O globo, n. 30074, 09/12/2015. País, p. 8

Temer também assinou três decretos das ‘pedaladas fiscais’

 
MARIANA SANCHES CRISTIANE JUNGBLUT

Vice-presidente liberou verba que é alvo de pedido de impeachment.

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- Caso sirvam de argumento para o impeachment da presidente Dilma Rousseff, as “pedaladas fiscais” podem ameaçar também seu sucessor direto, o vice Michel Temer. Entre 2014 e 2015, Temer assinou pelo menos três decretos autorizando créditos suplementares para diversos órgãos do Poder Executivo, estados e municípios. Temer liberou, sem o consentimento do Congresso, como exigido por lei, cerca de R$ 8 bilhões.

Os documentos se referem a novembro de 2014 e maio de 2015, subscritos por Temer na ausência de Dilma do país, e são semelhantes aos decretos da presidente apelidados de “pedaladas fiscais” que justificaram a abertura de processo de impeachment contra ela, como informou ontem o jornal “O Estado de S. Paulo”.

DISCUSSÃO JURÍDICA E POLÍTICA Juristas e políticos discutem se as “pedaladas” podem ensejar o impedimento de Dilma. A Lei do Impeachment, de 1950, determina que um presidente estará sujeito à cassação se “ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal”, caso em que foram enquadradas as “pedaladas”.

No entanto, a Constituição de 1988 menciona apenas “crime de responsabilidade contra a lei orçamentária”, sem especificar quais são as infrações passíveis de punição. Para o governo, a presidente não pode ser responsabilizada pelo que consideram ser apenas uma manobra contábil. Oposicionistas defendem que ela violou a lei orçamentária. Qualquer que seja a tese vencedora, no entanto, ela deverá ser aplicada também ao vice-presidente.

— Essa história não tem nada a ver com crime de responsabilidade, mas se isso for usado para derrubar Dilma, o Temer está dentro também. Peço o impeachment dele no dia seguinte — afirmou o ex-ministro da Fazenda, Ciro Gomes.

Diante da notícia de “pedaladas” de Temer, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) enviou ao Tribunal de Contas da União pedido para que a Corte analise se Temer cometeu irregularidade em relação à lei orçamentária. Dias disse que sua iniciativa é pessoal e não partidária e que entende que Dilma e Temer devem estar submetidos ao mesmo crivo:

— Temos que ter coerência — disse Álvaro Dias.

Já o jurista Hélio Bicudo, autor do pedido de impeachment, se recusou a opinar sobre a situação de Temer e um eventual novo pedido de impeachment:

— Não vou falar sob hipóteses. Se o vice assumir, veremos.

Por meio da assessoria, Temer diz que apenas cumpria formalidades e não era responsável pela política econômica. “Nas interinidades em que exerce a Presidência da República, o vice-presidente age apenas, formalmente, em nome da titular do cargo. Ele deve assinar documentos e atos cujos prazos sejam vincendos no período em que se encontra no exercício das funções presidenciais. Ele cumpre, tão somente, as rotinas dos programas estabelecidos pela presidente ”.

____________________________________________________________________________________________________________________

Queixas em carta viram memes

 

MARCO GRILLO

Vice-presidente é satirizado nas redes sociais.

Ovice-presidente Michel Temer passou a ser alvo de uma série de piadas na internet assim que o conteúdo da carta que enviou à presidente Dilma Rousseff foi revelado. O texto foi divulgado em primeira mão por Jorge Bastos Moreno, colunista do GLOBO.

— Por que o Temer começou a cartinha citando Harry Potter? — ironizou uma usuária do Twitter.

As brincadeiras não se restringiram à expressão em latim que abre a carta. Uma imagem que mostra o vicepresidente ornamentando uma árvore de Natal foi bastante compartilhada, ironizando o primeiro ponto dos onze elencados por Temer para expôr sua insatisfação com Dilma: “Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo”.

Vários memes passaram a circular, e a hashtag #CartaDoTemer entrou na lista de assuntos mais populares do Twitter ontem.

Outra imagem mostra uma nota musical com a descrição em cima “Mi, Mi, Mi”, ridicularizando o tom da carta, como se fossem lamentações sem justificativa. Houve ainda referências à série do Netflix “House of Cards”, que trata da política nos Estados Unidos, exibindo uma rede extensa de intrigas.

A forma escolhida por Temer para se comunicar com Dilma também não escapou das ironias:

—Tem e-mail, SMS, WhatsApp... Quem é que manda uma carta hoje em dia? — perguntou um internauta.

___________________________________________________________________________________________________________________________________

‘Carta pela legalidade’: Dilma recebe apoio de 16 dos 27 governadores

WASHINGTON LUIZ CATARINA ALENCASTRO

Planalto usou foto de reunião sobre zika vírus para mostrar Alckmin entre os signatários.

-BRASÍLIA- Apesar de ter convidado todos os 27 governadores para ouvir sua defesa contra o impeachment, a presidente Dilma recebeu ontem o apoio de pouco mais da metade dos representantes dos estados para continuar no mandato. Após reunião com a petista, um grupo formado por 16 governadores assinou documento intitulado “Carta pela legalidade”, no qual afirma que não há provas suficientes que justifiquem o processo iniciado na semana passada na Câmara.

“O processo de impeachment, aberto na última quartafeira, carece desta fundamentação. Não está configurado qualquer ato da presidenta da República que possa ser tipificado como crime de responsabilidade”, diz a carta divulgada pelo Palácio do Planalto. Os governantes defendem que o impeachment “só deve ser empregado quando houver comprovação clara e inquestionável de atos praticados dolosamente pelo chefe de governo que atentem contra a Constituição”.

TUCANOS NÃO ASSINAM 

Todos os governadores do Nordeste assinaram o manifesto. Além deles, os de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Roraima, Amapá, Acre, Distrito Federal e Santa Catarina também subscreveram a carta. Segundo o governador do Maranhão, Flávio Dino, haverá um esforço nas próximas semanas para que a carta tenha o apoio de outros governantes:

— Não se trata de defender apenas o governo. É questão muito maior que essa. Nós tememos que essa situação de tumulto inconstitucional que está se criando acabe dificultando que o país encontre o caminho da retomada do crescimento.

Cinco governadores estiveram em Brasília para discutir com Dilma estratégias de combate ao zika e não foram à reunião contra o impeachment: os tucanos Geraldo Alckmin (SP), Marconi Perillo (GO), Simão Jatene (PA) e os peemedebistas Paulo Hartung ES) e Confúcio Moura (RO). Alckmin disse que o processo de impeachment não pode ser considerado golpe:

— O impeachment é previsto na Constituição, e a Constituição não é golpista. Não existe golpe, podem existir teses diferentes, análises. Isso cabe à Câmara analisar. Mas não é golpe.

A página do Palácio do Planalto no Facebook usou uma foto da reunião sobre o zika vírus para noticiar o apoio que a presidente recebeu de governadores. A imagem mostra Dilma rodeada de governantes, como Alckmin, com a legenda: “Governadores divulgam Carta pela Legalidade” e em repúdio ao impeachment. Horas depois, a publicação foi retirada do ar.