Valor econômico, v. 16, n. 3946, 19/02/2016. Política, p. A6

Lava-Jato começa a investigar áreas de transporte e saneamento

 

Por Fábio Pupo | De Brasília


O cruzamento de dados feito pela Receita Federal no âmbito da Operação Lava-Jato levou os auditores fiscais a abrir novas frentes de apuração. O órgão já identificou pagamentos dos chamados operadores (pessoas que movimentam recursos) a dezenas de empresas com características de companhias de fachada, desta vez usando recursos que tiveram origem em setores não ligados ao petróleo – como energia, transporte e até saneamento básico.


Segundo membros da Receita Federal, os pagamentos identificados até agora seguem o mesmo “modus operandi” que desviou recursos da estatal Petrobras – por meio do qual, segundo o Ministério Público, empreiteiras pagavam de 1% a 5% do montante de contratos superfaturados para altos executivos da estatal, partidos e parlamentares.


As transações descobertas pela Receita ocorreram a partir de 2011, conforme apurou o Valor. Os fatos já foram comunicados aos procuradores da Operação Lava-Jato em Curitiba e foram acompanhados de pedido de quebra do sigilo bancário pela via judicial.


Os novos casos começaram a ser investigados recentemente. Por isso, muitos detalhes ainda não podem ser divulgados. Mas a suspeita dos investigadores é que o esquema desviou recursos oriundos de estatais para a contratação e execução de obras públicas – como construção e manutenção de rodovias.


Ainda no primeiro semestre de 2016, a Receita estima abrir cem novas fiscalizações ligadas à Lava-Jato. Segundo o órgão, os novos procedimentos vão abranger pessoas e empresas que até agora não eram investigados pelo órgão. Segundo Flávio Vilela Campos, coordenador-geral de Fiscalização, o principal foco são operadores financeiros que movimentam recursos de forma ilegal. “Isso vai desencadear novas operações, inclusive. Por que essas pessoas [investigadas] não trabalhavam só no âmbito da Lava-Jato”, afirma.


De acordo com Iágaro Jung Martins, subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, o órgão hoje observa o “conjunto” das ilegalidades investigadas. “Com o aprendizado da Lava-Jato, enxergamos o conjunto das operações. Algumas pessoas têm um esforço para esconder. Mas com esse volume extraordinário de informações geradas, em algum momento os vínculos ficam evidentes. [Agora] a gente não olha apenas um CPF, mas a árvore de relacionamentos”, afirma.


A Receita Federal faz apurações ligadas à Lava-Jato antes mesmo da deflagração pública da Operação. O órgão vem participando das investigações por meio de cruzamentos e análise de dados. Ao todo, 77 auditores fiscais se dedicam exclusivamente à Lava-Jato, em conjunto com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. A Receita já reúne informações de 7.516 empresas e 6.072 pessoas físicas ligadas aos fatos.


Os investigados estão divididos pela Receita em quatro núcleos principais. O primeiro é o das empreiteiras que contratam serviços fictícios de outras empresas. O segundo é o das chamadas empresas “noteiras”, que prestam serviços de fachada e existem só para emitir notas fiscais. Há ainda o núcleo dos agentes políticos e o das operadoras de câmbio fraudulento.


Foram instaurados 484 procedimentos fiscais ligados à Operação no órgão até agora e lançados R$ 1,42 bilhão em créditos ligados à investigação – entre impostos, multas e juros. Desse total, a maior parte (R$ 1,26 bilhão) foi aplicada sobre empreiteiras. Também foram cobrados valores de operadoras de câmbio (R$ 114 milhões), ex-executivos de empresa (R$ 21,3 milhões), operadores financeiros do esquema (R$ 12,9 milhões) e políticos (R$ 5,1 milhões). Martins acredita que o montante total arrecadado pela Receita possa chegar a R$ 10 bilhões até o fim das investigações da Lava-Jato.


O juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato contra réus sem foro privilegiado, afirmou há cerca de um ano que foi apreendida uma tabela “perturbadora” do doleiro Alberto Youssef (que movimentava recursos ilícitos) sugerindo que o esquema de fraude à licitação, sobrepreço e propina “vai muito além da Petrobras”. Segundo o relato do juiz, a tabela relaciona cerca de 750 obras públicas “nos mais diversos setores de infraestrutura” com informações como a entidade pública contratante, a proposta, o valor, o cliente (empreiteira) do referido operador e o contato na empreiteira.