O globo, n. 30081, 16/12/2015. País, p. 8

Operação é ‘revanchismo’ do PT, que ‘assaltou’ o país, diz Cunha

 

Peemedebista relaciona ‘operação contra PMDB’ ao impeachment.

-BRASÍLIA- Principal alvo da Operação LavaJato ontem, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), adotou a estratégia de se defender atacando. Apesar de ter dito que não está “nem um pouco preocupado” com os mandados de busca e apreensão cumpridos pela PF em seus imóveis do Rio e de Brasília, ele acusou o governo de “revanchismo” e disse considerar “muito estranho” que a operação tenha ocorrido no dia da sessão do Conselho de Ética e às vésperas de o Supremo Tribunal Federal (STF) se pronunciar sobre o rito do impeachment. Cunha também criticou o fato de políticos do PT não terem sido alvo da operação:

— Isso tudo causa muita estranheza a todos nós, de repente assistir a uma operação no dia do Conselho de Ética, às vésperas da decisão do processo de impeachment, uma operação concentrada no PMDB. A gente sabe que o PT é o responsável pelo assalto que aconteceu no Brasil e na Petrobras, todo dia tem a roubalheira do PT sendo fotografada e, de repente, fazem uma operação com o PMDB. Tem alguma coisa estranha no ar — atacou o presidente da Câmara.

Cunha, no entanto, disse ser “natural” que haja retaliação do governo contra ele, já que é o maior desafeto do Planalto, sobretudo depois que acolheu o parecer de impeachment da presidente Dilma Rousseff elaborado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal:

— Eu sou o desafeto do governo, todos sabem disso, e agora mais ainda, na medida em que dei curso ao processo de impeachment. Nada mais natural do que o governo agora buscar o seu revanchismo.

Durante toda a manhã de ontem, circulou um boato no Salão Verde da Câmara de que Cunha poderia renunciar. Ele negou com veemência essa possibilidade:

— Não tem a menor hipótese. De jeito nenhum — disse, acrescentando: — Minha consciência está tranquila, eu sou absolutamente inocente.

O peemedebista voltou a defender que o PMDB saia do governo “o mais rápido possível”:

— Acho que o PMDB tem que decidir rapidamente a saída desse governo, o mais rápido que ele puder.

Ao classificar a operação como ato de “revanchismo”, Cunha acusou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de participar de reuniões secretas em Curitiba, onde está a força-tarefa da Lava-Jato:

— O que foi fazer o ministro José Eduardo Cardozo em Curitiba para ter reuniões lá no meio da madrugada? São coisas muito estranhas que acontecem neste governo.

Cunha reforçou que acorda “às 6h da manhã” e que sua porta “estaria aberta” para os investigadores. E voltou a dizer que foi escolhido para ser investigado.

— Eu fui escolhido para ser investigado, todos sabem disso – afirmou.

Cunha também tentou atacar a PF e o Ministério Público Federal:

— É sinal que eles não têm prova, têm que colher alguma — disse, sobre a ida de agentes aos seus imóveis.

No Rio, o prefeito de Nova Iguaçu, Nelson Bornier (PMDB), aliado de Cunha, disse que não é citado nas investigações e nos depoimentos da Lava-Jato. Ela nega qualquer envolvimento em irregularidades investigadas pela operação.

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Guerra nas estrelas

 

ANCELMO GOIS

A galera estava interessada mesmo era em Cunha, nosso Darth Vader.

Acredite. Em qualquer um dos 193 países que formam a ONU, a ação da Polícia Federal, ontem, em Brasília, contra Cunha & Cia. teria impacto equivalente ao disparo daquela arma da série “Guerra nas estrelas”, a Estrela da Morte, capaz de destruir um planeta. No Brasil, não. Explosões desse tipo viraram rotina ultimamente. Ocorrem pelo menos duas vezes por semana. Não chegamos ao fundo do poço porque, no país de Dilma e Cunha, o fundo do poço é um fundo falso.

Houve 53 mandados de busca e apreensão — inclusive em endereços nobres de dois ministros, Henrique Alves e Celso Pansera, e de um ex, Edison Lobão. Só que a galera, ontem, estava interessada mesmo era em Eduardo Cunha, nosso Darth Vader. Porém, ao contrário do personagem da série de sucesso, o brasileiro deixou cair a máscara com a revelação da existência de contas na Suíça.

Mas Vader e Cunha têm mais coisas em comum do que a maldade: são impenetráveis e incapazes de demonstrar temor, embora Cunha, ontem, em frente à TV, pela primeira vez, tenha coçado a parte superior dos lábios — um gesto nervoso comum, mas só entre os humanos.

Com a cara de pau de sempre, o presidente da Câmara reagiu dizendo que era vítima do PT por ter aberto, há duas semanas, o processo de impeachment da presidente. Aliás, colocar a questão como um duelo entre Cunha e Dilma é também tudo que o governo pediu a Papai Noel.

O alto comissariado petista acha que ser adversário de um deputado com má fama ajuda a esconder o desgoverno, que ainda ontem colheu só 9% de aprovação numa pesquisa do Ibope. Mas nem tudo que reluz é ouro, e nem tudo que é contra Cunha, também.

Aliás, o deputado fluminense não é usado só pelo PT para esconder o fracasso do governo Dilma. Entre os que querem a cabeça da presidente, tem gente envergonhada torcendo para que o presidente da Câmara se mantenha impune para continuar atazanando o Palácio do Planalto. Um desses sem vergonha justifica: “Cunha é o passageiro. O problema é a motorista!”, numa referência a Dilma. Só que há passageiros e passageiros. O do filme “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia”, de 1976, por exemplo, era um ladrão.

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Polícia Federal encontra na casa do deputado, no Rio, táxi de acusado de receber propina

 

Deputado diz que ‘aluga veículo para prestar serviços gerais’; Altair Pinto trabalhou na Alerj.

Na garagem da casa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em um condomínio da Barra da Tijuca, os agentes da Polícia Federal encontraram um táxi que pertence a Altair Alves Pinto, apontado por um delator da Operação Lava-Jato como um “carregador de malas" do deputado a quem teria sido entregue parte da propina paga a ele.

O táxi, um Volkswagen Touareg branco, de 2013, tem autonomia de Nilópolis, na Baixada Fluminense. A placa LSM 1530 traz o mesmo número que Cunha usou em sua eleição para deputado federal, em 2014. O valor de um veículo do mesmo modelo, zero quilômetro, está na faixa de R$ 248 mil.

De acordo com a denúncia oferecida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Altair recebeu propina referente à construção dos navios-sonda Petrobras 10.000 e Victória 10.000. Os lobistas Júlio Camargo e Fernando Baiano e o doleiro Alberto Yousseff acertaram o mecanismo do pagamento, e, segundo Janot, Cunha pediu que o montante fosse entregue a Altair no escritório mantido pelo deputado no Centro do Rio.

O escritório também foi um dos alvos dos mandados de busca e apreensão cumpridos pela PF ontem. “PESSOA DE CONFIANÇA”

Em depoimento à PF, Baiano disse que Altair recebeu entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão, em outubro de 2011. O montante fazia parte da propina de US$ 5 milhões que teria Cunha como destinatário, segundo Baiano. “Que Altair aparentava ser um assessor ou uma pessoa de confiança (de Cunha), até mesmo porque todos os valores entregues no escritório (do presidente da Câmara) foram para Altair”, disse Baiano no acordo de delação premiada.

Na ocasião do depoimento de Baiano, Altair ocupava um cargo na Assembleia Legislativa do Rio. Ele era assessor para assuntos parlamentares do deputado Fábio Silva (PMDB), aliado de Cunha, e recebia salário líquido mensal de R$ 7,6 mil. Altair não exerce mais a função. Ele também foi funcionário de Cunha na Alerj, no início dos anos 2000.

O táxi coleciona multas. A mais recente, de agosto, foi por transitar em faixa exclusiva para ônibus, em Copacabana. Há ainda infrações por excesso de velocidade. Em nota, Cunha informou que “eventualmente, aluga o veículo para prestar serviços gerais”. Ontem, Altair não foi encontrado em casa. Uma pessoa que se identificou como faxineiro afirmou que ele havia saído de manhã e ainda não tinha voltado.

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Afastamento cabe ao plenário do STF

 

O afastamento do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara depende, basicamente, da reunião de provas de que o deputado usa o cargo para atrapalhar as investigações em curso no Supremo. Esses elementos vêm sendo buscados pela Procuradoria-Geral da República, a quem cabe fazer o pedido de afastamento.

A decisão de afastar Cunha, para ser referendada, precisa de aprovação do plenário do STF, e não de uma das turmas do tribunal, uma vez que Cunha é presidente da Câmara. Na PGR, há a interpretação de que a constante interferência do deputado no Conselho de Ética, onde um processo pode recomendar sua cassação, é motivo para afastamento, à medida que impede o surgimento de novas provas.

Já a prisão do deputado depende da constatação de crime em flagrante. Foi essa a alegação para a prisão preventiva do senador Delcídio Amaral (PT-MS), durante o exercício de seu mandato. A PGR alegou que o senador integrava organização criminosa, como se constatou pelas tentativas de atrapalhar as investigações da Lava-Jato, juntamente com outros suspeitos.

A prisão é preventiva quando a Justiça entende haver necessidade de garantir a ordem pública ou a ordem econômica, de forma a impedir que o investigado fuja ou continue praticando crimes. O plenário da Câmara precisa referendar a prisão, a exemplo do que fez o plenário do Senado após a detenção de Delcídio.