O globo, n. 30082, 17/12/2015. País, p. 3

Janot pede saída de Cunha

 
VINICIUS SASSINE 

Procurador-geral acusa presidente da Câmara de integrar ‘organização criminosa’ e de vender MPs.

Afastamento precisa ser referendado pelo plenário do Supremo; em nova denúncia, deputado é acusado por delatores de receber propina de R$ 52 milhões

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato de deputado e, consequentemente, do cargo de presidente da Câmara. Janot enumerou 11 razões para a saída de Cunha, suspeito de usar o cargo para atrasar seu processo de cassação e de “vender” a aprovação de medidas provisórias. O procurador-geral o acusa ainda de integrar uma “organização criminosa” e ressalta que, “por ora”, a prisão não foi pedida. O afastamento terá de ser referendado pelo plenário do STF. Em nova denúncia, Cunha foi acusado por delatores da Lava-Jato de receber propina de R$ 52 milhões por desvios na Caixa. -BRASÍLIA- Com a alegação de que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) criou um “balcão de negócios” na Câmara, “vendeu” atos legislativos e “tumultuou” a elaboração de leis, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) o afastamento de Cunha do cargo de deputado e, consequentemente, da função de presidente da Casa. O procurador-geral acusa Cunha de agir com intenção de proteger a “organização criminosa” da qual faz parte.

Janot reuniu elementos sobre a atuação do parlamentar e confirmou a ameaça de formalizar o pedido de afastamento antes mesmo da decisão do STF sobre aceitar ou não a denúncia criminal já apresentada contra Cunha. A medida cautelar foi encaminhada ontem ao ministro Teori Zavascki, relator dos inquéritos da Lava-Jato que envolvem autoridades com foro privilegiado. A decisão terá de ser referendada plenário do STF.

No documento de 190 páginas e com 11 motivos elencados para a saída de Cunha, Janot lembra que ainda existe uma medida cautelar mais grave, e que acabou não sendo requerida ao STF: a decretação da prisão preventiva de Cunha. “BALCÃO DE NEGÓCIOS”

Há 22 dias, o STF acatou pedido do procuradorgeral e determinou a prisão preventiva do senador Delcídio Amaral (PT-MS), então líder do governo no Senado. Para Cunha, Janot pediu o afastamento cautelar do cargo de deputado federal. Se Teori não concordar, o procurador-geral pede “pelo menos” o afastamento do deputado do cargo de presidente da Casa.

“Eduardo Cunha transformou a Câmara dos Deputados em um ‘balcão de negócios’ e o seu cargo de deputado federal em mercancia, reiterando as práticas delitivas”, aponta Janot no pedido enviado ao ministro do STF. “Eduardo Cunha atuava como ‘longa manus’ dos empresários, interessados em fazer legislações que os beneficiassem, em claro detrimento do interesse público”.

O documento protocolado pela Procuradoria-Geral da República no STF cita as mais diferentes iniciativas de Cunha, tanto no exercício estrito do mandato quanto na função de presidente da Câmara, prejudiciais à atividade legislativa e ao andamento de investigações na Justiça.

Entre elas estão o uso de requerimentos em comissões, inclusive na CPI da Petrobras, para constranger inimigos e garantir supostos acertos de propina; convocações de pessoas que representavam obstáculos ao deputado, como a advogada Beatriz Catta Preta, que atuou para delatores; contratação da Kroll, empresa de espionagem, para investigar delatores; demissão de servidores da Câmara; uma suposta venda de emendas em medidas provisórias; e manobras no Conselho de Ética, onde corre um processo com pedido de cassação do deputado.

Janot acusa Cunha de receber doações e pagamentos ocultos, tanto para ele quanto para “deputados que o auxiliavam, também este o motivo pelo qual possui tantos seguidores”. “Isto demonstra que Eduardo Cunha deve ser afastado do cargo de deputado federal para impedir a reiteração criminosa, garantindo-se a ordem pública, uma vez que vem se utilizando há bastante tempo de referido cargo para práticas ilícitas”, afirma o procurador-geral no pedido protocolado no STF. O deputado atua de forma ilícita para empresas, “vendendo atos legislativos”, pelo menos desde 2012, segundo Janot. FAVORECIMENTO A BANCOS

Boa parte do pedido da PGR descreve uma intensa troca de mensagens entre Cunha e o então presidente da empreiteira OAS, Leo Pinheiro, também investigado na Lava-Jato. Nas mensagens, fica evidenciado como o empreiteiro ditou o conteúdo de projetos de lei e emendas de medidas provisórias que favoreciam o setor. Também são citadas emendas com favorecimento a bancos e outros setores.

A PGR relata a existência de um processo em curso na Justiça Federal no Rio, ao qual foram anexados documentos apreendidos na Operação Alcateia Fluminense. Um documento remetido à PGR, por conta do foro privilegiado de deputado, tem referência a Cunha e a Fábio Cleto, ex-vicepresidente da Caixa Econômica Federal. Janot informa a existência de relatório da Receita Federal e de duas delações — dos empresários Ricardo Pernambuco e Ricardo Pernambuco Júnior — que apontam para uma suposta cobrança de propina, por parte de Cunha e Cleto, em troca de liberação de verbas do FI-FGTS.

Cleto ocupou o cargo por indicação do deputado. Foi demitido depois da declaração de guerra de Cunha com a presidente Dilma, com a aceitação do processo de impeachment na Câmara. Na terça, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão referente ao dirigente da Caixa.

No documento, Janot também faz diversas menções ao ministro da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, aliado de Cunha chamado de “pau-mandado” pelo doleiro Alberto Youssef. Foram de Pansera os requerimentos na CPI da Petrobras que convocavam para depor familiares do doleiro. O episódio é citado por Janot, que acrescenta: “Eduardo Cunha também se valeu do então deputado e hoje ministro Celso Pansera para suas práticas ilícitas. Pansera, esquecendo-se dos verdadeiros e legítimos escopos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, valeu-se do seu cargo para aprovar requerimentos que atingiam justamente duas pessoas que incriminavam ou auxiliaram na incriminação de Eduardo Cunha (Catta Preta e Youssef ).”

PARLAMENTARES ELOGIAM E CRITICAM JANOT

Deputados da base e da oposição apoiaram a iniciativa do procurador-geral. O líder do PPS, Rubens Bueno, disse que Cunha deveria fazer um gesto de “grandeza” e se afastar por conta própria.

— O pedido de afastamento vem de acordo com o nosso discurso desde outubro. Ele perdeu as condições morais de presidir a Câmara. Cabe a ele agora um gesto de grandeza de se afastar — afirmou Bueno.

O deputado Silvio Costa (PTdoB-PE) disse que Cunha não tinha condições “éticas e morais” para acolher o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

Já aliados de Cunha estranharam o pedido de afastamento ter acontecido justamente no dia em que ele tinha obtido “uma vitória” no STF.

— O ministro Fachin dá um voto referendando os atos de Eduardo Cunha, e Janot deixa o julgamento no meio para protocolar esse pedido que não tem fundamento — disse o líder do PSC, André Moura (SE).

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Deputado diz que pedido é retaliação por impeachment

 
JÚNIA GAMA

Presidente da Câmara afirma que objetivo foi criar ‘cortina de fumaça’ para desviar foco do voto do ministro Fachin.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), partiu para o contraataque. Afirmou que o pedido de afastamento feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é uma “retaliação” ao fato de ele ter deflagrado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Cunha disse ainda que o pedido foi feito ontem para criar uma “cortina de fumaça” e desviar o foco do voto do ministro Edson Fachin, do Supremo, que votou por manter a comissão de impeachment criada na semana passada em votação secreta.

— Acho isso mais um processo político de quem me escolheu para ser investigado, uma retaliação mais uma vez pela situação do processo de impeachment, e agora muito mais fortificado pela tendência do Supremo de confirmar os atos que estão sendo praticados. Vejo como um desvio do foco daquilo que está sendo colocado hoje — disse Cunha. — Estranhamente, no momento em que se está tendo uma decisão do Supremo confirmando atos que foram praticados aqui, tenta-se criar mais uma cortina de fumaça, um fato político. Sai no meio da sessão, depois que o relator está votando, para protocolar e gerar um fato político para talvez tentar dividir ou atrapalhar a mídia do dia.

Sobre os argumentos usados por Janot para justificar o pedido, o peemedebista disse que são “ilações”. Cunha disse que seus advogados contestarão o pedido.

— Eu acho graça, não vi ainda a peça, só pelos jornais, mas dizem que coloca lá como justificativa a fatos pretéritos, que encontrou na minha residência documentos bancários do exterior que nada mais eram que as peças do próprio inquérito existente, porque eu tenho cópia. É natural, é só ir lá na minha casa, bastava ler o inquérito que ele mesmo juntou. Óbvio que eu tenho que ter a cópia das peças em que tenho citação. Colocar que isso é um fato estranho, que motive afastamento, citar coisas de cinco anos atrás, coisa continuada...