O globo, n. 30067, 02/12/2015. Economia, p. 24

Indefinição política derruba investimento

 
CÁSSIA ALMEIDA, DAIANE COSTA, LUCAS MORETZSOHN E LUCIANNE CARNEIRO 

Queda de 15% é a maior desde 1996. Lava-Jato influencia.

Uma das principais contribuições para a queda de 4,5% do Produto Interno Bruto, pelo lado da despesa no terceiro trimestre deste ano, foi a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), indicador do nível de investimento no país. A taxa despencou 15% entre julho e setembro, frente a igual período do ano anterior. Foi a maior retração da série histórica iniciada em 1996. O recuo é explicado pelo desempenho negativo das importações, da produção de bens de capital e da construção civil. Na comparação com o segundo trimestre, os investimentos caíram 4,0%, pela nona vez consecutiva.

A queda acentuada indica que os níveis de confiança dos empresários no país estão baixos e que há pouco incentivo para aplicação de capital. Para Paulo Gomes, economista da Azimut Brasil Wealth Management, quase todos os fatores estão inibindo os investimentos no país: inflação alta, taxa de juros elevada e crédito escasso. Ele afirma que os investidores estão em compasso de espera, porque não veem crescimento da demanda. Além disso, ele afirma que há uma indefinição tanto no cenário macroeconômico, como o ciclo de aumento de juros de acordo com a demanda, quanto político.

— Quando você tem esse cenário nebuloso, você prefere não arriscar. Você tem que ir freando para não correr riscos. O investimento é como se fosse uma prévia do PIB de amanhã. Se não investimos hoje, não vamos ter PIB amanhã. Então, está diminuindo a capacidade produtiva brasileira. É preocupante — afirma. — É preciso uma política fiscal mais previsível, que traga mais estabilidade das contas públicas e que gere uma demanda de investimentos. MENOS CRESCIMENTO De acordo com Alberto Ramos, do banco Goldman Sachs, a contração do investimento “mina os alicerces do crescimento". Com isso, ele sustenta que a retomada pode ser muito lenta e débil.

— O que é extraordinário é que o setor privado está fazendo um ajuste brutal, e o gasto público cresceu nos dois últimos trimestres. O ajuste fiscal não está se materializando. O pouco que foi feito até hoje foi de péssima qualidade. É um arrocho no investimento público e um aumento na carga tributária. É um corte no investimento, e não no gasto corrente — ressalta.

A taxa de investimento no terceiro trimestre de 2015 foi de 18,1% do PIB, inferior à do mesmo período de 2014 (20,2%) e a menor para um terceiro trimestre desde 2007, quando foi de 18,8%. Na comparação com o trimestre anterior, o investimento já cai há nove trimestres seguidos.

Rafael Bacciotti, da Tendências Consultoria, explica que o cenário no país é afetado pela operação Lava-Jato, tendo em vista que há uma piora para investimentos produtivos, já que as maiores empreiteiras estão ligadas ao escândalo de corrupção. De acordo com Gomes, hoje, só não entra mais capital externo ao Brasil, dado que a situação cambial é vantajosa para investidores estrangeiros, porque o Brasil já perdeu o grau de investimento em uma das agências de classificação de risco, a Standard & Poor’s. Isso, diz o especialista, acaba por criar um ambiente de mais incertezas para os investidores e, assim, dificultar a atração de mais recursos para o país.

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Desempenho brasileiro só não foi pior do que o da Ucrânia

RONALDO D’ERCOLE

Num ranking de 42 países, PIB nacional ocupou a penúltima posição no 3º trimestre.

-SÃO PAULO- A forte queda do Produto Interno Bruto (PIB), de 4,5%, no terceiro trimestre em relação a igual período de 2014, manteve o Brasil na rabeira de um ranking de 42 países elaborado pela consultoria Austin Rating. Na 41ª posição da lista, a economia brasileira só não teve desempenho pior que o da Ucrânia, cuja guerra civil fez o seu PIB encolher 7% no trimestre passado. Até a Rússia, que além de crise econômica enfrenta embargos comerciais de países da Europa central e dos Estados Unidos, passou o Brasil. Com queda de 4,1% do PIB, ficou em 40º lugar.

— Nos resultados do acumulado do ano até o terceiro trimestre, o principal destaque negativo, mais uma vez, ficou por conta dos investimentos, que caíram 12,7%, refletindo o ambiente político extremamente conturbado e que afeta diretamente a contínua perda de confiança na economia — observa Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating e responsável pela elaboração do ranking, citando ainda o fato de que o consumo das famílias, que representa quase dois terços do PIB e que foi o pilar do crescimento recente do país, já cai 3,0% este ano.

Com exceção da Rússia, o Brasil se distanciou bastante de seus parceiros no chamado Brics. A Índia ocupa no topo do ranking dos países que mais crescem, com alta de 7,4% no PIB do trimestre passado, à frente da China, que, mesmo em meio à desaceleração doméstica, está em segundo, com 6,9%. Entre os latino-americanos, o Peru ficou na 12ª posição, com expansão de 2,9%. O México é o 14º, com 2,6%, e o Chile, com avanço de 2,2% no PIB, é o 22º.

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‘Nenhuma perspectiva até onde a vista alcança’

 

JOÃO SORIMA NETO

Ex-presidente do Banco Central afirma que o país enfrenta uma recessão ‘prolongada e profunda’.

Qual a sua avaliação sobre o resultado do PIB?

Foi pior do que o esperado. Esperava-se uma queda de “um e pouco” e foi uma queda de “um e muito”.

Em relatório, o banco Goldman Sachs diz que o país passou de uma recessão profunda para uma depressão. Exagero?

Eu, francamente, não sei bem qual é a diferença entre recessão e depressão. Essas coisas são convenções de linguagem e têm pouco significado. Agora, na essência, nós temos uma recessão prolongada, profunda, e nenhuma perspectiva de reversão até onde a vista alcança.

Qual é o peso da turbulência política e da operação Lava Jato na queda da atividade econômica?

Eu acho absurdo culpar a Lava-Jato pela queda do PIB. A Lava-Jato poderia ser a base da reconstrução do país e da recomposição da economia pelo lado da ética. Na Itália, a operação Mãos Limpas promoveu uma vasta reorganização do mundo empresarial, tal qual ocorreu nos partidos políticos. Aqui, isso já está ocorrendo e vai fazer muito bem ao país. Deve ser a base de uma nova onda de investimentos, para substituir um modelo de organizar a economia que estava se instalando, que eu chamo de “capitalismo de quadrilha”.

E já é possível ver uma luz no fim do túnel?

O Focus (boletim com previsões econômicas, elaborado pelo Banco Central) está mostrando que 2016 vai ser parecido com este ano, com jeito de que pode ser pior. Porém, tudo pode mudar se houver alguma reversão do lado político para o bem, e o governo recompor sua capacidade de fazer políticas econômicas razoáveis e sensíveis. Isso restauraria a confiança dos brasileiros no futuro.