O globo, n. 30069, 04/12/2015. País, p. 8

Para Lula, Cunha fez ‘um gesto de insanidade’

 

FERNANDA KRAKOVICS E JAILTON CARVALHO DE

(Colaboraram Simone Iglesias e Catarina Alencastro)

Ministros de Dilma acusam o presidente da Câmara de usar o cargo em benefício próprio.

-RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA- Dizendose indignado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou ontem que a abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff foi um gesto de “insanidade” do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), motivado por interesses pessoais.

— No dia em que a presidente Dilma consegue aprovar as novas bases para o Orçamento de 2015 recebe como prêmio um gesto de insanidade, que é o pedido de impeachment — afirmou Lula, após encontro com o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB).

O ex-presidente disse que é preciso votar o mais rápido possível o processo de impeachment, para que a crise política não contamine ainda mais a economia:

— A tarefa agora é não permitir que essa loucura do Eduardo Cunha tenha prosseguimento, e tem que resolver isso logo. Se deixar passar Natal, Ano Novo, carnaval, qual será o clima político neste país? Qual investidor vai querer investir no Brasil? Qual empresário brasileiro vai querer colocar dinheiro na economia?

Lula acusou o PSDB de promover um terceiro turno da eleição ao apoiar o pedido de impeachment:

— Aqueles que quiseram fazer o terceiro turno da eleição cassando a presidente Dilma na Justiça eleitoral, agora acharam a possibilidade do terceiro turno com a tese do impeachment, que não tem nenhuma sustentação legal a não ser uma demonstração de raiva, de ódio.

Para Lula, o presidente da Câmara “parece que tomou a decisão de não se preocupar com o Brasil”. O ex-presidente classificou ainda a abertura do processo de impeachment de “loucura”, por motivo “muito pequeno” e por “vingança”. E reclamou que foi “muita leviandade” de Cunha.

MINISTROS ATACAM CUNHA Em Brasília, os ministros da Casa Civil, Jaques Wagner, e da Justiça, José Eduardo Cardozo, acusaram Cunha de tentar obstruir as investigações do Conselho de Ética e outras atividades do Congresso. Para os dois ministros, Cunha usou a estrutura da Câmara em benefício próprio e, por isso, não tem mais legitimidade para permanecer no cargo. Cardozo chegou a dizer que a questão é séria e deveria ser analisada pelo Ministério Público Federal e pelo Judiciário.

O primeiro a falar sobre o assunto foi Jaques Wagner, numa entrevista no Palácio do Planalto. Inicialmente, ele hesitou em opinar sobre as ações que o peemedebista vem fazendo desde que foi denunciado no Conselho de Ética por quebra de decoro. Mas, no decorrer a conversa com os jornalistas, acabou dizendo que Cunha perdeu a neutralidade exigida de um presidente da Câmara.

— Realmente é complicado porque ele tem o poder da caneta, de fazer a ordem do dia. E realmente pressionou (o Conselho de Ética). É público, pressionou muito. Creio que ele perdeu a legitimidade para estar na presidência da Casa que o está julgando (...). Quem senta na cadeira de presidente da Câmara é um magistrado. Ele não pode ser nem o governo absolutamente e nem o bunker da oposição. Mas, durante muito tempo, ele foi o bunker da oposição. Acho que perdeu a condição de magistrado — avaliou Wagner

Cardozo reforçou o ataque. Para ele, Cunha só botou o impeachment em pauta para desviar o foco do noticiário do Conselho de Ética. Integrantes do Conselho devem decidir na próxima semana se abrem ou não processo por quebra de decoro contra Cunha.

O deputado é acusado de mentir à CPI da Petrobras sobre contas secretas na Suíça. Cunha responde a um inquérito sobre o assunto no Supremo Tribunal Federal (STF). O deputado também já foi denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro desviado da Petrobras.

— Cada vez está mais claro a tentativa de obstrução de uma atuação livre do Parlamento, do próprio Conselho de Ética, pelo presidente. Portanto, acho que deve ser apreciado pelo Ministério Público e pelas autoridades competentes — disse Cardozo ao GLOBO.

Cunha anunciou o acolhimento de um dos pedidos de impeachment na quarta-feira, logo depois de três deputados do PT anunciarem que votariam pela abertura de processo contra ele no Conselho de Ética. Para Cardozo, o pedido de afastamento da presidente não tem fundamento jurídico, porque ela não cometeu qualquer crime.

— Essa decisão foi tomada como uma retaliação ao fato de que o PT não daria os votos no Conselho de Ética que ele (Eduardo Cunha) gostaria de ter. Isso é um fato notório. A imprensa noticiou isso. Portanto, trata-se de uma retaliação, sem qualquer fundamento jurídico — disse Cardozo.

Cardozo argumenta ainda que, além de obstrução das atividades do Legislativo e chantagem contra o governo, a decisão de Cunha é um claro desvio de função, já que o presidente da Câmara se utilizou do cargo em benefício próprio. 

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LULA VAI A AUDIÊNCIA CONTRA O GLOBO

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva compareceu ontem a uma audiência na 48ª Vara Cível da Capital, no Centro do Rio, como parte do processo por danos morais que ele move contra jornalistas do GLOBO. Lula contesta reportagem publicada pelo jornal em agosto deste ano, que mostra que um grupo empresarial que recebeu R$ 3,7 milhões da GFD, empresa usada para lavar dinheiro do doleiro Alberto Youssef, repassou quase a mesma quantia para a construtora OAS durante a finalização das obras de um prédio no Guarujá, onde o ex-presidente tem apartamento.

Em nota, o Instituto Lula disse que o ex-presidente reafirmou ao juiz que jamais possuiu um apartamento tríplex na praia do Guarujá. Na audiência, Lula disse que sua mulher, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, possui uma cota de participação da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) referente ao apartamento.

A reportagem se baseou em documento entregue pelo próprio Lula à Justiça Eleitoral, em 2006, em que declara ter cotas de apartamento em construção no prédio do Guarujá.

Os repórteres ouviram testemunhas que confirmaram que no prédio haveria um apartamento de Lula.

Em nota sobre a audiência, o Instituto Lula afirmou que “a reportagem relacionava o imóvel às investigações da Operação Lava-Jato e ao doleiro Alberto Youssef, algo que os jornalistas não conseguiram demonstrar durante a audiência”. A nota do Instituto Lula diz ainda que “os jornalistas disseram ao juiz que tinham apenas ouvido falar disso por meio de ‘fontes’ anônimas”.

A reportagem informou que o Ministério Público Federal suspeita que parte do dinheiro de Youssef repassado ao grupo empresarial possa ter sido usado para concluir a obra do prédio, iniciada pela Bancoop. O GLOBO também informou ter consultado documentos da investigação.

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Conselho de Ética vai receber de Janot dados sobre contas de peemedebista na Suíça

 

Investigação será compartilhada se processo de cassação for aberto, afirmam deputados.

-BRASÍLIA- O presidente do Conselho de Ética da Câmara, José Carlos Araújo (PSD-BA), relatou ontem ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, atos do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que entende ser de obstrução aos trabalhos do Conselho. Araújo criticou também procedimentos do presidente da Câmara que caracterizam uso da instituição em sua defesa. E citou como exemplo o fato de a TV Câmara ter transmitido ao vivo ontem a entrevista em que Cunha se defendeu e atacou a presidente Dilma Rousseff.

Araújo foi ao encontro acompanhado dos dois vicepresidentes do conselho: Sandro Alex (PPS-PR) e Fausto Pinato (PRB-SP), relator do caso de Cunha. Segundo os parlamentares, Janot disse que tem acompanhado tudo que está ocorrendo na Câmara.

— Falamos sobre Eduardo Cunha, e o procurador nos disse que está acompanhando. E que, se tivermos qualquer outro relato para fazer, é para trazer a ele — disse Araújo, na saída do encontro na Procuradoria-Geral da República.

— Há um limite entre usar o regimento de forma legal e usar de forma espúria — completou Sandro Alex.

O deputado do PPS disse ainda que Janot confirmou que Cunha está ligado a quatro contas bancárias na Suíça e avisou que vai disponibilizar todos os documentos da investigação ao Conselho se a abertura do processo de cassação de Cunha for aprovada. A votação será na terça-feira.

Os deputados afirmaram que ouviram relatos de Janot sobre a prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS).

— O procurador contou que eles trabalharam 24 horas direto, num trabalho exausto. E falou que, para se pedir a prisão de um parlamentar, a documentação tem que ter muita robustez — disse Alex.

Na reunião do Conselho, Araújo manifestou preocupação com os ânimos acirrados na Casa após Cunha ter aberto o processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Ele quer reforço na segurança na reunião de terça-feira, quando será votado o relatório do deputado Fausto Pinato (PRBSP) a favor da continuidade do processo contra Cunha.

— Se a leitura de um simples relatório de admissibilidade está causando tudo isso, imagina a votação de um relatório final? — disse Araújo.

Sempre que perguntado, Cunha tem negado que interfira nos trabalhos do Conselho de Ética da Câmara.