‘Imprensa garante democracia’, diz ministra

 

 

Ricardo Chapola e Ana Fernandes

O Estado de São Paulo, n. 44559, 17/10/2015. Política, p. A8

 

Cármen Lúcia, vice-presidente do STF, foi homenageada ontem em São Paulo

A ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, fez ontem uma defesa enfática da liberdade de imprensa e de expressão e criticou qualquer tipo de propostas que tenham como objetivo final o controle dos veículos de comunicação.

“A palavra exposta pela imprensa garante a democracia de cada ser humano”, afirmou Cármen Lúcia, ao receber, na manhã de ontem, em São Paulo, o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa, iniciativa da Associação Nacional de Jornais (ANJ).

A ministra disse também ter “muito medo” de propostas de regulamentação da imprensa por já ter sido censurada no passado. “Tenho muito medo dessa história de regulamentar. Fala-se em regulamentar, daqui a pouco se está cerceando, e eu sou de uma geração que sofreu muito com a mordaça na imprensa”, disse. “Esse negócio de regulamentação me apavora, já vivi calada por muito tempo. Não fui feliz e lutei para acabar com isso. Portanto, esse negócio de regulamentar…. Deixa que a imprensa sabe dela. Eu não quero saber disso”.

Cármen Lúcia recebeu o prêmio das mãos do presidente da ANJ, Carlos Fernando M. Lindenberg Neto, e do vice, Francisco Mesquita Neto, que também é diretor-presidente do Grupo Estado. A cerimônia, realizada no auditório do Grupo Estado, também contou com a presença do secretário estadual de Justiça, Aloísio de Toledo Cesar, e do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, Marcos da Costa.

A ministra dedicou o prêmio aos professores, que comemoraram o dia da profissão anteontem. Ela disse ter recebido a homenagem com carinho e também constrangimento, por serem ela e o Judiciário sempre devedores da sociedade em tentar dar conta de todos os processos que chegam envolvendo também a questão da liberdade de expressão. “Isso que chamamos de liberdade de imprensa é a libertação de velhas ideias, de velhos sentimentos,em que a imprensa nos puxa pela mão e nos ajuda”, disse a ministra ao agradecer o trabalho de todos os jornalistas.

Segundo a ministra, em vez de receber a honraria, ela gostaria de ter um prêmio para conceder aos jornalistas. “Eu não teria sido capaz de levar a bom termo meu mandato como presidente do Tribunal Superior Eleitoral nas eleições de 2012 se não fosse o trabalho dos jornalistas”, afirmou.

Biografias. A ministra foi premiada principalmente pelo seu posicionamento contrário à necessidade de autorização prévia para a publicação de biografias. Ela foi relatora de Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o tema no Supremo.

Em seu voto, proferi do em junho deste ano, Cármen Lúcia fez uso das lembranças infantis para desferir um duro ataque ao que chamou de censura: “Na ciranda de roda da minha infância, alguém ficava no centro gritando: ‘cala a boca, já morreu, quem manda na minha boca sou eu’”, disse.

Ontem, ela reiterou sua posição: “A liberdade de imprensa garante a democracia por que garante cada ser humano e não apenas a sociedade como um todo”, afirmou.

A ministra também fez comentários sobre o atual momento da economia e da política do País. “Tenho para mim que as dificuldades do Brasil de hoje, que são muitas, e que fazem nós estarmos num Estado Democrático de Direito em sofrimento, serão uma oportunidade de todos nós nos unirmos”, disse.

Entendimento. Cármen Lúcia pregou a união como forma de o País superar a crise. “Neste momento de crise, vejo muita raiva. Ao invés de discussões, vejo reclamações. É um momento em que devemos ter clareza do que queremos e de como fazer para conseguir o que queremos. Queremos um Brasil justo para todo mundo”, afirmou.

Depois de receber o prêmio, a ministra foi breve ao tratar de assuntos relativos ao Supremo, mas não deixou de comentar a decisão desta semana dos ministros Teori Zavascki e Rosa Weber que travou o rito de um eventual processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

“O Brasil pode ter a mais absoluta segurança de que nós não interferimos em nada que não seja a obrigação do Supremo, de dar cumprimento à Constituição. Tudo que seja dos outros Poderes, nós não entramos. As decisões foram tomadas pelos ministros, com toda certeza, considerando o que está na Constituição.” O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ainda estuda recorrer das decisões dos ministros do STF. As liminares foram concedidas na última terça-feira.