O globo, n. 30082, 17/12/2015. País, p. 6

Lava-Jato investiga se Cunha cobrou propina para liberar FGTS

 

CHICO OTAVIO

Força-tarefa acredita que deputado atuou para que a Caixa liberasse os recursos.

Paes disse que desconhece qualquer tipo de negociação paralela envolvendo a Caixa e as empreiteiras que executam as obras

A força-tarefa criada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para atuar na Lava-Jato abriu nova frente de investigação envolvendo o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Desta vez, o alvo é a Caixa Econômica Federal (CEF), responsável pela gestão do fundo de investimento criado para financiar obras no Rio de Janeiro.

As investigações se concentram na suspeita de que o consórcio encarregado da execução do projeto, o Porto Novo, formado pelas empreiteiras OAS, Carioca Engenharia e Odebrecht, teria pago suborno a Cunha, em 36 prestações depositadas em conta de banco suíço, para garantir a liberação de recursos provenientes do FGTS para o financiamento das obras.

Na última terça-feira, a casa do administrador de empresas Fábio Cleto, ex-vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias da Caixa, demitido semana passada pela presidente Dilma, foi alvo de busca e apreensão pela Polícia Federal. Cleto era indicação do presidente da Câmara. Na condição de representante titular da CEF no Conselho Curador do FGTS, ele exerceu um papel-chave na aprovação do aporte de recursos para o Porto Maravilha.

Outro personagem do caso é José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, apontado como um dos mentores da operação urbana montada para o Porto Maravilha. Ouvido pela Justiça, ele deu detalhes sobre a conexão Eduardo Cunha-Caixa. RASTREAMENTO DE NOVA CONTA NA SUÍÇA

As investigações da força-tarefa, agora, estão concentradas no rastreamento de nova conta na Suíça, suposto destino da propina quitada em prestações. Os investigadores suspeitam que Cunha usou um doleiro do Rio, Benjamin Katz, para receber a propina. Antes do banco suíço, o dinheiro teria passado pelo Israel Discount Bank, de Israel.

Será entregue às autoridades um dossiê mostrando detalhes sobre um movimentado esquema de evasão de divisas, no qual Benjamin Katz aparece operando junto com o doleiro Lúcio Bolonha Funaro, sócio oculto de Eduardo Cunha em transações com dinheiro público.

O projeto do porto começou a ser viabilizado há seis anos, pela Lei Municipal Complementar n° 101/2009, que autorizou o aumento do potencial construtivo na região portuária, permitindo a construção além dos limites de gabarito vigentes, à exceção das áreas de preservação, de patrimônio cultural e arquitetônico, e dos prédios destinados ao serviço público. Para explorar essa possibilidade, a prefeitura emitiu Certificados de Potencial Adicional Construtivo (Cepacs), oferecidos aos investidores interessados em construir no local.

Em junho de 2011, a prefeitura ofertou todo o estoque de Cepacs em leilão de um lote único e indivisível. Os certificados foram integralmente arrematados pela CEF, que pagou R$ 3,5 bilhões. Esses recursos, desde então, passaram a ser movimentados pelo “Caixa Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha (FII PM)”, fundo de investimentos administrado pela Caixa.

Pelas regras, todo o valor arrecadado com a venda dos Cepacs ficou obrigatoriamente comprometido com investimentos na melhoria da infraestrutura urbana e em serviços na região. Sendo assim, a CEF assumiu as despesas da operação urbana, em torno de R$ 8 bilhões ao longo de 15 anos, com ordens de serviço emitidas pela Prefeitura do Rio. E este é o foco da força-tarefa de Janot.

Para cumprir os compromissos assumidos, a Caixa esperava vender as Cepacs com ágio aos interessados em investir no projeto, para cobrir a diferença, mas o mercado imobiliário não demonstrou até agora grande interesse pelos certificados e, até o momento, 90% do total desses papéis continuam estocados no fundo à espera de compradores.

Com o rombo, a Caixa passou a ser pressionada para fazer novos aportes de FGTS. Este ano, houve novo reforço de caixa com recursos do FGTS, no valor total de R$ 1,5 bilhão, para evitar a paralisação. Cleto, o afilhado de Cunha, esteve presente no processo de negociação do socorro financeiro.

O consórcio atua na revitalização de uma área de 5 milhões de metros quadrados que abrange os bairros da Gamboa, Saúde e Santo Cristo, além de parte do Centro. Pelo contrato de Parceria Público-Privada (PPP) firmado no âmbito da operação urbana, as obras pagas pelo FII PM são ordenados pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio.

A área em obras era predominantemente formada por armazéns desocupados, galpões e linhas ferroviárias desativadas ou subutilizadas, ruas quase sem calçadas, moradias em estado precário, iluminação pública deficiente, grandes avenidas com tráfego pesado e desconexão econômica e social com o resto da cidade. Na revitalização, uma das principais intervenções é a implantação do novo sistema viário.

Antes de trabalhar na CEF, Cleto atuava no mercado financeiro, onde foi responsável pela gestão de carteiras de renda fixa, variável e câmbio, tendo atuado também por vários anos na gestão de fundos dos bancos ABC Roma, Nacional Multiplic e Dresdner Bank. Além disso, foi corretor da Bovespa e da BM&F.

Léo Pinheiro, apontado como padrinho da operação urbana Porto Maravilha, já foi condenado a 16 anos e quatro meses de reclusão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa na Operação Lava-Jato. A Lava-Jato apurou que a OAS fez parte do cartel de empreiteiras que se apossou de contratos bilionários na Petrobras, entre 2004 e 2014. O juiz federal Sérgio Moro aponta na sentença “quadro sistêmico de crimes”. Os executivos da OAS foram presos pela Juízo Final, 7ª fase da Lava-Jato, em 14 de novembro de 2014. A Juízo Final pegou o braço empresarial da corrupção na Petrobras. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), disse ontem que desconhece qualquer tipo de negociação paralela envolvendo a Caixa e as três empreiteiras que executam as obras do Porto Maravilha. De acordo com ele, a operação que viabilizou o aporte de recursos do FGTS, em fundo administrado pela CEF, passou pelo crivo de, pelo menos, cinco comitês internos da Caixa e até “pela torcida do Flamengo” antes de ser aprovado. Paes disse que a Caixa ainda mantém 90% de Certificados de Potencial Adicional Construtivo (Cepacs) em estoque, em vez de negociá-los com o mercado, porque preferiu permutar terrenos com os investidores. Essa estratégia, segundo ele, pode até valorizar as Cepacs, mas não dá liquidez ao papel, razão pela qual a Caixa precisou de fazer novo aporte de recursos do FGTS no primeiro semestre deste ano.

O prefeito garantiu ainda que Fábio Cleto não participou da montagem da operação urbana do Porto Maravilha, embora admita que ele possa ter representado a Caixa mais tarde, quando as obras já estavam em andamento:

— Se participou, não sei. Eu nunca o vi.

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Propina teria chegado a R$ 52 milhões, diz revista

 

‘Época’ revela delação de empreiteiros e diz que Cunha deu número de conta em Israel.

Na investigação sobre o envolvimento de Eduardo Cunha na cobrança de propina do projeto Porto Maravilha, a força-tarefa de Rodrigo Janot conta com os depoimentos de dois delatores que confessaram a operação. Obtida pela revista “Época”, a revelação feita por Ricardo Pernambuco e Ricardo Pernambuco Júnior, da empreiteira Carioca Engenharia, detalha como foi o pagamento suborno.

No total, segundo a revista, a propina teria chegado a R$ 52 milhões, divididos em 36 prestações. “Eduardo Cunha deu uma conta de um banco chamado Israel Discount Bank para fazer a transferência de parte dos valores. O depoente preparou uma tabela, com data, conta de onde saiu e do destinatário dos valores, no montante total de US$ 3.984.297,05”, diz documento.

Com relação às transferências, Ricardo Pernambuco garantiu que “tem absoluta certeza que foram destinadas para Eduardo Cunha”. Os investigadores apuraram que a secretária dele tentou, em 16 de agosto de 2011, agendar reunião com Cunha e enviou e-mail perguntando a pauta. Cunha foi curto e grosso: “Ele está a par. Só avisar q sou eu!”. “Época” revelou que Pernambuco usava código para tratar da propina a Cunha e o envio de dinheiro para Suíça: o túnel suíço. Segundo ele, a propina foi paga até setembro do ano passado.

Em nota, a Caixa disse que “o FI-FGTS nunca realizou investimento no projeto Porto Maravilha. (...) Trata-se de uma operação realizada no âmbito da Carteira Administrada de Operações Urbanas Consorciadas do FGTS e que seguiu todos os ritos normativos e de governança corporativa da Caixa, passando por comitês internos, preservando os recursos do FGTS”. Informou que “desconhece os fatos relatados e que determinou à corregedoria a instauração de processo de apuração de todas as operações realizadas no projeto de revitalização do Porto Maravilha”.

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DEPUTADO PROTELA NOTIFICAÇÃO DE CONSELHO

Isabel Braga

-BRASÍLIA- Apesar de permanecer em seu gabinete durante o dia de ontem, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), evitou, por duas vezes, ser notificado pela assessoria do Conselho de Ética da abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra ele. Pela manhã, a funcionária foi até o gabinete. Cunha não a recebeu e agendou o encontro para as 17h. Depois, pouco antes do horário, pediu que ligassem para o órgão e, alegando compromisso, remarcou para as 9h de hoje. O prazo de 10 dias para que ele entregue sua defesa só passa a ser contado depois que for oficialmente notificado.

O presidente do conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), disse que serão feitas três tentativas de notificar pessoalmente Cunha e que ontem foi a primeira delas. Caso não consigam notificar pessoalmente o presidente da Casa, ele será notificado pelo Diário Oficial da Câmara e o prazo de 10 dias começa a correr no dia seguinte. Mas o prazo é suspenso durante o recesso parlamentar, que começa dia 23 de dezembro e vai até o final de janeiro.