O globo, n. 30076, 11/12/2015. Opinião, p. 21

Para ‘ler’ a inflação de dois dígitos

 

JOSÉ PAULO KUPFER 

A escalada dos preços reflete ajustes fortes pelos quais, aos trancos e barrancos, a economia está passando, e as indicações são de que o pico de 2015 não se repetirá.

Ainflação chegou aos dois dígitos com a variação do IPCA em novembro acumulando em 12 meses alta de 10,48%. Se confirmada a esperada elevação em torno de 1% em dezembro, 2015 fechará com alta de 11,5% nos preços. É um nível a que os brasileiros se desacostumaram e do qual não se tinha notícia desde 2002, quando a inflação, na virada de FH para Lula, foi a 12,5%.

Formou-se, felizmente, um quase consenso de que o pico inflacionário de 2015 não se repetirá nos anos seguintes. Projeções atualizadas depois dos números de novembro sinalizam uma trajetória descendente para a curva de variação do IPCA. Por essas estimativas, a permanência da inflação nos dois dígitos deverá ser relativamente curta, não se estendendo além do primeiro trimestre de 2016.

Mesmo com os efeitos inflacionários da reintrodução em breve da Cide da gasolina, possibilidade considerada em grande parte das simulações, a inflação, no acumulado em 12 meses, retrocederia, do modo lento e gradual, mês a mês, daqui até fins de 2017. Só com a redução prevista do ritmo das desvalorizações cambiais e das elevações de preços administrados, com destaque para combustíveis e energia elétrica, seria possível, em 2016, subtrair de 3 a 4 pontos da inflação registrada este ano. Não por coincidência, as previsões para a variação do IPCA, no próximo ano, convergem para uma faixa entre 7% e 8%, sinalizando alta mais perto de 5% em 2017.

Muitos economistas se interessam menos em investigar a natureza de um dado processo inflacionário, na medida em que, para eles, só haverá inflação quando houver demanda que a sancione. É certo que os desequilíbrios fiscais têm se acentuado, sustentando, bem ou mal, um impulso de demanda. Mas, a própria elevação da inflação, o aumento do desemprego, as restrições de crédito e a inadimplência — sintomas da recessão — operam em sentido contrário.

Sem falar em episódios de “dominância fiscal”, quando contas públicas deficitárias, na ausência de ajustes que as reequilibrem, impulsionam uma dívida pública que já se encontra em níveis elevados, existem momentos em que pressões de custo se impõem na formação dos preços e a aplicação da política monetária estrita — ou seja, o manejo puro e simples da taxa básica de juros — perde parte da sua eficácia. Dá o que pensar, nesse sentido, o fato de que, de abril de 2013 até hoje, os juros decididos pelo Banco Central subiram de 7,5% ao ano até os atuais 14,25%, no mesmo período em que a inflação, medida pelo IPCA, escalou, mês a mês, de 6,5% a 10,48%, no acumulado em 12 meses.

Não é ilegítimo “ler” a inflação brasileira dos tempos atuais como reflexo dos ajustes pelos quais, aos trancos e barrancos, a economia está passando. A variação do IPCA em 2015 revela uma característica muito evidente em que predomina a recomposição de preços administrados antes represados, incluída entre eles a taxa de câmbio. Choques de oferta, acidentais ou sazonais, principalmente em alimentos de ciclo curto de produção — tomate, batata etc — completam o retrato.

Aumentos fortíssimos nas tarifas de energia e nos combustíveis — quase 20% até agora para o grupo, com destaque para reajuste de 50% nas tarifas de energia —, combinados com altas nos preços de insumos importados afetados pelo dólar mais caro — mais 40% no ano —, pressionaram os custos. Com isso, as margens se estreitaram, forçando redefinições internas nos setores de produção, com tendência à redução da competição pelo fechamento de negócios e a defesa dos preços pelos concorrentes remanescentes. O que pode explicar a lentidão prevista para o recuo da inflação nos próximos anos. ________ A coluna volta dia 12 de janeiro. Feliz Natal e um 2016 — sim, por que não? — repleto de realizações!