O globo, n. 30081, 16/12/2015. País, p. 6

Sem manobras, processo de cassação avança na Câmara

 

Conselho de Ética aprova investigação por quebra de decoro.

-BRASÍLIA- Dois meses após a apresentação da denúncia e depois de sete adiamentos, o Conselho de Ética da Câmara aprovou ontem, por 11 votos a9, a abertura de investigação contra o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por quebra de decoro parlamentar. Só no próximo ano, no entanto, é que o processo terá andamento. Ainda na sessão de ontem, aliados de Cunha anunciaram que irão recorrer da decisão e que o processo poderá até voltar à estaca zero. As manobras regimentais da tropa de choque de Cunha, que incluíram até a destituição do primeiro relator, foram abandonadas no final da manhã, quando os deputados retiraram pedidos de adiamento da votação e o parecer do deputado Marcos Rogério (PDT-RO) foi aprovado.

O argumento será o de que o conselho não concedeu novo prazo de vista e discussão depois que Marcos Rogério apresentou seu relatório. Ao dizer que a decisão é nula e que recorrerá ao Supremo Tribunal Federal alegando cerceamento de defesa, Cunha ironizou:

— Todo mundo que tem mínimo conhecimento de regimento desta Casa sabe que fizeram um jogo para a plateia, para, na hora que anularem, dizer que é manobra minha para protelar. Parece que são meus aliados e que dão essas decisões tão equivocadas que me permitem anulá-las. Mas não são.

A representação se baseia na denúncia feita pelo Ministério Público contra Cunha por envolvimento na Operação Lava-Jato e na acusação de que ele mentiu à CPI da Petrobras ao dizer que não tinha contas no exterior. A Procuradoria-Geral da República apresentou documentos, cedidos pelo Ministério Público da Suíça, que contradizem esta afirmação. Aliados do deputado sustentam que Cunha omitiu informação de que é beneficiário de trusts no exterior, mas que isso não é caso para cassação do mandato.

O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-BA), está seguro de negar novo prazo de vista:

— Usei a questão de ordem dele (Cunha), uma decisão dele de março deste ano. O precedente é dele e possibilitou isso. Não voltará à estaca zero. REPRESENTAÇÃO CONTRA DELCÍDIO A primeira tentativa de notificar Cunha acontecerá hoje. Depois de notificado, ele terá 10 dias para apresentar sua defesa. O prazo terminará após o dia 22 de dezembro, último dia de trabalhos na Casa este ano. O relator Marcos Rogério só pode iniciar a investigação após a entrega da defesa, mas adiantou que chamará representantes da Receita Federal e do Banco Central para testemunhar.

— Avançamos para a análise do mérito. Se vai se configurar quebra de decoro, só a investigação dirá — disse o relator.

Ao contrário de outras reuniões, quando deputados bateram boca e até se estapearam, ontem a sessão foi um pouco mais tranquila. Os aliados de Cunha, no entanto, não escondiam a perplexidade com a situação de busca e apreensão em sua casa.

— Como vai votar com a PF na porta?! — comentou o deputado Carlos Marun com o colega Manoel Júnior (PMDBPB), antes da sessão começar.

Para o advogado de Cunha, Marcelo Nobre, a operação da PF mostra que não há provas contra seu cliente. Marun recorreu da decisão do Conselho à Mesa Diretora da Casa. Entre os votos contra Cunha estão os dos deputados Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e Paulo Azi (DEM-BA), que chegaram a ser considerados parlamentares a favor de Cunha pelos aliados do presidente.

Depois de duas semanas de adiamento, o presidente do Conselho de Ética do Senado, João Alberto (PMDB-MA), aceitou ontem representação contra o senador Delcídio Amaral (PT-MS), preso na LavaJato. Mas João Alberto também acatou denúncia contra o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) por uma denúncia de suposto ato de corrupção em 1999. Radolfe, que é autor do pedido contra Delcídio, disse que o processo é uma retaliação.

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Intelectuais e 50 deputados querem afastamento

 

Acadêmicos pedem saída de Cunha a Janot por ‘manobras’ contra Dilma.

-RIO E BRASÍLIA- Um grupo de acadêmicos e intelectuais entrou com um pedido na Procuradoria-Geral da República, na segunda-feira, para pedir o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), do cargo. No documento, o grupo afirma que Cunha usa suas atribuições para conduzir o desgaste político da presidente Dilma Rousseff, e para obstruir as investigações das quais é alvo, no Ministério Público Federal e no Conselho de Ética da Casa. Ontem, 50 deputados de oito partidos protocolaram uma carta aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) em que listam ações de Cunha e fazem um apelo para que ele seja imediatamente afastado da função.

O grupo de deputados — 29 do PT, oito do PCdoB, cinco do PSOL, três da Rede, dois do PSB, e um de PPS, PR e PROS — alega que Cunha vem agredindo seguidamente a Constituição.

“O apelo que fazemos às Vossas Excelências, pela intervenção do STF para afastar cautelarmente o deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara, sem prejuízo de outras iniciativas cabíveis, visa a assegurar procedimentos legislativos garantidores do cumprimento da Constituição, vale dizer, da proteção de direitos fundamentais, fruição da Justiça e resguardo da democracia e das instituições”, diz a carta.

Já o pedido dos intelectuais afirma que a situação de Cunha se agrava com o fato de ele usar sua posição para aprofundar o desgaste político da presidente, eleita democraticamente. Aliado às investigações contra ele, esse seria, na visão dos acadêmicos, um dos fatores que tornam as “manobras regimentais” de Cunha cada vez mais claras para todos. “Trata-se de vendeta contra a moralidade do povo, da Justiça e da própria Câmara que, ao assim presidi-la, a desonra e aos seus colegas congressistas também”, diz o manifesto.

O grupo argumenta que usar a posição para defender interesses privados é abuso de poder e fere a Constituição. “Sua atuação como presidente da Câmara parece legal, cheira a legal, mas é profundamente ilegal”.

Os intelectuais pedem ao procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, uma iniciativa: “Diante das ilegalidades praticadas, vislumbra-se a necessária e urgente atuação. A hora chegou, senhor Procurador. A democracia tem pressa”.

Assinam o documento os membros da Academia Brasileira de Letras Candido Mendes de Almeida, Evaristo de Morais Filho e Marco Americo Lucchesi; os professores da USP Sérgio de Moraes Sarmento, André Singer, Maria Hermínia Brandão Tavares, Emilia Viotti (emérita), Antônio Cândido (aposentado); a filósofa Marilena Chaui, a médica Margareth Dalcomo, a psicanalista Constança Hertz, além de Ricardo Rezende, padre e professor da UFRJ.