Valor econômico, v. 16, n. 3916, 06/01/2016. Finanças, p. C8

Mercado reduz aposta em alta de juro

Serrano, do Haitong: elementos que influenciam as expectativas apontam para risco de inflação para cima e não para baixo
A duas semanas da primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de 2016, o risco de o Banco Central não iniciar um aperto monetário, como prevê o mercado, entrou no radar dos investidores. A aposta majoritária ainda é de uma elevação da Selic, hoje em 14,25% ao ano, de 0,5 ponto percentual. Mas parte dos investidores diminuiu as fichas nessa ideia, o que ajudou a explicar o recuo dos juros futuros de curto prazo.


Parcela do mercado alterou suas previsões a partir de informações publicadas no Valor PRO, serviço em tempo real do Valor, na segunda-feira, chamando a atenção para o fato de que a decisão “está em aberto” e que o recado deixado pelo BC é de que os instrumentos de política monetária serão usados “quando e se o Copom julgar necessário”. Desde a última reunião, quando houve dois votos a favor de uma elevação de 0,5 ponto percentual na Selic, o mercado dava como certo que esse ajuste seria feito na reunião dos dias 19 e 20.


O tamanho da alta de juros projetada para 2016 ainda é elevado, de cerca de 208 pontos-base. Mas no fim do ano passado chegou a ser de quase 260 pontos. Para janeiro, o DI embute uma elevação de 0,455 da taxa, ante 0,608 no fim de dezembro.


“O risco de o BC ter de subir menos o juro aumentou, sim, já que o governo está claramente mais preocupado em reativar a economia. E a consequência de uma sinalização mais fraca na reunião deste mês é o descontrole da expectativa de inflação até para 2017″, diz o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa.


O economista-chefe da ICAP Corretora, Juliano Ferreira, mantém a estimativa de que o Copom subirá a Selic em 0,50 neste mês, mas admite que sua convicção “diminuiu um pouco”. “Depois da coletiva de imprensa do RI [relatório trimestral de inflação] em dezembro, depois de uma série de matérias, conversas com interlocutores… aumentou a suspeita de que o BC possa não dar a alta de juros necessária para retomar o controle das expectativas de inflação”.


Uma mudança de orientação sobre a política monetária, entretanto, tem potencial para gerar instabilidade, alertam profissionais. Afinal, foi o próprio Banco Central que conduziu o mercado, desde a última reunião do Copom, para a expectativa de elevação da Selic. Primeiro, com um placar dividido, com dois votos a favor da alta dos juros em 0,5 ponto. Depois, ao alertar que seria necessário, no mínimo, recompor a taxa de juro real, após as altas de inflação. “Se ele não vai subir o juro, terá de fazer uma comunicação muito bem construída para corrigir a anterior”, diz o operador de um grande banco.


O quadro recessivo e o aumento do desemprego – que conspiram a favor do alívio dos preços à frente – podem ter peso na próxima decisão. Mas há a persistente piora das projeções de inflação como justificativa para as apostas em um aperto monetário. De acordo com o boletim Focus, do BC, a mediana das expectativas do mercado para o IPCA em 2017 chegou a estar em 5,10% em dezembro, já acima do centro da meta, mas subiu mais e agora se encontra em 5,20%.


O desempenho das projeções de inflação nas NTN-Bs traça o mesmo quadro. Os títulos com vencimento em 2018 embutem uma inflação estimada superior a 9%, perto das máximas históricas. Para 2019, o papel aponta para um IPCA de 8,90% e, para 2020, de 8,78%. São níveis de inflação persistentemente elevados para prazos muito longos, fruto da falta de confiança em uma solução fiscal.


“Se olharmos para os elementos que influenciam as expectativas, como a inflação corrente, a política monetária, a atividade e o câmbio, todos eles apontam para um risco de inflação para cima e não para baixo”, diz Flavio Serrano, economista-sênior do Haitong. “Em função de toda a comunicação recente do BC, essa dúvida [se vai elevar ou não a taxa Selic em janeiro] não deveria existir.


Para o sócio-gestor da Modal Asset, Luiz Eduardo Portella, além da inflação, há outro ponto importante a favor da alta de juros: a demonstração de autonomia do BC, em um momento em que o mercado teme uma guinada da política econômica à esquerda. “Essa reunião será um grande teste da autonomia do Banco Central, que pode levar o mercado a acreditar ou não na volta da nova matriz econômica”, diz. “Com a troca no comando da Fazenda, acho que fica muito difícil o BC não subir os juros.”


Já para Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC, a autoridade monetária chegou a um ponto em que não escapará de críticas seja qual for a estratégia de política monetária adotada. Diante disso, caberia ao BC escolher qual estratégia traria menos prejuízos à sua imagem. E Thadeu de Freitas é categórico: o BC não deveria elevar a Selic nem se comprometer com novas altas de juros nos próximos meses.

“O Banco Central precisa se render à realidade”, diz. “A dimensão da recessão é muito maior do que se pensava, não há pressão de demanda e o hiato do produto continua negativo. Qualquer aumento de juros agora só serviria para nos aproximar mais da dominância fiscal e teria pouca ou quase nenhuma eficácia para reduzir de forma consistente a inflação”, afirma.