O globo, n. 30067, 02/12/2015. País, p. 4

MP 608 não favoreceu BTG na compra do banco Bamerindus

 
GABRIELA VALENTE E JOÃO SORIMA NETO

Anotação diz que Cunha recebeu propina do banco para alterar medida.

A 608 aprovada permitiu que bancos continuassem a usar o crédito tributário em seus balanços, se estivessem dando lucro

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- A Medida Provisória 608, editada pelo governo em 2013, está sob os holofotes do Ministério Público e da Polícia Federal. Os investigadores encontraram um bilhete na casa de Diogo Fernandes, chefe de gabinete do senador Delcídio Amaral (PTMS), no qual está escrito que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, teria recebido do BTG Pactual R$ 45 milhões para, supostamente, atender interesses do banco na tramitação da MP. A medida foi proposta pelo governo com o objetivo de evitar que as instituições financeiras reduzissem a oferta de crédito para se adaptar a regras internacionais.

Fontes ouvidas pelo GLOBO dizem, porém, que a redação final aprovada não teve efeito sobre a compra do Bamerindus pelo BTG, então presidido por André Esteves, preso na Lava-Jato. Um ex-presidente do Banco Central avalia que é difícil recompor o “jogo” e as vantagens que possam estar por trás da MP 608, que tentava corrigir distorções em relação ao uso do crédito tributário pelos bancos brasileiros.

A MP 608 permitiu que os bancos continuassem a usar o crédito tributário em seus balanços, se estivessem dando lucro. Com isso não teriam que fazer capitalização para se adaptar às regras de Basileia 3. Para os bancos liquidados, o crédito ficou disponível apenas para casos registrados após 1º de janeiro de 2014. Neste caso, o Bamerindus, adquirido pelo BTG, não seria beneficiado pela medida, já que foi liquidado antes desta data.

Para o tributarista Ives Gandra, a proposta da MP é tecnicamente correta:

— Pelo ponto de vista técnico, não há o que criticar. Tecnicamente, deram um benefício para atrair os investidores.

Permitir que bancos usem os créditos tributários é considerado fundamental para estimular essas aquisições, diz o especialista em instituições financeiras e consultor Carlos Coradi:

— O BTG não está comprando o banco falido, e, sim, os ativos que estão com o FGC (Fundo Garantidor de Crédito), os créditos. E aí, fazendo o banco “novo” dar lucro, pode aproveitar o crédito fiscal para abater o imposto dos novos lucros.

Para o consultor especialista em bancos João Augusto Sales, da consultoria Lopes Filho, a aprovação de MPs que trazem benefícios tributários interessavam não só ao BTG, mas a todos os bancos. Na prática, as instituições usam os créditos tributários para pagar menos Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que somadas chegam à alíquota de 45%.

Uma fonte diz, porém, que é difícil saber se houve negociações suspeitas durante a tramitação da MP.

— É difícil saber o interesse que havia por trás. Em sua defesa Cunha disse que a MP não beneficiava o BTG. Mas quem garante que não estava se impondo dificuldades para depois cobrar por benefícios? — diz a fonte.

A fonte diz ainda que o crédito tributário interessa muito aos bancos, e muitas fusões e aquisições importantes são feitas para aproveitar esse crédito.

Chefe de gabinete de Delcídio, Diogo Ferreira admitiu a pessoas próximas ser o autor do manuscrito que lista três habeas corpus de interesse do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Diogo disse que as anotações foram feitas a pedido do senador. Ele tem afirmado desconhecer a origem do texto registrado no outro lado do papel — este seria digitado, e não escrito à mão — que aponta uma suposta transação financeira entre o BTG e Cunha.

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Crédito tributário reduz IR

 

No Brasil, Receita cobra imposto sobre lucro total dos bancos.

Quando um banco sofre com atraso nos pagamentos de dívidas, ele é obrigado a provisionar recursos para esse crédito de recebimento duvidoso. Ou seja, precisa reservar parte do lucro que obtém em outras operações para cobrir esse possível calote no futuro. Porém, no Brasil, a Receita Federal cobra imposto de renda sobre o lucro total dos bancos, inclusive sobre a parcela que é reservada para cobrir eventuais calotes.

O banco precisa ir à Justiça cobrar o devedor, e, apenas após dois anos, caso comprove que fez de tudo para reaver os valores do cliente inadimplente, a instituição consegue a devolução do imposto que incidiu sobre a reserva para calote.

Mas essa devolução ocorre por meio de um crédito tributário. Ou seja, para usar esse crédito tributário, é preciso que o banco obtenha lucro no futuro — a cobrança de imposto sobre o lucro será então reduzida com o crédito tributário.

Após a crise global de 2008, houve uma mudança nas diretrizes globais para regulamentação bancária, conhecidas como Acordos de Basileia III. E um dos pontos que Basileia III aprimorou foi justamente a utilização de créditos tributários por instituições financeiras.

No exterior, muitos bancos foram à bancarrota após a crise global e não puderam utilizar os créditos tributários justamente quando mais precisavam de caixa — uma instituição financeira em prejuízo não tem imposto a abater por meio de créditos tributários.

Para se adequar a Basileia III, o governo baixou a Medida Provisória 608, que permitiu que os créditos tributários fossem utilizados mesmo em caso de falência ou liquidação do banco. Os valores do crédito são revertidos para a massa falida da instituição financeira.

Porém, pela MP 608, no caso dos bancos sob liquidação, o crédito só ficou disponível para os casos ocorridos após 1º de janeiro de 2014. As regras não foram estendidas para bancos que foram à falência antes dessa data. O Bamerindus, adquirido pelo BTG Pactual, sofreu intervenção e foi liquidado antes de 2014.