O Estado de São Paulo, n. 44558, 06/10/2015. Política, p. A7

FHC diz que barrou ida de peemedebista para estatal

No dia 23 de março de 1996 o então presidente Fernando Henrique Cardoso recusou um pedido feito pelo deputado Francisco Dornelles (à época no PPB) em nome da bancada do Rio de Janeiro para que o também deputado Eduardo Cunha (PMDB), hoje presidente da Câmara, fosse nomeado diretor
comercial da Petrobras. "Imagina!", reagiu FHC, apontando "problemas com esse nome".

O episódio é narrado pelo próprio Fernando Henrique no livro Diários da Presidência, a ser lançado no fim deste mês pela Companhia das Letras, do qual a revista piauí publicou trechos inéditos na edição que chegou às bancas ontem.

"Na verdade o que eles (deputados do Rio) querem é nomear o Eduardo Cunha diretor comercial da Petrobras! Imagina! O Eduardo Cunha foi presidente da Telerj, nós o tiramos de lá no tempo de Itamar (Franco, ex-presidente da República) porque ele tinha trapalhadas, ele veio da época do Collor. Eu fiz sentir que
conhecia a pessoa e que sabia que havia resistência, que eles estavam atribuindo ao Eduardo Jorge; eu disse que não era ele e que há, sim, problemas com esse nome. Enfim, não cedemos à nomeação", escreveu o ex-presidente.

Durante seu governo, entre 1995 e 2002, Fernando Henrique registrou de forma metódica, com ajuda de um gravador, o dia a dia da Presidência da República. As 44 fitas cassete foram transcritas pelo Instituto FHC e resultaram em cerca de 4 mil páginas.

O livro que chega às livrarias neste mês compreende o período entre o fim de novembro de 1995 e o fim de abril de 1996 e é o primeiro de quatro volumes que serão publicados até 2017.

Nos Diários, o tucano reconstitui encontros e conversas, faz comentários sobre personagens do universo político, revela intenções e planos para o governo, avalia os principais acontecimentos do País e reflete sobre o peso do cargo e a natureza da atividade política.

Alguns trechos antecipados pela piauí remetem à situação política atual, como, por exemplo, o registro de uma reunião com dirigentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), no dia 25 de abril, quando a oposição mobilizava movimentos sociais para pedir o impeachment do tucano.

"Conversamos sobre tudo, eu gosto do Vicentinho. (Em seguida) ele até me pediu para fazer a reunião deles na biblioteca, depois que eu fosse embora.

Deixei, é coisa só do Brasil! Os dirigentes máximos da CUT se reúnem na biblioteca do Palácio da Alvorada. Eles vieram trazer reivindicações dos grevistas de Brasília, a questão dos sem-terra, e havia uma manifestação, dessa vez parece que grande, aqui em Brasília, porque o momento é tenso por causa dos sem-terra. E tentam aproveitar para ver se fazem algo semelhante a impeachment, sempre a mesma história."

Em outro trecho publicado pela piauí, Fernando Henrique relata com detalhes as negociações para incluir o extinto PPB de Dornelles, Paulo Maluf (SP) e Esperidião Amin (SC) no governo e, assim, viabilizar uma maioria no Congresso que garantisse a aprovação das reformas cobradas pela sociedade.

"Parece que o PPB não aceita o Ministério da Reforma Agrária sem o Incra. Luiz Carlos (Santos, PMDB, líder do governo na Câmara) sugeriu que ampliássemos a oferta e incluíssemos o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo. Isso para mim é dolorido, por causa da Dorothea (Werneck, titular da pasta), que é uma ministra de quem eu gosto, e ela tinha que ser avisada dessa manobra", registra o ex-presidente em 25 de abril de 1996.

Negativas

Em sua conta no Twitter, Cunha afirmou ontem não ter conhecimento de que tenha sido indicado para a diretoria comercial da Petrobras. "Se houve algum movimento feito, foi sem meu conhecimento, até porque não teria lógica pela experiência minha em telecomunicações", escreveu. "A única coisa que me
recordo do tempo dele (Fernando Henrique) de presidente foi o movimento de deputados para que eu retornasse à Telerj, empresa a qual presidi."

Atual vice-governador do Rio de Janeiro, Dornelles (PP) negou que tenha indicado em 1996 Cunha para uma diretoria da Petrobras. "Tenho certeza que nunca fiz essa indicação. Não por Eduardo Cunha, gosto muito dele e o considero muito competente. Mas nunca fiz qualquer indicação para a Petrobras."