O globo, n. 30073, 08/12/2015. País, p. 3

‘Desconfiança incompatível’

 

JORGE BASTOS MORENO

Vice-presidente envia carta a Dilma em que lista razões para ressentimento com governo.

A amigos, o vice Michel Temer disse que enviou a carta para não precisar se encontrar pessoalmente com a presidente Dilma Rousseff.

Em carta enviada ontem à presidente Dilma, o vice Michel Temer usa tom duro para desabafar, relacionando 11 episódios em que ela teria demonstrado não confiar nele e no PMDB. “Sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB”, diz o texto, segundo JORGE BASTOS MORENO. A carta elevou a animosidade entre Dilma e Temer, ainda mais afastados desde que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acolheu o pedido de impeachment. Para Temer, a aceitação do processo tem “lastro jurídico". -BRASÍLIA- O vice-presidente Michel Temer encaminhou na noite de ontem uma carta pessoal à presidente Dilma Rousseff onde expõe sua posição sobre o momento político que o país atravessa marcado pelo pedido de impeachment contra ela. Temer contradiz a declaração da presidente, que no início da tarde havia afirmado confiar nele. Temer encerra a missiva, obtida pelo GLOBO, rebatendo especificamente isso: “Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã”. E enumera uma série de fatos para provar essa declaração.

A amigos, Temer disse que enviou a carta para não precisar se encontrar pessoalmente com a presidente Dilma e ser vítima novamente de uma “arapuca” armada pelos ministros que tentam associá-lo à defesa do governo contra o impeachment. Apesar do tom duro, peemedebistas dizem que a carta não significa ainda um rompimento. Mas é quase isso.

O vice-presidente conversou com o GLOBO e mostrou-se incomodado com a divulgação da carta.

— Escrevi uma carta confidencial e pessoal à presidente da República. Tive o cuidado de mandar pessoalmente a minha chefe de gabinete entregála. Mais uma vez avaliei mal. Desembarquei em Brasília agora à noite e me surpreendi com o fato gravíssimo de o palácio ter divulgado uma carta confidencial. Eu já tinha me decepcionado quando os ministros Edinho Silva (Comunicação Social) e Jaques Wagner (Casa Civil) divulgaram versões equivocadas do meu último encontro com a presidente, me deixando mal jurídica e politicamente.

Segundo o vice-presidente, Jaques Wagner divulgou a informação errônea de que ele não via lastro jurídico no impeachment. Temer disse que a decisão de Cunha tem lastro jurídico.

— Eu havia sido comunicado pelo Eduardo Cunha que ele acolheria o pedido de impeachment. Reconheci seu direito de fazê-lo e depois o ministro Jaques Wagner colocou na minha boca a afirmação de que a decisão não tinha lastro jurídico. Constrangido, tive que desmenti-lo. O acolhimento tem sim lastro jurídico.

O vice-presidente enviou a mensagem antes de embarcar em São Paulo em um jatinho da FAB para Brasília. Apesar de Dilma ter dito à imprensa que tem confiança integral em Temer e que ele sempre lhe foi fiel, a desconfiança clara por parte da petista vem desde o início de agosto, quando Temer pregou o surgimento de “alguém” capaz de unificar o país.

— Não tem jeito. Ele vai ser chamado de conspirador o tempo todo. Então, ao fazer a carta, ele quer mostrar que sempre colaborou, sempre ajudou o governo. E queria demonstrar que ela (Dilma) nunca demostrou essa confiança em todos esses episódios — explica um interlocutor do vice-presidente. UM ROSÁRIO DE LAMENTAÇÕES Na carta, Temer enumera uma série de motivos que demonstram que ele nunca recebeu a confiança da presidente. O rosário de problemas vinha desde a escolha de seu nome para vice na chapa presidencial, em 2010, e seria exposto na próxima conversa privada entre os dois. Ontem à tarde, no entanto, reunido com o ex-ministro Moreira Franco, o vice desistiu do encontro pri vado e resolveu enviar o texto.

O texto se inicia com uma citação em latim — Verba volant, scripta manent — que significa “As palavras voam, mas o escrito fica”. O vice-presidente explica então que escreve um “desabafo que já deveria ter feito há muito tempo”.

Em uma série de mensagens publicadas em uma rede social da vice-presidência, horas após o envio da carta, a assessoria do vice-presidente disse que Temer enviou carta em caráter pessoal, não lhe deu publicidade e “em face da confidencialidade, surpreendeu-se com sua divulgação”. A assessocia faz então esclarecimentos:

“Diante da informação de que a presidente o procuraria para conversar, Michel Temer resolveu apontar por escrito fatores reveladores da desconfiança que o governo tem em relação a ele e ao PMDB. Ele rememorou fatos ocorridos nestes últimos cinco anos mas somente sob a ótica da debate da confiança que deve permear a relação entre agentes públicos responsáveis pelo país”.

Segundo a vice-presidência, não se trata de uma ruptura, mas de uma defesa da “reunificação” do país:

“Não propôs rompimento entre partidos ou com o governo. Exortou, pelo contrário, a reunificação do país, como já o tem feito em pronunciamentos anteriores. E manterá a discussão pessoal privada no campo privado”.

Horas antes de embarcar para Brasília, o vice-presidente apresentou em São Paulo a uma plateia de cerca de 150 empresários o programa de governo formulado pelo PMDB para que o Brasil saia da crise. Em um evento mensal da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio) para o qual já estava convidado antes da deflagração do impeachment, Temer falou por cerca de meia hora sobre as propostas de “Uma ponte para o Futuro”. Procurado, o Palácio do Planalto não qui se manifestar sobre a carta de Temer.

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‘O PMDB está muito dividido’

 
ELISEU PADILHA

Braço-direito do vice, o agora ex-ministro Eliseu Padilha diz que Temer está ‘aferindo’ o sentimento de peemedebistas.

Depois de se encontrar com a presidente Dilma Rousseff, o peemedebista Eliseu Padilha, que pediu demissão do cargo de ministro da Aviação Civil, disse que o partido está dividido em relação ao impeachment e que o vice-presidente Michel Temer, de quem é braço-direito, decidirá qual caminho seguir após ouvir as várias tendências da legenda. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, disse ainda que Temer não tem posição definida sobre o impedimento.

Qual sua posição sobre o impeachment?

O presidente Michel (Temer) tem retratado a situação do partido, que hoje está muito dividido e conflituado nesse tema. Ele só é o presidente do PMDB porque consegue buscar e exprimir no momento certo qual a posição do partido. Neste caso, ele ainda não a tem.

E quando ele terá uma posição sobre o afastamento de Dilma?

Ele está trabalhando, ouvindo muita gente.

Como fica a relação entre Dilma e Temer a partir de agora?

Temos duas relações que têm que ser distinguidas: a pessoal e a institucional. A última não sofre nenhum tipo de arranhão, de fissura, vai continuar como sempre foi. As relações pessoais vão depender dos gestos de cada um. A interpretação dada pelo presidente Michel é que não sentimos confiança plena na atitude que se toma (no Planalto).

A ala pró-impechment do PMDB viu sua saída como senha para atuar pelo afastamento de Dilma.

A disputa política é feita da interpretação que cada um dá a um mesmo fato. Quem tinha interesse em utilizar esse gesto como uma saída do governo utilizou.

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‘Passei Os Quatro Primeiros Anos De Governo Como Vice Decorativo’

 

“São Paulo, 07 de Dezembro de 2015. Senhora Presidente, ‘Verba volant, scripta manent’. Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio. Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.

Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos. Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.

Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo. Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, porque era eu o candidato à reeleição a Vice. Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido.

Isso tudo não gerou confiança em mim, gera desconfiança e menosprezo do governo.

Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.

1. Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.

2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.

3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.

4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas ‘desfeitas’, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC. Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta ‘conspiração’.

5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de líderes e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.

6. De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido. Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.

7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.

8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice-Presidente Joe Biden — com quem construí boa amizade — sem convidar-me, o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que, numa reunião com o Vice-Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da ‘espionagem’ americana, quando as conversas começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice-Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança;

9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa.

10. Até o programa ‘Uma Ponte para o Futuro’, aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança, foi tido como manobra desleal.

11. PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso. A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silêncio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.

Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais. Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção.

Respeitosamente, M TEMER”