O globo, n. 30071, 06/12/2015. Economia, p. 35

Emprego, renda e crédito afetarão famílias

 

CÁSSIA ALMEIDA 
MARCELLO CORRÊA 

Crise política reduz confiança de consumidores, mas recessão deve ajudar a conter alta de preços em 2016.

A abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff vai trazer mais incertezas para a economia, principalmente se este for prolongado e houver manifestações nas ruas. Se não se estender por muito tempo, pode até levar a uma recuperação mais rápida da economia. Enquanto impera a dúvida, as famílias vão sofrer mais com desemprego, queda salarial e crédito mais escasso, afirma Luiz Roberto Cunha.

— Em ambiente incerto, ninguém contrata, ninguém compra — diz o economista.

Recessão ajuda a conter preços, portanto a inflação deve subir menos no ano que vem. Este ano, vai ultrapassar 10%. Mesmo com a oscilação na cotação do dólar causada pelo quadro político turbulento, o repasse dessa alta da moeda americana já está contido pela retração na atividade econômica, diz Cunha.

O Banco Central (BC) já avisou que pode subir ainda mais os juros básicos, hoje em 14,25% ao ano. Portanto, o crédito que poderia ajudar a compor o orçamento das famílias, como tem acontecido nos últimos anos, não é solução.

Para o economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC, a crise econômica vai se agravar devido ao freio nos investimentos e no consumo. Ele acredita que o principal mecanismo pelo qual a crise política contaminará o dia a dia dos brasileiros é a baixa confiança:

— O consumidor vê o vizinho perder o emprego e vai frear mais os gastos. A crise política tira o farol de empresários e consumidores. Esse farol já estava quase chegando, mas, com essa mudança, a questão política ganhou mais força.

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Corte de investimento responderá por mais da metade do tombo do PIB

MARTHA BECK
BÁRBARA NASCIMENTO 

Ajuste fiscal do governo e crise da Petrobras afetarão resultado deste ano.

“É defensável uma discussão séria com o Congresso para tentar diluir esse ajuste por um período mais prolongado de tempo”
André Nassif Professor da UFF

O governo será responsável, direta ou indiretamente, por 2,7 pontos percentuais da queda no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano. O tombo da economia está estimado em 3,1%, mas depois do resultado observado no terceiro trimestre — uma retração de 1,7% em relação aos três meses anteriores — o percentual deve ser ainda maior. Economistas concordam que o duro ajuste fiscal conduzido pela equipe econômica vai contribuir para a derrubada do PIB de 2015, mas se dividem sobre o acerto dessa estratégia.

Estudo feito pelo Ministério da Fazenda aponta que um dos principais responsáveis pela retração do PIB será a redução dos investimentos da Petrobras, cujo impacto negativo estimado na atividade econômica é de dois pontos percentuais. Afetada pela Operação Lava-Jato (que revelou um esquema de corrupção na estatal), a Petrobras reduziu fortemente seu plano de negócios este ano.

Já o corte nos investimentos da União em 2015, que está próximo de 40%, deve ter impacto de 0,7 ponto percentual na retração do PIB. Com receitas em queda, o governo foi obrigado a fazer um contingenciamento nas despesas de quase R$ 90 bilhões, que atingiu principalmente os investimentos. Com isso, os valores devem ficar em R$ 51,3 bilhões, o que representa queda nominal de 33,8% e real (já descontada a inflação) de 38%, em relação ao montante investido em 2014. O Ministério das Cidades, responsável pelo programa Minha Casa Minha Vida, teve uma redução de 28,9% nos investimentos pagos até outubro de 2015. Já a pasta dos Transportes perdeu 36%.

‘DESONERAÇÕES SEM CONTRAPARTIDA’

Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, o ajuste era uma necessidade depois do período de frouxidão observado no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

— Esse ajuste fiscal brusco foi para tentar resolver os problemas gerados nos anos anteriores. O que aconteceu no primeiro mandato da presidente foi aumento de despesas com desonerações sem contrapartida. O ajuste foi para tentar resgatar a credibilidade da economia. A dose do remédio foi grande, mas era necessária para fazer o doente viver mais — afirmou Agostini.

A economista Alessandra Ribeiro, da Tendências, concorda e avalia que parte do problema é o engessamento dos gastos federais:

— O governo não consegue mexer em grande parte de suas despesas, e os investimentos pagam o preço na hora do ajuste fiscal. Isso tem impacto sobre o PIB. Mas é inegável que o ajuste fiscal era necessário — disse Alessandra.

Já o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, avalia que o plano do governo para 2015 foi mal desenhado e prejudicado pela crise política:

— Como o governo não conseguiu avançar no ajuste fiscal no Congresso, por causa das turbulências políticas, ele fez o ajuste fiscal na marra e derrubou os investimentos. Isso sacrificou o PIB.

Para o professor André Nassif, da Universidade Federal Fluminense (UFF), o governo se colocou em uma posição delicada porque precisa terminar o ajuste fiscal iniciado para recuperar a confiança, mas não pode retomar o crescimento sem investimentos.

— Quando você tem uma situação de depressão, a forma mais rápida de sair é através da reativação do investimento público. Mas como reativar o investimento público, se o governo precisa sinalizar ao mercado que vai ter algum compromisso com o ajuste fiscal para resgatar a confiança?

Nassif acredita que a saída para o impasse é o governo “adequar o ajuste ao atual ciclo econômico”, de forma a sinalizar um compromisso com o reequilíbrio das contas, mas encontrar meios de reativar o investimento por meio de obras públicas.

REDUÇÃO DA CAPACIDADE PRODUTIVA

O economista Carlos Alberto Cosenza, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta um agravante para a queda livre do investimento. Paralelamente ao arrocho fiscal, o governo opta por aumentar a taxa de juros e “neutraliza o investimento.”

— A taxa de juros consegue neutralizar o investimento a curto prazo e não consegue baixar a inflação. É o principal elemento de diminuição da capacidade produtiva — disse Cosenza.

A forma dura com que o governo tentou implantar o ajuste fiscal para comprimir um déficit primário exclusivamente em 2015 e retomar os resultados superavitários para as contas públicas já no ano que vem, apontou Nassif, tem reforçado o cenário recessivo. Para ele, o processo deveria ter sido feito de forma mais lenta, sendo diluído no tempo:

— Atualmente, é defensável uma discussão séria com o Congresso para tentar diluir esse ajuste por um período mais prolongado de tempo. Isso não significa, entretanto, que o governo não deva ter compromisso com o ajuste.