O Estado de São Paulo, n. 44562, 20/10/2015. Economia, p. B1

No Instituto Lula, Barbosa diz que receita recuou a 2001 e defende ajuste

Contas que não fecham. Em meio à pressão do PT pela saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa conversa com representantes do partido e dos movimentos sociais e diz que arrecadação federal voltou ao patamar de 2001

 Alexa Salomão 
Ricardo Grinbaum


O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, esteve ontem no Instituto Lula, em São Paulo, e durante mais de duas horas defendeu o ajuste fiscal para integrantes do PT, lideranças sindicais, além da diretoria do instituto. Reforçou que a arrecadação retrocedeu a 2001 e é preciso cortar gastos. Na platéia, entre os presentes, estavam o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e Rui Falcão, presidente nacional do PT. Ambos têm criticado a gestão de Joaquim Levy à frente do Ministério da Fazenda, alegando que os cortes são duros, aprofundam a recessão, e que não há plano para a retomada do crescimento.

A apresentação de Barbosa, a qual o Estado teve acesso, trazia mais de 30 tabelas para mostrar a evolução da economia. Um dos dados que chamam a atenção é o desempenho da receita do governo federal, em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB), sem incluir a arrecadação da Previdência. Aproje-ção é que a receita feche o ano em 13,4% do PIB, igual ao resultado de 2014. Sendo assim, a receita de 2015 vai se equiparar à de 2001, quando a arrecadação federal foi de 13,6% do PIB.

O argumento do governo para defender o ajuste é que é quase impossível que, no curto ou médio prazos, a receita volte ao patamar registrado entre 2002 e 2007, quando Lula era presidente. Naquele momento, o boom global na compra de matérias-primas elevara a exportação de produtos como minério de ferro e petróleo, engordando a coleta de impostos. Em 2007, a arrecadação federal chegou a 15,4% do PIB. Ou seja, o atual governo vai ter algo como 2 pontos porcentuais do PIB menos no caixa por causa da queda no preço das commodities.

Para complicar, o governo enfrenta dificuldades para votar itens que podem recompor a receita, como a volta da CPMF. Segundo o Estado apurou, o governo já avalia rever a meta do resultado primário (sem levar em conta os gastos com juros) das contas públicas. Estaria considerando, até mesmo, assumir um déficit em 2015.

Mesmo assim, sindicalistas e políticos ligados ao PT reclamam que está complicado apoiar um ajuste que leve ao "arrocho". Quem participou do encontro diz que o tom foi de questionamento. Lula mais ouviu do que falou, mas ao se manifestar disse que o governo precisa "propor alternativas para o crescimento" e buscar um "novo olhar sobre o País".

Conhecido. Barbosa é velho conhecido no Instituto Lula. Foi integrante do grupo para quem proferiu a palestra ontem. Frequentou as reuniões da entidade no intervalo em que esteve afastado do governo. Em junho de 2013, ele deixou o cargo de secretário executivo do Ministério da Fazenda. Retornou apenas neste ano, como ministro do Planejamento. Depois de assumir a pasta, participou de apenas uma reunião no instituto.

Quem acompanha a rotina por lá, diz se tratar de "coincidência" Barbosa se manifestar justamente após Lula e Rui Falcão falarem na saída de Levy da Fazenda. Fontes ligadas ao PT dizem que Barbosa já havia sido convidado para proferir palestras, mas que não conseguiu se afastar de Brasília porque é muito requisitado pela presidente Dilma Rousseff. Teria conseguido agenda ontem, porque Dilma está fora do País.

Ao deixarem o encontro, lideranças de movimentos sociais manifestaram apoio a Rui Falcão, que pediu mudanças na política econômica. "Estamos com Rui", disse João Paulo Rodrigues, líder do Movimento dos Sem Terra. Também estavam presentes o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad; o de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho; o líder do MST, Gilmar Mauro; Rafael Marques, do sindicato dos Metalúrgicos do ABC; o deputado federal do PT Arlindo Chinaglia, entre outros.

Na saída, Barbosa falou com a imprensa. Reforçou que "faz parte da política econômica ouvir todas as pessoas" e que "o Partido dos Trabalhadores, o presidente Lula, as lideranças presentes também representam uma parte importante da população". Também explicou que fora ao instituto "ouvir as críticas e sugestões e também apresentar ações, justificar o que estamos fazendo, e ouvir idéias novas."

Barbosa defendeu a CPMF para reforçar a arrecadação. Também falou que o Executivo trabalha em reformas estruturais. Segundo o Estado apurou, já há esboço para uma reforma da Previdência, que começaria com a elevação da idade mínima para a aposentadoria. Ele ainda destacou que o governo mira na retomada do crescimento puxada pelo investimento, mas que "o primeiro passo é estabilizar a situação macroeconômica" /COLABORARAM RICARDO LEOPOLDO E ANA FERNANDES

PT não quer Levy, mas não há consenso para substituto
O PT quer a saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas está dividido em relação ao sucessor. A maioria avalia que o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles não é o nome ideal para substituí-lo. Meirelles é "coisa do Lula", mas seria "trocar seis por meia dúzia".

Nelson Barbosa, ministro do Planejamento, é o preferido por nove entre dez petistas para a Fazenda. Lula também gosta dele, mas acha que Meirelles seria o ideal para o momento. A presidente Dilma Rousseff discorda. Avalia que tirar Levy, agora, é o mesmo que admitir a derrota do ajuste fiscal. / vera rosa