O globo, n. 30067, 02/12/2015. Economia, p. 23

Depressão à espreita

 

LUCIANNE CARNEIRO, CÁSSIA ALMEIDA, DAIANE COSTA, LUCAS MORETZSOHN E ANA PAULA MACHADO

PIB cai além do esperado e analistas já veem quadro pior do que recessão.

O PIB caiu 4,5% no terceiro trimestre, em relação ao mesmo período de 2014, o pior resultado da série do IBGE, iniciada em 1996. Investimentos e consumo das famílias tiveram queda recorde. E a indústria de transformação não amargava resultado tão ruim desde a crise global, em 2009. Muitos analistas já veem a economia em depressão, que é uma recessão mais profunda e duradoura. A atual recessão, iniciada em 2014, poderá durar 11 trimestres e representar, no período, um tombo de 8,1% do PIB, segundo a FGV. Caso confirmada, será a pior crise em 35 anos. PÁGINAS 23 a 28 e editorial “Ajuste não decola, e PIB continua a desacelerar” -RIO E SÃO PAULO- A recessão da economia brasileira se aprofundou mais do que o esperado no terceiro trimestre, e a atividade econômica retrocedeu ao patamar do início de 2011. No terceiro trimestre seguido de queda e sexto sem crescimento, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 1,7% no terceiro trimestre deste ano em relação ao segundo, o pior terceiro trimestre da série histórica do IBGE, iniciada em 1996. Na comparação com igual período do ano passado, o tombo foi ainda mais forte, 4,5%. A crise ganha contornos semelhantes aos daqueles dos anos 80 e já há economistas dizendo que o país vive uma depressão, situação mais grave e difícil de ser revertida do que uma recessão.

O desempenho da economia entre julho e setembro foi marcado por recordes negativos. A queda acumulada em quatro trimestres chegou a 2,5% e, nos nove primeiros meses do ano, a perda foi de 3,2%, frente a igual período de 2014: são as piores taxas registradas em quase 20 anos, desde o início da série do IBGE. Os números vieram mais negativos do que o mercado esperava e provocaram piora nas projeções para desempenho da economia neste ano e no próximo. O IBGE divulgou ainda uma revisão dos dados do PIB de trimestres anteriores, que mostraram que a recessão era pior do que se imaginava.

Os dados revelam queda generalizada entre os diferentes setores da economia. O consumo das famílias, que até o ano passado puxava o PIB, caiu pelo terceiro trimestre seguido. O recuo de 4,5%, frente a igual trimestre de 2014, também é o maior em quase 20 anos, e reflete a piora no mercado de trabalho, queda na renda, inflação e perda de confiança na economia. CRESCIMENTO SÓ EM 2017 Já os investimentos recuam há mais de dois anos, ou nove trimestres. Frente ao terceiro trimestre de 2014, o tombo é de 15%: o maior desde 1996. A falta de confiança na economia, os cortes de investimentos públicos, a crise política e os efeitos da operação Lava-Jato no setor de construção se refletem nesses números.

— É difícil imaginar uma situação histórica semelhante ao desempenho corrente da economia brasileira, mas o que mais preocupa é a expectativa. O que atrapalha investimentos e consumo não parece ter saído da frente. É difícil falar em qual trimestre se espera alguma recuperação, mas a tendência é da economia se estabilizar apenas em 2017. Seria algo perto de zero, mais um nadinha ou menos um nadinha — afirma o professor da USP e economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Gonçalves.

A retração fez o país perder mais de quatro anos. A economia está produzindo o mesmo que no início de 2011, quando começou o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, e o país cresceu 3,9%:

— A expansão daquele ano foi em boa parte explicada pelo impulso do ano anterior, quando o PIB avançara 7,5% — explica o economista-chefe da Tullett Prebon Brasil S/A, Fernando Montero.

Segundo ele, como PIB deve continuar em queda, o retrocesso pode fazer a economia voltar ao patamar do segundo mandato do presidente Lula. Para o economista Paulo Picchetti, do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da Fundação Getulio Vargas (FGV), o país está repetindo a década perdida de 1980:

— Apesar de não estarmos vivendo descontrole inflacionário, o ambiente de incerteza começa a ficar comparável com aquela época. É a década perdida de novo.

Para o diretor do Goldman Sachs Alberto Ramos, a situação já é de depressão:

— Uma depressão é uma recessão profunda e prolongada, que dura pelo menos dois anos ou mais. Observamos esses dois quesitos: um ano de estagnação vai para uma contração do PIB bastante severa e ainda há a própria herança estatística (carry over) de 2015 para 2016.

Cálculo da economista Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro Ibre/FGV, mostra que o chamado carry over (efeito estatístico que faz o desempenho da economia em um ano ser transferido para o seguinte) de 2015 para 2016 será de -1,9%, estimando recuo de 0,7% no quarto trimestre. Pelos cálculos de especialistas, já está contratada uma recessão de 3,5% este ano, mesmo que no quarto trimestre a economia fique estagnada.

A indústria sentiu com força o impacto das incertezas. Encolheu 6,7% no terceiro trimestre, em relação a igual período de 2014, a maior queda desde os 8% do segundo trimestre de 2009, na crise financeira global. Quem mais sofreu foi a indústria de transformação, com retração de 11,3%.

Produtora de bombas hidráulicas, a Asvac resume a condição de boa parte das indústrias, às voltas com forte queda de faturamento, demissões e corte de investimentos. O presidente da companhia, Cesar Prata, contabiliza perda de 60% nas receitas. Sem vender, teve de reduzir o quadro de empregados de 50 para apenas 14.

— É uma época bem difícil para a indústria de transformação — lamenta o executivo, que adiou planos de expandir a capacidade de produção da fábrica. RETRAÇÃO NO ANO PODE CHEGAR A 4% A recessão é mais profunda do que o PIB mostra. Quando é excluída a parte da produção que exportamos, a chamada contribuição externa, a economia doméstica encolheu 7,4% no terceiro trimestre em relação a igual período de 2014. No resultado do ano, a queda de 3,2% sobe a 5,4%.

— Não há recuo igual pelo menos nos últimos 20 anos. Geramos um excedente de produção que exportamos e não consumimos — afirma Fernando Montero.

Se o ano de 2015 já é visto como perdido para a economia — com recessão de quase 4%, segundo as estimativas de mercado —, as previsões para 2016 também se deterioraram e muitos afirmam que não é possível escapar de nova retração.

Ontem, diante do resultado do PIB, muitos bancos e consultorias pioraram suas previsões. O Banco Fator já prevê um recuo de 3,5% do PIB em 2016, enquanto o Banco Fibra prevê retração de 3,1%. Tendências Consultoria e Ibre/ FGV estimam uma perda de 3%, enquanto a LCA Consultores colocou sua projeção de queda de 1,7% em revisão.

— Uma queda de quase 4% do PIB em 2015 é assustadora. Esta é uma recessão extremamente forte, profunda e longa. Teremos no mínimo onze trimestres de recessão, que foi o mesmo período da recessão de 1989 a 1992. E ainda não há nada claro sobre uma possível saída dessa recessão — diz Silvia Matos.

Ela estima que, entre o segundo trimestre de 2014 e o último de 2016, a perda da economia vai chegar a 8,1%. Entre o terceiro trimestre de 1989 e o primeiro trimestre de 1992, o PIB acumulou queda de 7,7%. Se a projeção for confirmada, será a pior crise do país desde a moratória da dívida, em 1982, quando a economia encolheu 8,5% em três anos.

Economista-chefe da LCA Consultores, Braulio Borges não acredita num cenário de depressão, mas admite que a recessão atual já ultrapassou o que chama de recessão típica no país, com duração média de quatro trimestres. Mais otimista que outros analistas, ele afirma que o terceiro trimestre parece ter sido o fundo do poço.

— A chance de o PIB parar de cair no quarto trimestre é grande. Acho que o resultado pode ficar entre zero e 0,5% de alta, já que os indicadores de confiança dos últimos meses já mostram uma certa estagnação, ou seja, pararam de piorar.

Mas há quem acredite que o cenário pode se agravar. Paulo Gomes, economista da Azimut Brasil Wealth Management, diz que a queda do PIB pode piorar a perspectiva do grau de investimento do país, que já foi reduzido por uma agência este ano.

— Quando as agências analisam a capacidade de o país ter mais ou menos solvência, elas olham a dívida/PIB e o resultado fiscal. Quanto menor o PIB, maior esse déficit — avalia.

____________________________________________________________________________________________________________________________________

‘O PIB ESTÁ DOENTE. ESTAMOS NESSE AMBIENTE DESORGANIZADO’

Daiane Costa

“O PIB está doente. Se você olhar trimestre contra trimestre do ano anterior, do fim de 2014 para frente é um movimento de aceleração da queda. Há um aspecto a se destacar que é a queda na indústria, que teve um peso muito grande na queda do PIB. O que é muito grave, porque acentua uma tendência que já vinha ocorrendo mesmo nos anos em que a economia estava crescendo. A indústria já estava perdendo a força. Sem nenhuma arrogância nem pretensão de ter antecipado corretamente, uma pessoa de bom senso, olhando para o desempenho da economia no fim do ano passado, tomando conhecimento do tal do ajuste, saberia que ia acontecer o que aconteceu. Até o meu cachorro teria antecipado isso. Tem gente que diz que é um mal necessário. Fala isso porque não é ele que vai perder o emprego.

Há tempos estamos caminhando para essa depressão. A recessão é uma flutuação da economia, que tratada corretamente tem tendência a se recuperar. Agora a depressão entra num terreno em que você desorganiza as relações econômicas: o emprego, o crédito, o balanço dos bancos, das empresas. Estamos nesse ambiente desorganizado e com risco. O grave numa depressão é quando atinge a infraestrutura monetária e financeira, ou seja, os bancos. O crédito já foi. E os bancos é o temor que tenho. A reversão está cada vez mais complicada."

____________________________________________________________________________________________________________________________________

‘LEMBRA A DÉCADA DE 1980. AINDA NÃO PARAMOS DE PIORAR’

Cássia Almeida

“O Brasil está vivendo um momento muito diferente dos anos 1930, quando o mundo conheceu a Grande Depressão. Não existe uma definição formal para depressão. Não faz muito sentido ter essa discussão. Mas o momento é bem diferente daquele dos anos 1930. Em termos de fundamentos econômicos, lembra a década de 1980, pela incerteza e falta de clareza do que o futuro reserva. Está difícil enxergar muito longe. Talvez tenhamos alguma recuperação em 2017. Não estamos conseguindo enxergar o caminho da recuperação. Ainda não paramos de piorar, e as previsões mais pessimistas foram concretizadas. A revisão dos números passados pelo IBGE mostrou que a recessão é maior do que imaginávamos.

A gênese da atual crise remonta os anos 2008 e 2009, na crise financeira global. Os estímulos para voltar a crescer de “forma artificial” provocaram desequilíbrios, comprometendo o desempenho a longo prazo da economia. Os estímulos jogaram para cima do mercado interno a expansão da economia e estamos pagando um preço altíssimo por isso. Além disso, os entraves criados para a participação nas licitações e a Operação Lava-Jato pioraram o ambiente de negócios e comprometeram os investimentos”