O globo, n. 30069, 04/12/2015. Economia, p. 23

Entre perdas e ganhos

 

MARCELLO CORRÊA, RENNAN SETTI, CASSIA AL MEIDA E ANA PAULA MACHADO

Perspectiva de fim do impasse político anima mercados; trâmite longo teria custo para economia.

“Qualquer decisão vai sinalizar uma solução da crise política. A gente vira essa página e começa a pensar no país”
Carlos Pastoriza
Presidente da Abimaq

A Bolsa subiu ontem 3,29%, maior alta em um mês, e o dólar caiu para R$ 3,749, em reação ao acolhimento do pedido de impeachment. Para empresários e o mercado, o processo oferece uma saída ao impasse político que paralisa a economia há um ano. Mas analistas advertem que o alívio pode ser passageiro. Um trâmite longo poderá gerar turbulências e agravar a recessão. -RIO E SÃO PAULO- Mesmo cercado por incertezas, o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, acolhido na quarta-feira pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, foi visto pelo mercado financeiro e por empresários como uma possível saída para a crise política que afeta a economia brasileira há pelo menos um ano. Ontem, investidores reagiram à notícia com euforia: a Bolsa de Valores de São Paulo fechou em alta de 3,29%, a maior em um mês, enquanto o dólar recuou 2,24%, a R$ 3,749. Economistas de diferentes tendências concordam que o processo — seja qual for seu desfecho, com a saída de Dilma ou a sua permanência, porém mais fortalecida — pode ajudar a melhorar o ambiente de negócios, por encerrar a interminável crise política. No entanto, alertam que, caso as discussões sobre o impeachment se prolonguem por tempo demais, podem abalar a já combalida economia brasileira, com aumento da instabilidade e um freio ainda maior nos investimentos.

No primeiro momento, o que agradou investidores e empresários foi a ideia de que está sendo dado um passo inicial para resolver o impasse político que se arrasta desde o início do segundo mandato de Dilma. O governo tem se esforçado para aprovar as medidas do ajuste fiscal no Congresso, por exemplo. A perspectiva de destravamento dessas negociações animou os mercados.

— A reação inicial foi positiva, porque o consenso é que o cenário político e econômico se deteriorou tanto que qualquer chance de mudança agrada aos agentes do mercado. Qualquer mudança política hoje é bem-vinda. No caso do impeachment, o mercado entende que o Temer teria um maior apoio político dos outros partidos, facilitando a aprovação do ajuste fiscal — afirmou Bernd Berg, estrategista-chefe para mercados emergentes do banco Societé Générale.

Berg acredita que o processo será longo e pode resultar em frustração, principalmente diante da possibilidade de rebaixamento da nota de crédito do Brasil pelas agências de risco, até fevereiro.

Muitos empresários compartilham a avaliação dos investidores de que um desfecho para a crise política — qualquer que seja ele — é bem-vindo. Mas eles torcem por uma celeridade na análise do processo de impeachment, para que o país encontre seu caminho e volte a crescer.

— A única coisa que espero como industrial é que possamos superar rapidamente essa fase da crise e que o Congresso seja o mais célere possível. Porque qualquer decisão que seja tomada vai sinalizar para o mundo e para a sociedade uma solução da crise política. A gente vira essa página e começa a pensar no país — disse Carlos Pastoriza, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Apesar do otimismo, o consenso entre economistas que acompanham os indicadores macroeconômicos do país é que um pedido de impeachment deve piorar, no curto prazo, os índices de confiança que já estão muito ruins. Para Fábio Silveira, diretor de pesquisas econômicas da GO Associados, o primeiro reflexo será o adiamento de investimentos, enquanto empresários aguardam os desdobramentos da crise política. Por isso, ele defende que o processo seja feito da forma mais rápida possível, abreviando o período de incertezas.

— Quanto mais essa novela se arrasta, mais a gente paga caro. O ideal seria tornar mais breve esse longo ciclo de crise política, que já vem desde o ano passado, para que a gente possa enfrentar a questão econômica. Não é automático: a solução da crise política não resolve, por si só, a crise econômica. Mas é algo que precisa ser feito — afirma o especialista.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, também vê a agilidade como imprescindível, mas vai além: acredita que os efeitos seriam mais positivos para a economia em caso de saída da presidente Dilma.

— Achar logo uma solução para esse impasse político é o melhor dos mundos. O que não dá mais é para ficar nessa paralisia que decorre da incerteza sobre a presidente. Saber se ela vai ficar ou não já é um grande resultado por si só. Caso ela caia, entretanto, a reação na economia deve ser positiva. Especialmente em infraestrutura e no ajuste fiscal devemos ter uma aceleração benéfica para o país. Caso ela fique, será mais do mesmo em termos de administração, o que significa que a recessão se prolonga para 2017 — afirma o especialista, em entrevista por e-mail. ENTRAVE PARA VOTAÇÕES IMPORTANTES Já André Biancarelli, analista de conjuntura do Instituto de Economia da Unicamp, também destaca a importância da celeridade, mas afirma que o melhor para o país seria o processo ter outro desfecho: a manutenção de Dilma no cargo.

— Tocar para frente um processo de impeachment, sob essa justificativa, seria uma irresponsabilidade sem tamanho. Não vejo como trocar o presidente possa melhorar o cenário do ponto de vista econômico. Qualquer presidente encontraria o Brasil em uma situação já conflagrada. E essa instabilidade política tem um fator que piora decisão de investimento — diz.

Além do aumento das incertezas, também preocupa a paralisia do Congresso Nacional, que deve ser dominado pelas discussões do pedido de impeachment. Com isso, pautas importantes do ajuste fiscal, como a votação da volta da CPMF e o Orçamento de 2016, podem atrasar. É o que teme o economista Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

— Temos a aprovação da CPMF, da DRU (Desvinculação das Receitas da União) que podem acabar ficando em segundo plano devido ao foco no processo. A economia já está derrubada. A repercussão do processo em si num primeiro momento não será grande, já que o quadro já é de paralisia há algum tempo.