O globo, n. 30067, 02/12/2015. País, p. 3

Em linha direta

 

MAIÁ MENEZES 

Por e-mail, direção do BTG orientou Cunha a alterar MP que trata de tributação no exterior.

Eduardo Cunha (PMDB-RJ) Presidente da Câmara, em nota “Todas as sugestões foram repassadas e discutidas com o Ministério da Fazenda, inclusive, também, por meio da troca de e-mails”

Troca de e-mails entre diretores do BTG Pactual e Eduardo Cunha (PMDB) revela que o banco orientou o deputado a alterar em 2014 trechos de medida provisória sobre tributação de empresas no exterior, revela MAIÁ MENEZES. Não é possível dizer se os pedidos foram atendidos. Cunha confirmou os diálogos e que conversou com outras empresas. O BTG não comentou. O Conselho de Ética adiou para hoje decisão sobre ação contra Cunha. O banco BTG Pactual orientou o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) a alterar trechos de uma medida provisória de seu interesse, a MP 627, que regulou a tributação de empresas no exterior. Relator do texto, que se tornou lei em 2014, o parlamentar, antes de ser eleito presidente da Câmara dos Deputados, usou o e-mail cosentinocunha@uol.com.br para mostrar a minuta da medida prometida à diretoria do banco e recebeu de volta orientações em tom taxativo sobre mudanças que a instituição financeira gostaria que fossem feitas.

Parte desta troca de e-mails foi obtida pelo GLOBO. A documentação revela que o banco tinha uma linha direta com Cunha para tentar reescrever a medida provisória, mas não é possível afirmar que os pedidos foram atendidos. Cunha confirmou os diálogos e disse que conversou com outras empresas. O BTG Pactual não comentou as mensagens.

Uma das mensagem foi enviada por Cunha a um diretor do banco de investimento no dia 17 de fevereiro, às 7h47 da manhã. A resposta foi dada ao parlamentar no dia seguinte. As mensagens são parte de uma série de e-mails trocados por ambos os lados para tratar de MPs, segundo fontes do GLOBO.

Eduardo Cunha será alvo de inquérito para investigar o suposto recebimento de propina em troca de emendas a outra MP, a 608. Segundo anotação apreendida pela PF na casa de um assessor do senador Delcídio Amaral (PT-MS), Cunha recebeu R$ 45 milhões para alterar a lei e permitir que o BTG utilizasse créditos tributários da massa falida do Bamerindus, comprado pelo banco de investimento. A redação final da MP, porém, não beneficiou o BTG. Cunha negou “veementemente” atuação para beneficiar o banco e disse acreditar em “armação” contra ele.

O ex-presidente do banco André Esteves foi preso na semana passada pela Operação Lava-Jato, junto com Delcídio, acusado de tentar obstruir as investigações.

Tema da troca de e-mails entre Cunha e a direção do BTG Pactual, a MP 627 interessa a bancos que tenham negócios no exterior. Entre os investimentos do BTG fora do país está a Petroáfrica, empresa de petróleo e gás na qual é sócia da Petrobras desde junho de 2013, quando comprou 50% das operações da Petrobras Oil & Gas no continente. O negócio teve valor de R$ 1,5 bilhão.

A troca de mensagens sobre a MP 627 aconteceu nos meses de dezembro de 2013 e janeiro e fevereiro de 2014. A medida provisória já é alvo da Operação Zelotes, por suspeita de ter sido encomendada por um esquema de lobby contratado por empresas do setor automotivo. Foi Cunha o responsável por incluir na MP a regra que favoreceu montadoras de veículos.

O projeto original, vindo do Palácio do Planalto, recebeu 516 emendas, das quais 76 foram aprovadas. Uma delas foi bem recebida no setor bancário: a que resultou no artigo 109 da lei 12.973 (antiga MP 627). O artigo eliminou os limites para a utilização de créditos tributários com o governo por bancos em liquidação. A assessoria do BTG afirmou, por email, que o banco não foi beneficiado pela inclusão do artigo na medida provisória.

Os e-mails são detalhados. E as orientações, precisas. Um exemplo: “Art. 24, I: substituir dependência por controle, para diminuir amplitude”, diz a Cunha um diretor do BTG. Também pedem dedução de créditos de imposto pagos no exterior.

O e-mail usado por Cunha na troca de mensagens é relacionado a domínios de websites religiosos, todos de propriedade do presidente da Câmara. O endereço eletrônico também está vinculado a um escritório do deputado no Centro do Rio. E aparece em inquérito da Lava-Jato, que o identifica em conversas com o senador Edison Lobão (PMDB-MA), também investigado.

Por reduzir o pagamento de passivos ao governo e alterar a tributação de empresas que atuam no exterior, a MP 627 atraiu o interesse de vários escritórios de advocacia do país e grupos de interesse econômico.

Nos e-mails obtidos pelo GLOBO, o banco manifestava interesse também na edição de outras medidas provisórias, como a 668, que modificava a tributação de PIS e Cofins sobre produtos importados, relatada pelo deputado federal Manoel Junior (PMDB-PB). DEPUTADO CONFIRMA TROCA DE E-MAILS Em nota, a assessoria de Cunha confirmou a troca de e-mails com a direção do BTG Pactual. A nota diz que, na condição de relator de uma medida provisória complexa, Cunha conversou amplamente com associações do setor e recebeu diversas sugestões.

“Cumprindo sua missão de relator da MP 627/2013, que tratava da legislação de lucros no exterior, o presidente Eduardo Cunha conversou amplamente com várias associações e instituições do setor. Ele recebeu centenas de sugestões de instituições bancárias e empresas que atuam no exterior. Essas contribuições chegaram de diversas formas: por escrito, por e-mail, na forma de emendas parlamentares, entre outras. Foram 516 emendas apresentadas na comissão especial. Algumas dessas propostas foram acolhidas, outras não.” A assessoria do parlamentar afirma ainda que todas as propostas da medida provisória foram discutidas com o governo:

“Todas as sugestões apresentadas sempre foram repassadas e discutidas com o Ministério da Fazenda, inclusive, também, por meio da troca de e-mails. O Ministério deu aval ao texto final que foi votado e sancionado. O processo de relatoria foi complexo, exigiu um debate profundo, e o presidente Eduardo Cunha possui vários registros dessa correspondência”, diz a nota enviada pelo deputado.

   Cunha também é alvo de inquérito da LavaJato por supostamente ter extorquido uma empreiteira com contratos com a Petrobras e por manter recursos não declarados na Suíça. Em quatro contas, ele movimentou cerca de R$ 10 milhões. O parlamentar atribuiu as denúncias contra ele ao governo Dilma Rousseff, com quem rompeu. As acusações azedaram o ambiente no Congresso e travaram a votação de projetos de interesse do Planalto, como os relacionados ao ajuste fiscal. As novas acusações, relacionadas à MP 627, podem ter influência na análise da abertura de seu processo de cassação, no Conselho de Ética.

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MP é suspeita de ter sido usada para favorecer montadoras

 

Texto modificado na Câmara por Eduardo Cunha beneficiou montadoras; Justiça Federal determinou o envio de documentos por autoridades.

Orelator da medida provisória 627, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje presidente da Câmara, incluiu benefícios fiscais que favoreceram montadoras de veículos na lei, editada pelo governo em 2013 e aprovada no Congresso em 2014, após as alterações. A aprovação da MP é alvo do Ministério Público Federal (MPF), que investiga se ela teria sido encomendada por um esquema de lobby financiado por empresas do setor automobilístico. Em outubro, a Justiça Federal determinou que Cunha enviasse os documentos da tramitação da MP.

Inicialmente, quando foi enviada pelo governo ao Congresso, a medida provisória tratava essencialmente de lucros obtidos por multinacionais brasileiras no exterior e a sua tributação, mas foi transformada, ao ser analisada pelos parlamentares. Cunha afirmou ao “Estado de S. Paulo” ter “quase certeza” de que a inclusão do benefício foi um pedido do senador Gim Argello (PTB-DF). Argello disse que não se lembrava do pedido.

A mudança na MP foi aprovada na Câmara e seguiu para o Senado. Lá, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) avisou que o Palácio do Planalto vetaria a concessão de benefícios às montadoras. A manifestação de Jucá ocorreu quando foi questionado pela oposição sobre a grande quantidade de “jabutis” — temas inseridos em projetos, sem relação com eles — aprovados no texto. Apesar de Jucá, à época mais próximo ao Planalto, ter feito feito a promessa de veto no plenário, a presidente Dilma sancionou o benefício às montadoras.

Além de Cunha, Dilma e o presidente do Senado, Renan Calheiros, foram obrigados a enviar documentos referentes à tramitação da medida provisória, inclusive agendas de reuniões feitas sobre o tema.

A MP 627 prorrogou a política de desconto de IPI de 2016 a 2020 em fábricas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A medida beneficiou montadoras que atuam na região. Elas já tinham conseguido a prorrogação dos mesmos incentivos de 2011 a 2015 com a aprovação da MP 471, que também é investigada por suspeita de ter sido alterada em circunstâncias suspeitas.

Na Câmara, a MP 627 recebeu 516 sugestões de mudança durante a tramitação. Dessas, 76 foram aprovadas, entre elas as que beneficiaram o setor automobilístico.

A suposta compra de MPs é investigada no âmbito da Operação Zelotes, originalmente aberta para apurar fraudes no Conselho Administrativo da Receita Federal (Carf ), que julga recursos de contribuintes. Até agora, foram denunciadas 16 pessoas, entre empresários, lobistas, advogados e funcionários ligados ao governo e ao Congresso. Se a Justiça acolher o pedidos, elas responderão a processo criminal.