Valor econômico, v. 16, n. 3921, 13/01/2016. Brasil, p. A4

Governo não vai criar novos subsídios

Claudia Safatle | De Brasília

Não serão criados novos subsídios ou mecanismos de equalização de taxa de juros para os créditos que forem feitos com os cerca de R$ 72,4 bilhões pagos pelo Tesouro Nacional ao BNDES, Banco do Brasil, Caixa e para o FGTS a título das "pedaladas".

Esses recursos poderão impulsionar a oferta de crédito das instituições citadas acima, com os juros subsidiados das linhas existentes. Por exemplo, o BNDES desse total recebeu R$ 30 bilhões e opera com a TJLP que hoje é de 7,5% ao ano para uma taxa Selic de 14,25%.

"Isso já é da regra do jogo", observou uma fonte da área econômica, ao enfatizar que o governo não pretende inventar uma linha de financiamento com novos subsídios. De qualquer forma, mais empréstimos com base na TJLP significam mais despesas com subsídios.

O mesmo se aplica à Caixa que recebeu R$ 1,5 bilhão e deverá usar esse dinheiro para financiar a fase três do programa Minha Casa, Minha Vida. As novas condições do programa habitacional para a faixa mais baixa de renda devem mudar, mas ainda não está decidido se a prestação do financiamento subirá de R$ 25 para R$ 75 ou R$ 80. Haverá aumento da prestação mas não de forma tão agressiva, na avaliação de assessores do Ministério da Fazenda.

Para quitar as "pedaladas" até o ano passado foram pagos ainda R$ 18 bilhões para o Banco do Brasil e R$ 22 bilhões para o FGTS, cujos recursos deverão, nesse último caso, ser usados para financiar a área habitacional, dando maior fôlego à indústria da construção civil. Mas, como reiterou a fonte, sem inventar novos subsídios.

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, não será pródigo em distribuição de incentivos ou benefícios fiscais, informou um assessor da Fazenda. Não há recursos disponíveis no Tesouro Nacional para tanto.

A área econômica, porém, não tem claro se haverá demanda para uma maior disponibilidade de crédito, ainda mais sabendo que esses serão recursos, apesar de juros subsidiados, não serão baratos para as empresas.

Barbosa terá que apresentar, após o Carnaval, o decreto de contingenciamento do Orçamento para cumprir a meta de superávit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). A queda adicional dos preços das principais commodities que o Brasil exporta, como visto nos últimos dias em função da desaceleração da economia da China, só piora a situação fiscal do país.

Com menos receitas as empresas pagarão menos impostos. O mês de janeiro, para a arrecadação, está se mostrando mais do mesmo. A receita com impostos e contribuições prossegue em queda.

Ao mesmo tempo que busca credibilidade, Barbosa também quer um voto de confiança dos seus pares mais próximos. Para isso terá uma agenda de encontros com economistas em São Paulo nesta semana, provavelmente amanhã. O ministro deverá se encontrar com Luiz Gonzaga Belluzzo e Delfim Netto, mas também está programando reuniões com os principais representantes dos grandes bancos.

Uma ala mais liberal do PT avalia que a gestão de Nelson Barbosa à frente da política econômica será conservadora. "Se não for por convicção será pela escassez de dinheiro no caixa da União", disse uma fonte do partido. O ano, com os temores vindos da China, ameaça ser mais duro do que se prevê agora e não permitirá mudança relevante de rota da linha ortodoxa para um viés mais desenvolvimentista, avaliam fontes do PT.

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MTST critica mudanças na terceira etapa do ´Minha Casa´

Valor Econômico - 13/01/2016

Edna Simão, Chiara Quintão e Estevão Taiar | De Brasília e São Paulo

A ideia de permitir que a prestação para faixa mais baixa do programa Minha Casa, Minha Vida aumente conforme a renda do beneficiário -reivindicação do setor de construção que está sendo estudada pelo governo - já desperta contestações. O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, garante que haverá protestos nas principais cidades do país, se o governo federal levar adiante as alterações.

"Uma prestação de 20% [da renda] é quase de mercado, não é subsídio", diz Boulos. "Desembolsar R$ 360 para alguém que ganha R$ 1.800 é muita coisa", afirma. "Essas alterações significam uma descaracterização do programa como ele foi criado e serão enfrentadas nas ruas", diz.

No entanto, apesar de ter apresentado em setembro uma proposta de triplicar o valor da prestação mínima para aquisição da casa própria por famílias com renda de até R$ 1,8 mil no âmbito do Minha Casa, Minha Vida, o governo ainda não tem decisão fechada sobre o assunto e o aumento, segundo fonte, pode ser menor do que o previsto. Uma portaria interministerial deve ser publicada definindo o valor mínimo e a subvenção que será dada pela União. Somente depois disso que as contratações do faixa 1 poderão ser iniciadas.

A presidente Dilma Rousseff quer alavancar o setor da construção civil para melhorar o desempenho da economia e gerar mais postos de trabalho. O início das contratações do "Minha Casa" pode auxiliar o governo neste aspecto. Há quatro meses, Dilma apresentou às centrais sindicais as linhas gerais da terceira etapa do programa. Foi anunciado o aumento do número de faixas, assim como a atualização do valor da renda dos beneficiários e elevação das taxas de juros.

Dentre essas iniciativas estava também a proposta de elevar o valor mínimo das parcelas para atendimento das famílias com renda de até R$ 1,8 mil, ou seja, que fazem parte da faixa 1 do programa. A ideia é que o valor variasse conforme a renda das famílias. Com isso, a prestação mínima subiria de R$ 25 para R$ 80. Mas, segundo fontes ouvidas pelo Valor, ainda não há decisão final sobre o assunto e o reajuste dessa parcela pode ser menor. Segundo proposta apresentada em setembro, as famílias que tiverem renda entre R$ 800 e R$ 1.200, o valor da prestação corresponderá a 10% da renda; de R$ 1.200 a R$ 1.600 a 15%; e de R$ 1.600 a R$ 1.800, 20%.

Outra regra que daria alívio ao caixa do governo é o fato de o pagamento do subsídio ao imóvel para as famílias do faixa 1 ser dividido entre orçamento público e recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Atualmente, a União entra com 95% dos subsídios para as famílias de menor renda. No faixa 2, a União banca 17,5% do valor do subsídio e o FGTS é responsável por 82,5%. No casa do faixa 1, a participação do FGTS será variável podendo em, alguns locais, se aproximar dos 50%.

Na terceira etapa do programa, as famílias que se enquadrarem no faixa 1 precisarão ter renda mensal de R$ 1,8 mil. Para ser atendido na faixa 2, a renda da família deve variar entre R$ 2,35 mil e R$ 3,6 mil e na faixa 3 entre R$ 3,6 mil e R$ 6,5 mil. No caso da nova faixa criada, a faixa 1,5, será destinada para famílias com renda de até R$ 2,35 mil e terá subsídio de até R$ 45 mil de acordo com a localidade e a renda.

Foi o setor de construção civil que solicitou ao governo a redução do subsídio para a faixa 1, segundo o presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Rubens Menin. "Quanto menor o subsídio, mais moradias podem ser contempladas", afirma. "Desde o início do programa, nossa avaliação era que não há necessidade de tanto subsídio. "

A proposta foi apresentada no ano passado ao Ministério do Planejamento, então comandado pelo atual ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e ao Ministério das Cidades, liderado por Gilberto Kassab. O governo foi receptivo à proposta, de acordo com o presidente da Abrainc.

A mudança na fatia máxima da renda do comprador para pagamento das prestações de imóveis da faixa 1 do programa - em avaliação pelo governo - não muda nada para as construtoras, mas pode elevar a inadimplência, segundo o diretor de relações institucionais da Cury, Ronaldo Cury. A Cyrela tem 50% de participação na Cury. No segmento, a inadimplência é elevada - próxima a 20% -, diz o representante da Cury, porque não há análise de crédito do comprador, mas apenas é verificado se a renda familiar se enquadra no teto do valor máximo para a faixa. A definição dos compradores ocorre por meio de sorteio.

Caso seja aprovado o aumento da fatia da renda que pode ser comprometida com a prestação do imóvel em relação aos atuais 5%, a inadimplência pode crescer, mas é o governo quem terá de arcar com isso. Segundo o executivo, a Cury irá focar sua atuação nas faixas 2 e 3 do programa. A faixa 1 utiliza recursos do Tesouro. "O governo já sinalizou que, em 2016, a prioridade para a faixa 1 é concluir o que já foi contratado", diz.

Boulos, do MTST, afirma que 70% do déficit habitacional no Brasil está entre aqueles que ganham menos de três salários mínimos - R$ 2.640. Ou seja, justamente a parcela da população que será afetada, caso as mudanças sejam confirmadas. "É gente que não consegue financiamento para habitação no mercado tradicional", diz.