O globo, n. 30076, 11/12/2015. Opinião, p. 21

Um brasileiro

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Guga é uma celebridade internacional mas deixa clara a sua nacionalidade.

Há 15 anos, em dezembro de 2000, Guga chegou à posição de número 1 do ranking mundial de tênis depois de vitórias espetaculares sobre Agassi e Sampras e da conquista da Masters Cup. Hoje, queria falar um pouco sobre ele. O Brasil atravessa grave crise de confiança, de autoconfiança e a descrença é generalizada, na economia, na política e no próprio país. Precisamos, mais do que nunca, nos lembrar dos grandes brasileiros. Dos nossos esportistas e artistas, por exemplo.

Eu também poderia escrever sobre Marília Pêra, que acabamos de perder. Guardo uma lembrança viva da sua atuação em peças como “Master class” e “Mademoiselle Chanel”, em que ela representou de maneira brilhante outras duas grandes artistas: a grega Maria Callas e a francesa Coco Chanel. Mas prefiro falar do Guga, que conheço pessoalmente.

É que ele é casado há cinco anos com a minha filha mais velha, Mariana. Na verdade, Mariana é minha enteada. Mas a considero como filha. Dois dos meus netos são filhos dela e do Guga.

Os familiares e amigos do Guga sabem que há uma correspondência total entre o Guga, figura pública, e o Guga da vida diária. Todas as qualidades que o público em geral reconhece nele — a delicadeza, a generosidade, a integridade, o humor, a descontração, o respeito e o cuidado com os outros, entre outras — tudo isso está claramente presente no Guga com quem passei a conviver nos anos recentes.

Não é de estranhar. Dizia Lincoln: “Pode-se enganar todos por algum tempo, alguns o tempo todo, mas não se consegue enganar todos o tempo todo”. É muito difícil, provavelmente impossível, projetar uma imagem pública, e sustentá-la ao longo do tempo, sem que ela corresponda ao que a pessoa realmente é.

Guga publicou recentemente um livro sobre a sua trajetória, que inclui capítulo fascinante sobre a conquista de 15 anos atrás e as partidas que o levaram a isso. O livro se chama: “Guga — um brasileiro”. Repare, leitor, no subtítulo. Poucos brasileiros são tão conhecidos no exterior. Ainda na semana passada, participei de um painel em Tóquio. O moderador japonês do debate, que conheço há muitos anos, resolveu me apresentar como “sogro de Gustavo Kuerten, o Guga, três vezes vencedor de Roland Garos”. Foi um sucesso.

Pois bem, essa celebridade internacional faz questão de se autodesignar “um brasileiro”. Por muito menos, simplesmente por ter viajado ou vivido algum tempo no exterior, muitos brasileiros preferem se declarar “cidadãos do mundo” e renegar, ou deixar em segundo plano, a sua nacionalidade...

Diversas partes do livro transcendem o tênis. Vale pensar, por exemplo, no que ele diz sobre como lidar com derrotas: “Existe pouca coisa pior para um jogador do que duvidar de sua capacidade. Só os obstinados são campeões. Derrotas podem ser compreensíveis, às vezes inevitáveis, mas jamais aceitáveis. (...) É bobagem essa história de que é na derrota que se aprende a ganhar. Perder uma partida tem, sim, seus ensinamentos e lidar com a frustração é uma lição necessária para todo tenista. Mas no dia em que um jogador se conforma com resultados desfavoráveis, já era, pode pendurar as chuteiras”.

O Brasil não pode pendurar as chuteiras.