Valor econômico, v. 16, n. 3919, 11/01/2015. Brasil, p. A2
Diante do acelerado crescimento das vendas online, que quase dobraram de valor nos últimos três anos, o governo vai elaborar uma proposta de marco regulatório para o comércio eletrônico no país. A iniciativa está em gestação no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
O plano é aperfeiçoar questões ligadas aos direitos dos consumidores, como prazo de entrega de mercadorias e canais de atendimento, mas abordar também assuntos como tributação e remessas de lucros das lojas virtuais. Um dos pontos em análise diz respeito à exigência de registro das varejistas no Brasil e de um CNPJ local.
O ministério avalia que essa nova plataforma de negócios ainda é excessivamente desregulamentada. “Qualquer um pode criar um site e começar a vender seus produtos. Isso tem incomodado, de maneira crescente, os atores do varejo”, afirma o secretário de Comércio e Serviços, Marcelo Maia.
Maia deve receber, até abril, um estudo contratado por meio de convênio com a União Europeia. O trabalho busca mapear todas as regulamentações sobre o e-commerce em três países da UE – Alemanha, Reino Unido e Portugal. As conclusões vão servir como ponto de partida para a elaboração da proposta brasileira.
Para o secretário, há uma necessidade de discutir se as lojas virtuais sediadas em outros países devem ter algum tipo de presença física no Brasil, bem como nivelar as condições tributárias com o varejo tradicional. Outros pontos envolvem diretamente os direitos dos compradores de bens ou serviços online, reforçando ou ampliando o Código de Defesa do Consumidor, em questões como devolução de mercadorias.
“A ideia é sair com essa proposta debaixo do braço e discuti-la dentro do governo e com os integrantes do fórum”, diz Maia. Ele se refere ao Fórum de Competitividade do Varejo, instalado no ano passado para criar um canal de interlocução permanente com o setor, onde a regulação do comércio eletrônico surgiu como um pedido da iniciativa privada.
Não há apoio unânime entre os integrantes do fórum. “Por que regular algo que está dando tão certo no país?”, questiona o economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Luiz Claudio de Almeida. “Em um cenário de crise, em que as vendas do varejo apontam queda de 5% a 7% no último Natal, o comércio eletrônico experimentou um crescimento de 26% na comparação com 2014”, compara Almeida, mencionando dados para o período compreendido entre 15 de novembro e 24 de dezembro.
Na avaliação da CNC, criar exigências para empresas online sediadas no exterior pode ser inócuo e o governo deveria se concentrar em apenas dois aspectos que têm espaço para aperfeiçoamentos: os canais de atendimento ao consumidor e a proteção de dados pessoais. Para o economista da entidade, a boa reputação nas práticas comerciais é um ativo das lojas online. “Se as empresas não se autorregularem dentro das melhores práticas e respeitando as expectativas do consumidor, elas serão alijadas do mercado. É um tiro no pé”, ressalta Almeida, lembrando a ascensão e queda vertiginosa dos sites de compras coletivas, que acumularam problemas com os bens e serviços vendidos no mundo virtual.
Já o presidente da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, Ludovino Lopes, apoia a iniciativa do governo. Para ele, é preciso aumentar o ambiente de segurança para empresas e consumidores nas transações online. “O empresariado lida muito bem com os riscos do negócio, mas não com a insegurança jurídica.”
Lopes observa, no entanto, que não vai ser fácil construir um marco regulatório e pede flexibilidade nas discussões. Ele pega somente um aspecto que deve entrar na pauta para ilustrar a dificuldade de criar regras únicas. Ao falar sobre os prazos de entregas agendadas, por exemplo, cita a necessidade de se levar em consideração desafios como restrições no trânsito de grandes cidades (muitas impedem a circulação de caminhões em determinados horários) e violência urbana (há bairros em que a chegada de entregadores pode ser complicada). “São temas extraordinariamente técnicos, com muitos detalhes e que precisam ser endereçados adequadamente para que não haja regras inviáveis”, afirma Lopes. “Precisa ser uma discussão bastante aberta e transparente.”
Em 2015, segundo estimativas da E-bit/Buscapé, o comércio eletrônico teve faturamento de R$ 41,2 bilhões no Brasil – houve evolução de 83% em três anos.
Desde o dia 1º de janeiro, entrou em vigência a nova fórmula de distribuição do ICMS recolhido sobre as operações de comércio eletrônico, que passaram a destinar 40% do tributo arrecadado para o Estado de destino. Essa proporção subirá gradativamente até chegar a 100% em 2019. No entanto, uma decisão do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) tomada no mês passado resolveu dar mais seis meses para o início da fiscalização punitiva a quem descumprir a regra. Até o fim de junho, a fiscalização será de “caráter exclusivamente orientador”, conforme a decisão do Confaz.