpretações bizarras sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal envolvendo as tais pedaladas. Não tenho bola de cristal, mas acredito que a presidente Dilma sairá fortalecida.”