O globo, n. 30081, 16/12/2015. Economia, p. 27

Meta fiscal mais perto de zero

 

Dilma envia ao Congresso proposta que reduz superávit de 0,7% para 0,5% do PIB em 2016.

Apesar dos apelos do ministro Joaquim Levy, a presidente Dilma encaminhou ao Congresso proposta para reduzir a meta fiscal do ano que vem de um superávit de 0,7% para 0,5% do PIB. Além disso, há a possibilidade de abatimentos que permitirão ao governo nada economizar para o pagamento de juros da dívida. A decisão amplia o desgaste de Levy. O ministro dissera que era inconveniente reduzir a meta. Analistas afirmam que a nova meta pode acelerar rebaixamento do país. A presidente Dilma Rousseff contrariou os apelos do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e os alertas do mercado financeiro, e encaminhou ontem ao Congresso proposta para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016 e reduzir a meta fiscal do ano que vem. A ideia é que o valor economizado pelo setor público para pagar juros da dívida pública (superávit primário) caia de R$ 43,8 bilhões, ou 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), para R$ 30,58 bilhões, ou 0,5% do PIB. Para o governo federal, o número baixaria de R$ 34,4 bilhões, ou 0,55% do PIB, para R$ 24 bilhões, ou 0,4% do PIB. Além disso, foi colocado no texto um mecanismo que, na prática, pode fazer com que não seja poupado nenhum centavo para pagar juros em 2016.

Foi proposta uma cláusula pela qual o governo poderia abater o equivalente a R$ 30,58 bilhões do resultado primário se houver frustração de receitas em relação ao que foi previsto na Lei Orçamentária. Também poderiam ser descontadas despesas com restos a pagar processados de investimentos, ações de vigilância sanitária, combate a endemias, reforço do Sistema Único de Saúde (SUS), ações de combate à seca, de segurança hídrica, e de mitigação dos efeitos e recuperação de áreas afetadas por desastres. Assim, no limite, o esforço fiscal para pagar juros da dívida pública seria zero. Como o país teve déficit fiscal primário em 2014 e terá este ano, seria o terceiro ano seguido em que o setor público não economizaria nada para reduzir a dívida.

Analistas do mercado financeiro já haviam alertado que, sem um esforço fiscal no ano que vem, dificilmente o Brasil escapará de novo rebaixamento de sua nota de crédito que, agora, tende a ser acelerado. A LDO seria votada no plenário do Congresso ontem, mas a votação foi adiada para hoje.

Dilma optou pela redução da meta depois de ser alertada pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, pela base aliada e pelas pastas da área social de que a meta fiscal de 0,7% do PIB poderia agravar a recessão e ainda sacrificar o Bolsa Família. O relator do Orçamento de 2016, deputado Ricardo Barros (PP-PR), já havia anunciado que cortaria R$ 10 bilhões do programa para garantir o esforço fiscal previsto na LDO. Foi exatamente esse o tamanho da redução da meta do governo federal. Além disso, a presidente não quis perder o apoio da base num momento em que enfrenta um processo de impeachment.

A decisão, no entanto, transformou Levy numa voz isolada no governo. O ministro, que chegou a ameaçar sair do cargo caso o superávit caísse, começou o dia ontem afirmando que a redução da meta de 0,7% seria inconveniente e classificou como um equívoco que o debate em torno do superávit primário de 2016 se misturasse com o orçamento do Bolsa Família:

— Acho ela (possibilidade de reduzir a meta) inconveniente e um equívoco essa mistura da meta por causa do Bolsa Família. A meta é a meta. Bolsa Família é Bolsa Família — disse Levy, que insistiu no assunto mesmo sabendo que o Palácio do Planalto já estava preparando um texto para encaminhar ao Congresso.

Imediatamente, fontes do Planalto reagiram afirmando que a meta seria reduzida para preservar o Bolsa Família, que é um programa de grande importância, e que falar em “equívoco” era uma posição isolada de Levy. Depois disso, o ministro se recolheu, mas fez questão de dizer a interlocutores que não foi ouvido sobre a redução da meta. A presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), Rose de Freitas, que se reuniu com o ministro no fim da tarde, disse que ele não foi consultado:

— O governo tem uma maneira de agir que nos deixa numa posição muito incômoda. Você tem de discutir superávit com o ministro. Eu perguntei a ele (Levy) se tinha participado de alguma reunião sobre mudança de superávit. Ele disse que não tinha participado de nenhuma — disse a senadora.

Ironicamente, a redução da meta foi encaminhada ao Congresso no mesmo dia em que a casa aprovou o projeto de repatriação de recursos uma das medidas que Levy vinha apontando como uma fonte de receita importante para garantir a meta de 0,7%. A proposta deve render R$ 21 bilhões aos cofres públicos. As consequências da redução da meta para Levy provocaram preocupação no Planalto. Por isso, os ministros da Casa Civil, Jaques Wagner, e da Secretaria Geral da Governo, Ricardo Berzoini, chamaram o colega da Fazenda para uma conversa na tentativa de explicar o motivo da redução.

— Foi dito a ele a dificuldade que o governo encontra no Congresso em relação ao processo de impeachment — contou um interlocutor.

Segundo essa fonte, os ministros pediram compreensão ao colega. Levy também conversou com Dilma. O ministro, segundo o relato, estava muito irritado, mas ficou de pensar e refletir. A insistência de Levy em manter a meta de superávit primário em 0,7% foi avaliada por uma parte do governo como um fator de constrangimento e um pretexto para deixar o cargo. Ninguém, no entanto, arriscou dizer se ele vai mesmo cumprir a ameaça. À noite, Levy decidiu a agenda de quarta-feira normalmente.

— Vamos aguardar a reação dele — disse o interlocutor.

Para fortalecer a posição do Planalto sobre a meta, Dilma escalou Wagner e Berzoini para negociar com o Congresso. Coube a Wagner falar com Rose de Freitas e com a senadora Gleisi Hoffmann. Berzoni, por sua vez, foi incumbido de conversar com Ricardo Teobaldo (PTB-PE).

Já o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que participou de audiência pública no Senado, alertou sobre os riscos de o ajuste fiscal ser adiado, o que poderia comprometer a recuperação da economia. Ele defendeu ainda uma meta crível para 2016. Nos bastidores da equipe econômica, Tombini não tem se comprometido com um número específico. Ele teria defendido que um valor positivo seja estabelecido e cumprido para que não seja arranhada novamente a credibilidade do país e isso agrave ainda mais a crise atual.

— Devo destacar a importância de que seja aprovada uma meta de resultado primário superavitária e crível para 2016, como passo fundamental para a redução das incertezas em relação à evolução da política fiscal no país e para o fortalecimento da perspectiva de consolidação fiscal — disse Tombini no Senado. NA JUSTIFICATIVA, RECURSOS AO SUS E MICROCEFALIA No Congresso, Levy articulou com parlamentares que apoiam a meta de 0,7% do PIB que a LDO seja votada na quarta-feira, mantendo o número original. Ricardo Barros, que faz parte da tropa, já aceitou reduzir o corte no Bolsa Família de R$ 10 bilhões para R$ 5 bilhões e está estudando de onde tirar os outros R$ 5 bilhões.

Na justificativa para reduzir a meta, assessores do governo dizem que “nesse cenário, a própria meta precisa passar por revisões”. O texto ainda cita o combate aos casos de microcefalia, por causa do zika vírus: “as alterações propostas também visam a garantir recursos para o combate a endemias e reforço ao SUS. Isso se justifica pelo surto de microcefalia”.

A emenda será defendida pelo líder do governo na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que sempre defendeu uma meta menor, como o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.