O globo, n. 30075, 10/12/2015. País, p. 3

Conselho de Ética reage

 

EVANDRO ÉBOLI, ISABEL BRAGA E JÚNIA GAMA 

Cúpula de colegiado pede afastamento de Cunha para que processo de cassação possa avançar.

O uso excessivo de recursos regimentais resulta na troca do relator do processo de cassação do presidente da Câmara; partidos também recorrem ao STF para tirá-lo do cargo.

Depois de um festival de manobras que levou ao sexto adiamento da sessão que decidiria sobre a abertura de seu processo de cassação, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, virou alvo dos colegas. Integrantes do comando do Conselho de Ética apresentaram projeto que pede o afastamento cautelar de Cunha da presidência enquanto o processo por quebra de decoro tramitar. Os parlamentares o acusam de interferir na condução do caso. Com argumentos semelhantes, PSOL e Rede recorreram ao STF pedindo que Cunha deixe o cargo. Advogados do deputado se anteciparam e apresentaram sua defesa ao Supremo. O rito para a cassação foi reiniciado ontem, com a escolha de um novo relator. -BRASÍLIA- Após o sexto adiamento seguido da votação de continuidade do processo contra Eduardo Cunha (PMDBRJ) no Conselho de Ética, o comando do órgão concluiu que só o afastamento temporário do peemedebista da presidência da Câmara permitirá o avanço da ação. Um projeto nesse sentido, de autoria do presidente do conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), e dos dois vice-presidentes, será apresentado hoje na sessão do colegiado. Se aprovado, vai à votação no plenário da Câmara.

Araújo afirmou que, se preciso, vai até o Papa para tentar afastar Cunha:

— Está difícil trabalhar nessa casa. Se precisar, vamos recorrer ao Supremo para mostrar isso. Se precisar, vou recorrer ao Papa — disse.

“TEATRO DO ABSURDO” Medida semelhante foi tomada ontem por oito deputados do PSOL e da Rede, que protocolaram, na Procuradoria-Geral da República, pedido de afastamento de Cunha enquanto durar seu processo no conselho. O pedido, com 30 páginas, lista atos de Cunha que caracterizariam uso da função para se proteger da acusação de quebra de decoro. Esses deputados esperam que o procurador-geral, Rodrigo Janot, aceite o pedido e o encaminhe para decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Chico Alencar (PSOL-RJ) disse que as manobras e decisões tomadas recentemente mostram que apenas a saída de Cunha da presidência permitiria a isenção do processo na Casa:

— É um absolutista, que atua de forma imperial, monárquica e autoritária. Sua presença na presidência da Câmara tornou-se absolutamente inadequado, para falar o mínimo. É escândalo sobre escândalo. Virou um teatro do absurdo — afirmou Alencar, completando mais tarde:

— A representação aqui não vai prosperar, está decidido. São manobras, chicanas. A Câmara está um pântano total, é só lama. A solução terá que vir de fora, por isso recorremos novamente à Procuradoria-Geral da República pedindo o afastamento de Cunha.

A deputada Eliziane Gama (Rede-MA) afirmou que seu partido fará hoje um aditamento, com os fatos ocorridos ontem no Conselho de Ética, quando a tropa de choque de Cunha mais uma vez atuou para a votação não ocorrer. Nesse relato, estará incluído o afastamento do relator, Fausto Pinato (PRB-SP). Uma decisão monocrática do vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), atendendo a pedido de um aliado de Cunha, tirou Pinato da relatoria.

Araújo desconfia que a decisão contra Pinato teve influência externa.

— Acho que o vice não tomaria essa medida sozinho — disse Araújo.

Questionado se era uma intervenção de Cunha, respondeu: — O que você acha? O projeto pelo afastamento de Cunha será apresentado no conselho por Araújo e pelos vices Fausto Pinato e Sandro Alex (PPS-PR), que criticou as intervenções de Cunha:

— Chegamos ao fundo do poço. Não conseguimos votar sequer um pedido de admissibilidade. Se não fizermos algo, não vai andar nunca.

Representantes do PSDB no conselho também criticaram Cunha. Betinho Gomes (PSDB-PE) afirmou que o presidente estava orientando os aliados:

— O Eduardo Cunha fica acompanhando pela TV e toma suas decisões dando ordens a seus aliados no conselho.

Presidente do PSDB, o senador Aécio Neves (MG) criticou as manobras:

— Acredito que não é razoável que esse processo não tenha tido até aqui o encaminhamento natural, onde cada partido, cada força política expressasse o seu sentimento. Não é positivo para o Parlamento a postergação indefinida de um processo de tanta repercussão na sociedade brasileira — disse Aécio.

Cunha acusou o presidente do conselho de seguir um “regimento próprio” e de promover manobras que descumprem as regras da Câmara. Ele rebateu Araújo, que classificara de golpe a decisão de afastar Pinato da relatoria.

— Golpe é o que estavam fazendo, descumprindo o regimento. A decisão é monocrática. O recurso chegou, me declarei impedido e o vice decidiu. Recurso contra decisão do presidente da Câmara é a CCJ. Esse é o regimento da Casa. Qualquer coisa diferente disso é que é golpe. Golpe é quebrar urnas e tentar agredir parlamentar para tentar impedir votação — afirmou Cunha.

CUNHA VAI AO STF CONTRA AFASTAMENTO

Diante das notícias de que Janot pode pedir o afastamento de Cunha do comando da Câmara, os advogados do deputado apresentaram ontem ao STF petição se defendendo dessa hipótese. Cunha disse que a ameaça ronda sua vida política, com base em notícias publicadas na imprensa, e lembrou que deputados de oposição já pediram a Janot que tome a providência. Os advogados negaram que Cunha tenha manobrado para adiar seu julgamento no Conselho de Ética, o que configuraria uso indevido do cargo. O documento foi enviado ao relator da LavaJato no STF, ministro Teori Zavascki.

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Relator é destituído, e processo volta à estaca zero

Isabel Braga, Leticia Fernandes e Júnia Gama

Marcos Rogério, que substitui Pinato, diz que fará outro parecer.

-BRASÍLIA- Em novas manobras regimentais, a principal delas patrocinada pelo primeiro vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), a votação da abertura de investigação no Conselho de Ética da Câmara contra o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDBRJ), foi adiada ontem pela sexta vez. E agora o processo voltou à estaca zero.

Waldir Maranhão aceitou recurso de aliado de Cunha que pedia o afastamento do deputado Fausto Pinato (PRB-SP) da relatoria do caso. Na tentativa de reagir ao que classificou de golpe, o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-MG), chegou a indicar o petista Zé Geraldo (PA) como novo relator, mas acabou cedendo à pressão e fez novo sorteio para a relatoria. À noite, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO) tornouse o novo relator do caso.

Uma nova sessão foi convocada para hoje de manhã, mas Marcos Rogério já adiantou que não concorda integralmente com o relatório de Pinato, fará modificações e deverá apresentar o parecer na próxima semana. Com isso, poderá abrir brecha para que os aliados de Cunha peçam vista do novo relatório, adiando mais uma vez a votação.

SESSÃO VOLTA A TER BATE-BOCA Marcos Rogério disse que seu relatório será favorável à abertura da investigação contra Cunha, mas focado apenas nas questões formais da admissibilidade da representação feita pelo PSOL e pela Rede contra Cunha. O novo relator discorda que a mudança de relatoria tenha feito o processo retroceder.

— Minha compreensão é que não volta à estaca zero. Para mim, há a preservação dos atos praticados até agora, inclusive a discussão que já foi feita. Não houve prejuízo à defesa — disse Rogério.

Quando a denúncia contra Cunha chegou ao conselho, Araújo disse que esperava concluir a análise do caso antes do recesso. Hoje, a tendência é que o processo não seja nem aberto até o dia 22, quando os deputados entram em recesso.

A sessão de ontem foi novamente marcada por bate-boca e agressões verbais entre os aliados de Cunha e os deputados que defendem a abertura das investigações. A tropa de choque de Cunha levantou suspeitas também contra Araújo, acusando-o de conduzir de forma tendenciosa a sessão.

O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) desabafou:

— É humilhante o que estamos vivendo aqui neste Conselho: insensatez, falta de realidade. Não sou bobo, isso aqui é um circo, porque quem está sendo julgado é o presidente da Câmara. É uma chicana fazer essa jogatina aqui. Se o conselho não tiver postura correta, temos que fechar esse conselho.