Valor econômico, v. 16, n. 3923,15/01/2016. Finanças, p. C1

Capital limita estímulo ao crédito

Vinicius Pinheiro e Felipe Marques

O plano do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, de estimular a economia via concessão de crédito pelos bancos públicos esbarra em um obstáculo que não existia da última vez em que essa estratégia foi usada: a falta de capital. As três maiores instituições financeiras controladas pelo governo estão com os índices de capitalização em queda, o que limita a capacidade de gerar novos empréstimos.

A situação de capital dos bancos do governo está na ordem do dia em Brasília. A presidente da Caixa Econômica Federal, Miriam Belchior, tratou do assunto em reunião com o ministro da Fazenda na quarta-feira. Ela afirmou que a questão do crédito não foi discutida especificamente. “Nós discutimos necessidades da Caixa de capital. Essa discussão [sobre crédito] é permanente”, disse a jornalistas, após o encontro com Barbosa.

O Banco do Brasil (BB) tem o menor índice de capital principal (o de melhor qualidade) entre os grandes bancos brasileiros. Em setembro, o indicador estava em 8,07%, ante 9,28% no mesmo período do ano anterior. A Caixa encontra-se em situação um pouco mais confortável, mas sofreu uma queda ainda maior no índice, de 12,91% para 10,09% no mesmo período. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) registrou queda de 0,6 ponto percentual no indicador e encerrou o terceiro trimestre com 9,80% de capital principal. Para fins de comparação, no Itaú Unibanco o mesmo índice estava em 12,3% e o do Bradesco, em 11,4%.

Os números mostram que os bancos públicos atendem hoje com certa folga os requisitos mínimos de capital estabelecidos pelo Banco Central (BC). Mas essa margem cairá sensivelmente com a entrada em vigor das novas normas internacionais de Basileia 3, que são mais rígidas. O regulador vem implementando as regras de forma gradual, em um cronograma que se estende até 2019.

Após a plena adoção das normas, os bancos precisarão contar com um índice mínimo de capital principal entre 7% e 9,5%. Hoje, esse percentual é de pouco menos de 5%. Quanto menor o percentual, menor a capacidade de um banco conceder novos empréstimos. As instituições que ficarem abaixo do exigido precisarão receber um aporte de recursos dos acionistas – no caso dos bancos públicos, a União.

Analistas e agências de classificação de risco já vinham questionando como os bancos públicos lidariam com a questão do capital nos próximos anos, mesmo antes de o novo ministro da Fazenda sinalizar estímulos via crédito. “A situação pode piorar se o crédito voltar a acelerar”, diz o analista de um banco estrangeiro.

Contribui para agravar essa conta a perspectiva de que os resultados dos bancos piorem neste ano, em razão do aumento da inadimplência em meio à estagnação da economia. Como os bancos públicos possuem rentabilidade historicamente menor que a dos pares privados, a capacidade das instituições de reforçar o capital valendo-se apenas dos próprios resultados deve ficar ainda mais comprometida.

Os índices atuais estão abaixo dos níveis de 2012, quando o governo fez com que as instituições financeiras de controle estatal reduzissem os juros dos empréstimos e acelerassem a concessão de operações. Entre 2009 e 2014, período em que se valeu dos bancos públicos como instrumento de política econômica anticíclica, o governo injetou pouco mais de R$ 35 bilhões na Caixa e no BB por meio de instrumentos que podem ser contabilizados como capital principal. O BNDES recebeu outros R$ 35,5 bilhões em 2013 e 2014. Diante da atual situação fiscal, porém, um novo aporte é apontado como improvável.

Uma alternativa para os bancos se capitalizarem é a redução no pagamento de dividendos. A Caixa negocia com o governo a diminuição do percentual de lucro distribuído para 50%. Nos nove primeiros meses do ano passado, o banco pagou 61,3% do resultado em dividendos para a União, de acordo com cálculos da agência de classificação de risco Moody’s.

A quitação antecipada das chamadas “pedaladas fiscais” pelo governo não alivia a situação de capital dos bancos. Como os recursos a receber do Tesouro Nacional são considerados de risco zero pelo regulador, essa dívida não impactava os índices de capitalização. De qualquer forma, os recursos pagos aumentam a liquidez para os bancos concederem novos empréstimos.

Para a analista responsável por bancos públicos na Fitch Ratings, Esin Celasun, se apenas o dinheiro vindo das pedaladas for usado para estimular crédito, o volume não vai fazer diferença relevante no capital ou na carteira de crédito dos bancos. Ela cita o caso da Caixa, que deve receber perto de R$ 5 bilhões do Tesouro e tem uma carteira de crédito na casa de R$ 650 bilhões. “Os bancos públicos estão mais conservadores, adotaram uma postura mais cautelosa que não deve mudar”, diz. “Não acreditamos que esses recursos serão usados de uma só vez.”

Além do problema de capital, uma eventual reedição da política de estímulo ao crédito com o uso dos bancos públicos esbarra no atual cenário de custos de captação maiores e aumento da inadimplência, segundo Ceres Lisboa, vice-presidente e analista sênior da Moody’s. “Mesmo com o apetite contracíclico, os bancos terão de atuar de forma mais comedida”, afirma a analista.

Há também uma menor demanda por crédito, de uma maneira geral, em relação aos anos anteriores, o que reduz a eficácia dos estímulos. Como o governo tem reforçado que não deve subsidiar as taxas de juros dos empréstimos, a única via para se aumentar a concessão de crédito seria reduzindo o nível de exigências dos tomadores – algo temerário no atual momento da economia, segundo um analista.

Outra forma encontrada pelos bancos públicos para reforçar capital nos últimos anos foi a venda de ativos, embora o atual cenário não seja favorável à retomada desse movimento – caso da abertura de capital da Caixa Seguridade.

A Caixa também tem recorrido à venda de operações de crédito ativas, que ainda não haviam sido baixadas para prejuízo, o que alivia o consumo de capital dessas operações. No ano passado, o banco vendeu R$ 1,46 bilhão em operações ativas e, em 2014, R$ 3,2 bilhões.

Procurada, a Caixa afirmou que “possui estrutura de capital adequada ao ritmo de crescimento da carteira de crédito programado para 2016, com margem de segurança confortável em relação às exigências mínimas do BC”. O BB e o BNDES não comentaram.