Valor econômico, v. 16, n. 3918, 08/01/2016. Empresas, p. B3

Ação da AGU pode dificultar parcerias da Vale em minas

 

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Adler Alves, subprocurador da AGU: "Esperamos que Samarco, Vale e BHP manifestem interesse em conciliação"

 

A Vale pode ter dificuldades de fazer eventuais parcerias envolvendo ativos minerários no Brasil enquanto perdurar a decisão judical que determinou, no fim de dezembro, a indisponibilidade das licenças de concessões detidas pela empresa para exploração de lavras existentes. O bloqueio também atingiu a Samarco e a BHP Billiton. A Vale nega que a decisão judicial afete seu programa de desinvestimentos, mas analistas de bancos no mercado ainda tem dúvidas.

A Vale disse que não há especificamente na decisão judicial restrição à venda de participação minoritária envolvendo ativo minerário pois, no caso de ocorrer essa operação, a titularidade do direito continua com a empresa. "Não está claro se a decisão judicial vai impedir que a Vale venda fatia de um projeto no Brasil", disse um analista. A Advocacia Geral da União (AGU) afirmou que as licenças precisam ser preservadas como estão, em sua "integralidade". A indisponibilidade é integral para qualquer cessão ou transferência, o que impede as três empresas de vender mesmo fatia minoritária das concessões de lavra abrangidas pela decisão judicial, afirmou a AGU.

A venda de ativos é essencial para a Vale cobrir um déficit no fluxo de caixa livre estimado pelo mercado acima de US$ 3 bilhões em 2016. Como prevê investir US$ 6 bilhões este ano e as previsões de receita de vendas estão em queda em função da deterioração dos preços do minério de ferro, a empresa precisará cobrir esse déficit com a venda de ativos. A venda de ações preferenciais em ativos específicos, como minas e usinas de beneficiamento, é um dos desinvestimentos possíveis para 2016, conforme afirmado pela empresa a investidores, em dezembro.

É possível que duas operações fechem o fluxo de caixa da Vale em 2016. Uma é o "project finance" do projeto de carvão em Moçambique e outra a venda de navios mineraleiros. Mas se o preço do minério cair para US$ 35 por tonelada é possível que a empresa tenha de vender outros ativos, incluindo participações minoritárias em projetos. Em 2015, a Vale vendeu ações preferenciais da subsidiária MBR para um fundo do Bradesco.

Em casos de transferência de títulos minerários, cabe ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) analisar o pedido. Com a decisão judicial em vigor, o DNPM irá impedir qualquer eventual operação de transferência, salvo que haja substituição de garantias (ativos), disse o subprocurador-geral federal da AGU, Adler Anaximandro Alves. Ele é um dos procuradores à frente da ação civil pública de R$ 20 bilhões movida pela AGU e pelos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo contra a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, como resultado da tragédia provocada pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana (MG), em 5 de novembro. O desastre completou dois meses esta semana.

Se minério de ferro cair para US$ 35, a empresa vai precisar vender mais ativos para cobrir déficit em fluxo de caixa

A indisponibilidade das licenças de concessões para exploração de lavra existentes foi decretada pela Justiça Federal de Belo Horizonte, no dia 18 de dezembro, no âmbito da ação civil pública capitaneada pela AGU. Alves disse que a indisponibilidade das concessões de lavra foi pensada para funcionar como uma "garantia" de que Samarco, Vale e BHP vão cumprir a decisão prevista na ação de depositar R$ 2 bilhões anuais por dez anos (R$ 20 bilhões no total) em um fundo privado para fazer a recuperação ambiental motivada pelo desastre causado pelo rompimento da barragem. Houve mortes e danos ao rio Doce.

Pela decisão judicial, qualquer eventual transferência, venda ou cessão da concessão de lavra ficam indisponíveis. "Conseguimos fazer com que as licenças de lavra, um ativo com feição econômica nítida, fiquem indisponíveis para cessão, transferência, bem como que sejam dadas em garantia", disse Alves. Ele deixou claro que nem todos os bens da Vale estão indisponíveis, medida que alcança somente os direitos de exploração de lavra. A Vale tem 141 concessões de lavra no Brasil, segundo levantamento feito pelo Valor junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

"Uma das nossas preocupações era não estrangular o funcionamento das empresas [rés], que geram empregos e impostos. O que pedimos [e foi aceito pela Justiça em decisão liminar] foi a indisponibilidade de um dos ativos, que é a concessão do direito de lavrar", disse Alves. "A empresa [Vale] pode continuar produzindo, beneficiando, vendendo e exportando." Ele disse ainda que a Vale e as demais rés da ação só conseguirão transferir uma licença de concessão de lavra se substituírem esse direito por um depósito judicial equivalente em dinheiro. O procurador da AGU disse esperar que Samarco, Vale e BHP tomem a iniciativa de propor uma conciliação.

Em nota, a Vale afirmou: "A Vale cumprirá a decisão judicial, não transferindo ou cedendo os direitos minerários lá listados. A decisão não impacta o programa de desinvestimento da Vale em curso e já informado ao mercado. A Vale sempre demonstrou todo o interesse em buscar uma solução amigável com as partes envolvidas e já havia expressado isso antes mesmo da ação da AGU ser protocolada. A empresa continua aberta para o diálogo e vem tratando com as diferentes partes interessadas, buscando, assim, evitar um longo processo judicial". Em 21 de dezembro, depois de divulgada a decisão judicial, a Vale disse que ainda não havia sido citada, e acrescentava que iria recorrer da ordem judicial, "demonstrando o descabimento da providência", contestando a ação dentro do prazo.

A partir de ontem, com o fim do recesso do judiciário, a ação volta a tramitar e, em janeiro e fevereiro, vencem prazos para tomada de medidas determinadas pela Justiça para as três empresas. A Samarco precisará demonstrar, por exemplo, que tomou ações para estancar completamente os vazamentos de lama em Mariana. A decisão da Justiça do dia 18 de dezembro determinou que, em 30 dias, a Samarco efetuasse depósito inicial de R$ 2 bilhões para uso no plano de recuperação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem. Se a Samarco não conseguir arcar com o depósito, a Vale, considerada "poluidora direta" na ação, e a BHP Billiton terão que fazê-lo, disse Alves. (Colaborou Rafael Rosas, do Rio).