Valor econômico, v. 16, n. 3916, 06/01/2016. Brasil, p. A2

BNDES antecipa quitação de R$ 15,7 bilhões, cerca de 50% do recebido pelas pedaladas

Leandra Peres

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) quitou antecipadamente R$ 15,7 bilhões de empréstimos feitos pelo Tesouro Nacional como parte do acerto de contas pelo pagamento das "pedaladas fiscais". As operações foram feitas ao longo de dezembro e se referem principalmente a financiamentos com correção em dólar, alguns com data de 2008.

De acordo com fontes do banco, o aumento da cotação da moeda americana fez o custo desses financiamentos subir e há interesse do banco em fazer os pagamentos para trocar uma linha que hoje ficou cara, por recursos mais baratos. "Faz sentido inclusive do ponto de vista administrativo", explicou uma autoridade.

Em 2015, entre o pagamento de estoques de subsídios atrasados e operações vencidas ao longo do ano, o BNDES recebeu do governo R$ 30,037 bilhões. De acordo com uma estimativa inicial do Tesouro, o banco devolveria cerca de R$ 28 bilhões para o governo. O valor final dependerá da data de pagamento por causa da oscilação do dólar.

A diferença entre o que o Tesouro repassou como pagamento das "pedaladas" e o que o BNDES já quitou - cerca de R$ 15 bilhões - ainda não tem data para ser quitada. O cronograma dependerá de uma negociação entre o banco e a Fazenda levando em consideração as condições de liquidez da instituição e também a demanda por crédito. Na prática, quanto mais demorar a concluir o acerto de contas, mais recursos o banco estatal terá em caixa para operações de financiamento.

De acordo com os dados do BNDES, a dívida total com o Tesouro ainda é de R$ 534,5 bilhões. No fim de dezembro, o banco teve autorização para negociar o pagamento antecipado de três contratos com a União. De acordo com dados relativos ao terceiro trimestre de 2015, o valor desses financiamentos é de R$ 28,893 bilhões. Dois deles são indexados ao dólar com juros de 4,46% ao ano e o prazo de carência para o pagamento do principal acaba em março e agosto desse ano. O último contrato, também o de menor valor (R$ 1,8 bilhão), tem vencimento previsto para dezembro de 2017 e correção pela taxa Selic.

No fim do ano passado, o Conselho Monetário Nacional (CMN) reduziu em R$ 30,5 bilhões o limite de recursos que o BNDES tinha disponível para empréstimos subsidiados do PSI. A avaliação é de que a demanda pelos recursos foi inferior ao esperado e por isso, o banco teria condições de devolver ao Tesouro. A Fazenda continua sustentando que não faltam recursos ao BNDES para atender a demanda atual por financiamentos do banco, especialmente depois que o governo praticamente encerrou as operações subsidiadas do PSI.

O governo conta com o retorno dos recursos do BNDES para o caixa da União para amortizar o efeito do pagamento das "pedaladas" sobre a dívida bruta. A despesa do Tesouro com as manobras fiscais aumentou o endividamento público, mas o dinheiro depositado pelo BNDES neutraliza parte desse impacto.

O governo pagou R$ 55,8 bilhões ao BNDES, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e FGTS como parte do acerto pelos atrasos no pagamento de subsídios e repasse de multas, no caso do fundo dos trabalhadores.

Para evitar que esse dinheiro girasse no sistema bancário e forçasse uma queda nos juros, o Banco Central vendeu títulos públicos ao mercado e recolheu o dinheiro. Para fazer essa operação precisou de R$ 40 bilhões em títulos do Tesouro Nacional. O valor da emissão feita ao BC, de acordo com fontes do governo, acabou inferior ao valor total das pedaladas porque houve o pagamento parcial do BNDES.

O efeito exato das pedaladas nas contas públicas só ficará claro no fim desse mês, quando o Banco Central divulgar as estatísticas referentes a dezembro de 2015. O chefe do departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, afirmou que parte das manobras já foi incorporada às estatísticas oficiais e que uma outra parcela entraria nas contas a partir de dezembro. O BC fará um quadro destacado nos dados fiscais para mostrar o impacto das pedaladas em anos anteriores. A medida foi uma exigência do Tribunal de Contas da União (TCU), que considerou as operações feitas pelo governo irregulares.

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'Pedaladas’ e liquidez podem impor nova relação entre Tesouro e BC?

Angela Bittencourt

O Tesouro Nacional inovou e surpreendeu ontem ao o informar, em nota distribuída pelo Ministério da Fazenda, a emissão de R$ 40 bilhões de títulos federais para o Banco Central.  A comunicação __ incomum pelo montante e pela formalidade de uma Nota à Imprensa __ não passou despercebida de especialistas em dívida pública no mercado financeiro que encerraram a segunda-feira, matutando se estaria em gestação um novo relacionamento, ou mesmo uma parceria, entre os dois órgãos do governo nesta fase em que o Ministério da Fazenda é chefiado pelo economista Nelson Barbosa.

A iniciativa do Tesouro, chefiado interinamente por Otávio Ladeira de Medeiros desde a saída de Marcelo Saintive que deixou a instituição ao mesmo tempo em que o ex-ministro Joaquim Levy, às vésperas do Natal,  despertou simpatia pela transparência. Tradicionalmente, as informações sobre parcelas de emissões de dívida destinadas à carteira do BC são restritas aos mecanismos de comunicação quase exclusivos ao mercado financeiro. Mas a iniciativa do Tesouro também despertou sinais de alerta, embora a nota da Fazenda tenha informado objetivamente que “a emissão [R$ 40 bilhões] tem o objetivo de suprir a carteira da autoridade monetária com títulos públicos em montante suficiente para viabilizar as operações compromissadas [venda de títulos pelo BC com compromisso de recompra futura]”.

O Tesouro explicou ser “a emissão  necessária para manter em equilíbrio as condições diárias de liquidez bancária, de modo que a taxa de juros de mercado (Selic) esteja em linha com a definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom)” e lembrou, no documento distribuído pela Fazenda, que ocorre uma ampliação sazonal da liquidez em janeiro em  função de vencimento de títulos. Uma outra justificativa para a emissão de títulos para o BC, “sem qualquer custo”, é a recomposição do ‘colchão da dívida’ ao longo do 1º trimestre deste ano.

A menção ao ‘colchão da dívida’ na Nota à Imprensa distribuída pelo Ministério da Fazenda, a quem o Tesouro Nacional subordinado, desloca as operações compromissadas do Banco Central  de um território até agora praticamente privado à instituição e ao mercado e que passa a ser compartilhado  com o Tesouro, uma vez que o restabelecimento do ‘colchão da dívida’ dependerá dessas operações.

Para o Banco Central, o foco da venda temporária de papéis públicos continuará sendo a administração da disponibilidade de dinheiro no sistema bancário e, por consequência, o nível da taxa de juro de curto prazo na economia. As compromissadas do BC do B tiveram esse caráter reforçado a partir de 2006, quando o governo Lula optou por uma política de acumulação de reservas internacionais. A aquisição de dólares no mercado doméstico pelo BC implicava  (e implicaria hoje) na liquidação financeira da operação em reais. A tarefa de recomposição do ‘colchão da dívida’ via compromissadas entra na rotina da autoridade monetária devido à expansão monetária provocada pelo acerto de contas entre oTesouro, os bancos públicos e o FGTS. Na semana passada, o Tesouro pagou repasses a programas que foram atrasados sobretudo nos últimos dois anos para que o resultado fiscal do país fosse melhor ou menos ruim – as chamadas ‘pedaladas fiscais’ condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Otávio Ladeira indicou, na semana passada, que mais de R$ 70 bilhões sacados pelo Tesouro na ‘conta única’ que mantém no BC __ para liquidar a fatura das ‘pedaladas’ que chegou a R$ 72,4 bilhões __ devem entrar em circulação. Considerando que a ‘conta única’ tem sentido de reserva gestão da dívida pública, o dinheiro que estava no BC não tinha livre curso na economia. Mas ao ser integrado ao caixa do BB, do BNDES, da Caixa e do FGTS, ele ganha mobilidade e status de fator de expansão de liquidez que deve ser administrada pela autoridade monetária.

Uma vez que as soluções encontradas para a limpeza dos livros do Tesouro são recentes e nem tudo está em funcionamento __ caso das compromissadas para recompor o ‘colchão da dívida’ __ especialistas tentam compreender o  papel das instituições nesta nova etapa do  segundo mandato de Dilma Rousseff que, na avaliação do mercado, mudará profundamente a política econômica.