O globo, n. 30068, 03/12/2015. Economia, p. 25

Aval para mais um déficit

 

CRISTIANE JUNGBLUT, MARTHA BECK E GERALDA DOCA

Congresso aprova meta fiscal de 2015, e governo sai da paralisia forçada da máquina pública.

-BRASÍLIA- O Congresso aprovou ontem a nova meta fiscal de 2015, que autoriza o governo a fechar as contas deste ano com um déficit de até R$ 119,9 bilhões, decisão considerada crucial para destravar a máquina pública. O presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), usou pulso de ferro para concluir a votação, mesmo depois de a sessão ser tumultuada pela oposição, diante da decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de aceitar pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Agora, o projeto vai à sanção da presidente, e o governo já tem pronto um decreto que libera as verbas do Orçamento para despesas de custeio, que estão bloqueadas desde terça-feira.

A nova meta foi aprovada na Câmara por 314 votos a favor e 99 contra, depois de sete horas de discussão. No Senado, o placar foi 46 votos a favor e 16 contra. O quórum mínimo para a votação é de 257 deputados e de 41 senadores presentes. Os partidos de oposição primeiro tentaram obstruir a sessão, apresentando vários requerimentos para evitar a votação, e depois votaram contra o projeto.

EMENDAS FORAM REJEITADAS A sessão do Congresso, onde as duas Casas se reúnem conjuntamente, começou às 12h50m e, assim que proclamou o resultado, Renan encerrou a sessão. Foram rejeitados os dois destaques da oposição que pretendiam retirar dos R$ 119,9 bilhões a parcela de R$ 57,013 bilhões das chamadas “pedaladas” fiscais. Segundo parlamentares, Renan ficou tenso quando foi informado da decisão do presidente da Câmara de aceitar o pedido de impeachment de Dilma, mas não fez comentários e continuou com a sessão.

O governo comemorou a aprovação da meta. Pelo Twitter, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, agradeceu ao Congresso e, especialmente, a Renan Calheiros, pelo empenho na condução da votação. O ministro destacou que a medida foi importante, porque ajustou a política fiscal às condições econômicas atuais.

— Apesar do controle de despesas implementado no início do ano, houve queda do nível de atividade. A queda do nível de atividade gerou queda de arrecadação. Infelizmente, isso tornou inviável o nível da meta inicialmente estabelecida pelo governo. Essa mudança de meta é importante porque permite a adoção da execução da política fiscal correta para as condições da economia — afirmou.

Barbosa e Joaquim Levy (Fazenda) estiveram no Congresso pouco antes da votação. Ao longo do dia, os ministros procuraram líderes para falar sobre a importância da aprovação da meta. Até o último momento antes do início da votação em plenário, o governo tinha dúvidas sobre o resultado.

O ministro do Planejamento confirmou que, assim que a lei for sancionada, o governo vai publicar um decreto que desbloqueia os recursos retidos para, com isso, evitar prejuízos aos serviços públicos.

— Não haverá riscos para a liberação de serviços. Poderemos continuar com gastos discricionários pré-programados.

‘DÉFICIT NÃO É ESCOLHA’, DIZ RELATOR Pela proposta aprovada, o déficit do setor público consolidado (União, estados e municípios) poderá ser de até R$ 116,96 bilhões (2,03% do PIB), um pouco menor do que a meta, porque há a previsão de um esforço positivo de estados e municípios no valor de R$ 2,9 bilhões. O relator da meta fiscal, deputado Hugo Leal (Pros-RJ), comemorou a aprovação do seu parecer.

— Ter um déficit não é uma opção, não é uma escolha, é uma consequência do que aconteceu ao longo do ano. Aprovamos a realidade, sem maquiagem. Sem a aprovação do parecer, isso poderia agravar a situação do governo — afirmou Leal.

O governo precisava mudar a meta fiscal de 2015 para não ser acusado de descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A meta prevista na LRF aprovada até então era de um superávit de R$ 66,3 bilhões este ano.

Na prática, a proposta aprovada cria uma “meta móvel”. A meta da União inicial será de um déficit de R$ 51,08 bilhões (0,9% do PIB), que poderá chegar a R$ 119,9 bilhões, caso haja frustração de receitas que viriam de leilões do setor energético — no valor de R$ 11,05 bilhões, que já ficaram para 2016 — e caso haja o pagamento das “pedaladas” fiscais (atrasos nos repasses a bancos públicos).

A votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016 (LDO) ficou para a próxima semana. Há uma divisão no governo sobre a meta fiscal que constará na LDO: se a de 0,7% já prevista, ou a meta zero defendida por aliados e integrantes da equipe econômica.