Título: Comissão da Verdade será votada na marra
Autor: Rizzo, Alana; Gama, Júnia
Fonte: Correio Braziliense, 14/09/2011, Política, p. 2

Governo prepara o rolo compressor para aprovar a proposta na semana que vem sem permitir emendas ao texto. Oposição e procuradores da República, no entanto, consideram o tema polêmico e defendem alteraçõesNotíciaGráfico

O governo conseguiu acordo para votar o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade na próxima quarta-feira. A ordem passada aos líderes governistas é não fazer alterações no texto original e rejeitar qualquer emenda. A data escolhida leva em consideração a pauta da Câmara, mas principalmente a agenda da presidente Dilma Rousseff.

A expectativa do governo é a de que as negociações desta semana permitam que a presidente abra a reunião da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na próxima quarta-feira, com um discurso em prol da transparência e dos direitos humanos.

O projeto de lei em tramitação na Câmara, apesar do apoio declarado de todos os partidos, está longe do consenso. Procuradores da República defendem alterações, sob o risco de a Comissão da Verdade ficar só no papel e perder a efetividade. Em nota técnica, o Ministério Público Federal cobra a definição dos poderes de instrução e a autonomia financeira e orçamentária do grupo. Familiares e vítimas querem a abertura do debate e não a aprovação da matéria em regime de urgência. Já a oposição ¿ que sinalizou ser favorável à proposta ¿ quer discutir o "perfil" dos integrantes indicados para compor a Comissão da Verdade. Uma das exigências do DEM, que se reúne hoje com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para mais uma rodada de negociações, é a indicação de representantes do Congresso na comissão.

"O DEM quer uma definição mais clara dos critérios para indicação dos membros. Não queremos que a comissão seja politizada e que sirva de palanque para radicalizações", disse o deputado ACM Neto (DEM-BA). O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), capitão do Exército Brasileiro, também cobrou mudanças no texto. Segundo ele, a presidente Dilma não tem isenção para nomear todos os integrantes. O parlamentar quer ainda a segurança de que não haverá punição para os militares.

O Palácio do Planalto, no entanto, está decidido a não ceder à pressão e rejeitar todas as emendas. Teme que o debate volte ao ponto inicial e se arraste para 2012. "É positivo que uma matéria como essa não esteja na pauta em ano eleitoral, mas agora. O ritmo de votação depende do Congresso, a palavra está com o Congresso agora", afirmou a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário.

O líder do governo na Câmara, Cândido Vacarezza (PT-SP), afirmou que o pedido do DEM não é viável. "O DEM quer que dois dos integrantes sejam indicados pelo Congresso. O parlamento representa a sociedade, o que abriria para o debate político e esse não é o objetivo."

Indicados Mesmo sem a aprovação do texto, o governo já começou a discutir o perfil da Comissão da Verdade. A proposta estabelece a nomeação pela Presidência da República de sete integrantes com "idoneidade, conduta ética e identificados com a defesa da democracia e dos direitos humanos".

A presidente Dilma está decidida a não nomear representantes das partes ¿ sejam eles militares ou militantes dos direitos humanos ligados às famílias. Entre os nomes que começam a surgir estão o do ex-vice-presidente da República Marco Maciel e o do ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo. O Ministério Público Federal e familiares criticam brechas para a escolha de militares no grupo. No entanto, integrantes do governo sustentam que a possibilidade é apenas para o quadro administrativo.

Uma tropa de choque formada pela ministra Maria do Rosário e por ex-ministros da Secretaria de Direitos Humanos desembarcou ontem no Congresso. Em reunião com o presidente da Câmara, Marco Maia (PMDB-RS), eles cobraram apoio do Legislativo na aprovação da matéria e assinaram uma carta aberta de apoio à proposta do governo. Estavam presentes José Gregori, Gilberto Saboia, Paulo Sérgio Pinheiro, Nilmário Miranda, Mário Mamede e Paulo Vannucchi .

"Nem todos os ex-ministros são do mesmo partido ou têm a mesma visão ideológica", lembrou José Gregori, que ocupou a Secretaria de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso. "Esse projeto encontrou um equilíbrio quase perfeito, é uma ourivesaria parlamentar", completou.

Prioridade para a presidente Dilma, o projeto da Comissão da Verdade está sendo negociado desde o início do ano. Porém, o governo teve que arrastar a votação para o segundo semestre. A orientação é só colocar na pauta do plenário ¿ em regime de urgência ¿ quando tiver garantia da aprovação. Pelos corredores da Câmara, Maria do Rosário, ex-deputada federal, pedia o apoio dos colegas. "Conto com o seu voto para a Comissão da Verdade", repetia a todo instante.

Colaborou Denise Rothenburg

Discurso na ONU Dilma desembarca nos Estados Unidos no próximo domingo acompanhada de alguns ministros, como Alexandre Padilha, da Saúde; e Orlando Silva, dos Esportes. Padilha participará da reunião sobre doenças infectocontagiosas, dentro do programação da ONU. E Orlando falará sobre a organização da Copa do Mundo de 2014, tudo dentro da programação das reuniões da ONU. Além de ser a primeira mulher a discursar na abertura da reunião da ONU ¿ deferência que pertence ao Brasil desde 1947, quando Osvaldo Aranha fez o discurso de abertura ¿, Dilma aproveitará a viagem para uma série de encontros bilaterais. Um deles será com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para discutir a crise econômica mundial e as medidas em curso para tentar amortecer os efeitos na economia norte-americana. (Denise Rothenburg)