O globo, n. 30073, 08/12/2015. País, p. 5

‘Não podemos nos dar o direito de parar o país’

 

CATARINA ALENCASTRO, SIMONE IGLESIAS WASHINGTON LUIZ 

Dilma defende que recesso do Congresso seja reduzido e diz que vai conversar com Renan.

A presidente defendeu ontem a convocação do Congresso no recesso para agilizar a votação do impeachment. “Não podemos nos dar o direito de parar o país”, disse ela, lembrando a gravidade da crise. -BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff disse ontem que pode convocar o Congresso Nacional para trabalhar no recesso que se estenderia de 23 de dezembro a 2 de fevereiro. Ela defende que a crise política agravada com o pedido de impeachment aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seja encerrada o mais rapidamente possível. A presidente disse ainda que vai conversar com Renan para ver a melhor forma de conduzir essa convocação. Ela defende que os parlamentares suspendam os trabalhos entre o Natal e o Ano Novo e retomem as atividades no início de janeiro:

— Eu acredito que numa situação de crise como essa política e econômica pela qual o país passa, acho que seria importante que o Congresso fosse convocado. Não podemos nos dar o direito de parar o país até o dia 2 de fevereiro. Não é correto o país ficar em compasso de espera. JURISTAS APRESENTAM ARGUMENTOS Ontem, cerca de 30 juristas apresentaram a Dilma argumentos técnicos contestando a consistência e a legalidade do pedido de impeachment. Segundo ela, os juristas ponderam, entre outras coisas, que as contas deste ano sequer foram encerradas e, por isso, sua suposta violação não poderia embasar um pedido de impedimento.

Apesar da crescente mobilização de aliados do vice-presidente Michel Temer para fazer o impeachment prosperar, Dilma afirmou que não tem motivos para desconfiar “um milímetro” sequer do vice. Ela disse que tem conversado com ele e que voltaria a falar com ele ainda ontem.

— Confio e sempre confiei. Prefiro ter a posição que sempre tive: ele sempre foi extremamente correto comigo e tem sido assim. Não tem por que desconfiar dele um milímetro — afirmou.

Perguntada sobre a saída do governo do ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, e se isso poderia desencadear um desembarque em massa do PMDB, Dilma não quis responder. Deu uma réplica em tom de brincadeira:

— Nessa casquinha de banana eu não caio, não.

Apesar das declarações públicas, a falta de uma manifestação contrária ao impeachment do vice Michel Temer está incomodando e constrangendo a presidente, segundo um auxiliar próximo a ela. Desde a última quinta-feira, dia seguinte à abertura do processo, Temer e Dilma conversaram por apenas 30 minutos e ele viajou para São Paulo. A reunião virou uma batalha de versões entre auxiliares da presidente e do vice. Se Dilma está “incomodada”, Temer tem reagido com ironia e irritação às declarações da presidente e ao que seus aliados chamam de armadilhas do grupo de Dilma para que se declare contra o impeachment.

A pessoas próximas, Temer tem dito que ela busca reconstruir pontes depois de passar anos o “diminuindo” politicamente. O vice, segundo um auxiliar, reagiu com ironia à declaração de Dilma elogiando-o como um grande constitucionalista. Se realmente achasse, lembrou Temer, o teria consultado sobre a Assembleia Constituinte exclusiva que pregou no auge das manifestações de rua, em 2013.

Ontem, apareceu uma nova guerra de versões entre os dois gabinetes. Dilma afirmou em entrevista no fim da manhã que deveria receber o vice para conversar sobre o impeachment. Temer não recebeu nenhum telefonema pedindo que retornasse a Brasília, o que só ocorreu à noite, para uma reunião com ministros peemedebistas e a cúpula do partido no Jaburu.

No entanto, ele cancelou compromissos na capital paulista, entre eles, uma reunião com o governador tucano Geraldo Alckmin. Os auxiliares de Dilma interpretaram esse gesto como um recuo em suas movimentações mais próximas à oposição.

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Última convocação foi em 2004

 
CRISTIANE JUNGBLUT

Desde 1987, recesso do Congresso foi cancelado 28 vezes.

Pela Constituição, o Congresso se reúne anualmente de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. A Carta Magna, em seu artigo 57, determina que o Congresso pode ser convocado extraordinariamente pelo presidente da República, pelos presidentes da Câmara e do Senado ou por meio de requerimento apresentado pela da maioria dos membros de ambas as Casas. Em todas essas hipóteses, o pedido tem que ser aprovado pela maioria absoluta da Câmara e do Senado.

Essa convocação pode ocorrer em caso de urgência ou interesse público relevante e precisa ter uma pauta definida. Desde 1987, foram 28, a última em dezembro de 2004. A última convocação por um presidente foi em 2003. O ex-presidente Lula convocou o Congresso em julho para criar a CPI Mista das Armas. Nos demais casos, foi para aprovar o Orçamento da União.